Entre terça e quarta-feiras teremos as reuniões do Copom e do Fed de onde sairão os novos níveis para a Selic e para a Fed Funds. Após a quebra do Silicon Valley Bank (SVB) e do Signature Bank, espera-se que o Fed suba 0,25% ou simplesmente não suba os juros. No Brasil, a Selic está em 13,75% e espera-se manutenção da taxa.

A taxa de juros real neutra da economia brasileira é obtida pelas expectativas de mercado apresentadas no último relatório de inflação e estimada em cerca de 5%. Nos EUA, a taxa neutra pode ser obtida utilizando o TIPS de 30 anos que está em cerca de 2%. A taxa de juros neutra é aquela que nem estimula nem desestimula a economia, e é muito importante para a política monetária. Quando a autoridade monetária quer conter a demanda para frear a inflação, ele fixa a taxa Selic (ou Fed Funds) de tal forma que a taxa real praticada fique acima do neutro. No caso de risco de desaceleração muito forte e queda da inflação abaixo da meta, o procedimento é inverso. Quando a economia está crescendo e a inflação está próxima ao centro da meta, a taxa real efetiva (Selic ou Fed Funds) tende a ficar próxima da taxa neutra. Em todos os casos, quanto maior for o juro neutro, maior será a taxa básica.

A inflação esperada nos próximos dois anos nos Estados Unidos, estimada pelos membros do Fomc e divulgada no último conjunto de projeções oficiais do Fed é de cerca de 3%. Os membros do Fed acreditam que a taxa de Fed Funds possa atingir 5,5% até 2024. Assim, a taxa real efetiva nos Estados Unidos deverá atingir 2,7%. No Brasil, as expectativas de inflação estão em 6,5% (Anbima), levando a taxa real a atingir 6%.

Tais números se baseiam numa álgebra trivial e a principal variável é a expectativa de inflação. No Brasil, as expectativas de inflação são significativamente mais altas do que nos EUA. Em parte, devido a décadas de inflação de dois dígitos, de sucessivos fracassos nos planos de estabilização e da subserviência do Banco Central ao presidente do País. Aqui, as expectativas de inflação são rígidas para ficar baixas. Estas mesmas expectativas não são apenas menores nos EUA, são também mais flexíveis para baixo. Ou seja, supondo que ambos os países tenham o mesmo nível de inflação, os Estados Unidos precisarão de uma taxa de juros real menor do que a do Brasil para trazer a inflação à meta. Em equilíbrio, a taxa de juros real no Brasil será sempre superior à mesma taxa dos EUA.

Tanto no Brasil quanto nos EUA, a autoridade monetária está sozinha para reduzir o ritmo de crescimento e coibir a alta de preços. Mesmo com a capacidade de emitir dólares, o congresso americano deverá conceder o aumento do teto da dívida caso o governo Biden venha a propor um plano de ajuste fiscal capaz de coibir a alta de gastos. No Brasil, aguarda-se para este mês de março a apresentação da nova regra fiscal. Tal regra tem que ser vista como crível e factível de ser cumprida e executada. Nos dois países, caso haja um esforço fiscal significativo e positivo, no sentido de estabilização e queda da relação dívida/PIB, as autoridades monetárias poderão deixar de subir juros e até mesmo passar a praticar uma política monetária menos recessiva pois o que importa, em termos agregados, é o tal mix de políticas: fiscal e monetária.

No clássico Some Unpleasant Monetarist Arithimetics, Sargent & Wallace (1981) postulam uma verdade universal que às vezes é esquecida: em economias com dominância fiscal (quando o banco central está subindo juros para coibir a inflação, mas o governo continua gastando e aumentando o déficit fiscal), a alta de juros pode levar à alta de inflação. Ou seja, quando o governo está emitindo dívida para financiar o aumento de gastos e o banco central está, ao mesmo tempo, subindo juros para baixar a inflação, haverá um momento que dúvidas sobre a solvência do governo surgirão em função dos juros crescentes levando a uma expectativa de emissão de moeda futura e consequentemente de inflação.

Ou seja, o impacto final na inflação deve ser visto como uma ‘soma’ dos esforços fiscal e monetário. Para aqueles autores, quando a autoridade monetária está sozinha no combate à inflação, a alta de juros terá de ser muito maior para produzir igual impacto na alta dos preços. No Brasil e nos EUA, a autoridade monetária é sempre vista como a vilã da história. Nos dois países, a imprensa e o mercado estão sempre perseguindo e reclamando contra as altas de juros dos respectivos bancos centrais e desconsideram o elevado ritmo de gastos do governo que termina por tornar muito mais difícil a luta contra a inflação.

VITORIA SADDI é estrategista da SM Futures. Dirigiu a mesa de derivativos do JP Morgan e foi economista-chefe do Roubini Global Economics, Citibank, Salomon Brothers e Queluz Asset. É PhD em economia pela University of Southern California.