18/11/2022 - 4:00
No período do Renascimento italiano, no século 15, emprestar dinheiro com juros era um pecado passível de excomunhão pela Igreja Católica. Mas isso não impediu que o primeiro banco considerado moderno, o San Giorgio, abrisse as portas em 1406. O mundo capitalista como conhecemos hoje nasceu concedendo empréstimos com risco elevado. Os banqueiros genoveses e venezianos emitiam notas de crédito para comerciantes comprarem mercadorias em regiões distantes, até na China, sem qualquer garantia de que os produtos iam chegar ao consumidor final — com o ciclo completo, os comerciantes honrariam seus compromissos com as instituições financeiras. Para evitar perdas, só uma espécie de seguro cobriria eventuais acidentes e naufrágios com embarcações carregadas de mercadorias. Ou seja, o risco faz parte do negócio há mais de 600 anos.
No Brasil atual, o cenário de incertezas para 2023 é pintado por economistas como tão devastador — inflação persistente, perda de renda das famílias, expectativa de recessão global, risco fiscal, juros altos no Brasil e no exterior — que impõe o dilema aos grandes bancos de segurar o crédito ou faturar mesmo com perdas por calotes.
Os dados do Banco Central mostram que a média da inadimplência no sistema financeiro subiu de 2,3% para 2,8% nos últimos 12 meses até setembro de 2022. Os atrasos de pessoas físicas acima do período de 90 dias alcançam o patamar de 3,8%. Para o analista de setor financeiro da VG Research, Milton Rabelo, os números mostram uma piora dos atrasos. “A inadimplência está no maior nível desde 2016”, afirmou.
Mas Rabelo explica que os números gerais do BC não detalham que os níveis de inadimplência são bem diferentes entre os principais bancos. Os balanços do 3º trimestre mostraram que Bradesco (3,9%) e Santander Brasil (3%) estão com níveis mais altos que os apresentados por Banco do Brasil (2,3%), Itaú (2,3%) e Caixa (1,8%).
“A decisão do Bradesco e do Santander de colocar um pé no freio no crédito é acertada, pois a inadimplência deles está muito alta. O banco Inter, que atua com cartões, também diminuiu o crédito. A inadimplência ainda não chegou no pico, que será em 2023”, disse. “Já o BB é muito forte no agro e em consignado, carteiras muito seguras. O Itaú também possui uma carteira de crédito de excelente qualidade focada em grandes empresas, por isso sofrem menos nesse ambiente”, afirmou Rabelo.
Para o head de análise e sócio da Levante Investimentos, Enrico Cozzolino, o mercado teve algumas surpresas negativas com os balanços recentes do Bradesco e do Santander. “Isso deixou o mercado bem preocupado. Ao aumentar provisões, os executivos dos bancos estão dizendo que a inadimplência vai piorar”, afirmou. Para ele, o problema é a inflação. “O copo está meio cheio para 2023, o juro pode subir se a inflação continuar aumentando. Vamos ter problema com o crédito”, disse. Por outro ângulo, o analista considera estranho quando bancos comunicam que vão segurar o crédito. “É como entrar num estabelecimento e o dono te dizer que não quer te vender a mercadoria dele. Não faz sentido”, afirmou Cozzolino.
LUCROS ROBUSTOS Independentemente do nível de inadimplência, os balanços evidenciaram que os bancos brasileiros são capazes de entregar resultados robustos aos seus acionistas. Os solavancos dos papéis do setor na Bolsa não refletem os bons resultados.
No geral, os cinco principais bancos listados na B3 — Itaú, BB, Bradesco, Santander Brasil e BTG Pactual — aumentaram seus lucros em 18%, para R$ 82,088 bilhões, no acumulado entre janeiro e setembro de 2022, na comparação com igual período de 2021.
Segundo o analista da Guide Investimentos, Gabriel Gracia, os lucros dos principais bancos continuarão a crescer em 2023. “A gente espera um cenário instável, o risco fiscal pode mexer com a inflação, juros e com a inadimplência. Nesse ambiente, os lucros avançariam de forma gradual. Já se tivermos responsabilidade fiscal, a curva de juros começa a cair e com inflação para baixo, os lucros sobem mais”, afirmou.
Em outras palavras, a inadimplência está elevada, mas lucros maiores dos bancos são esperados para 2023.