08/12/2014 - 10:00
Será que agora a Azul decola no pregão? Após arremeter em direção ao mercado de capitais no segundo trimestre de 2013 e ter de abortar a decolagem em agosto passado devido às más condições atmosféricas do mercado, a companhia aérea fundada pelo americano naturalizado brasileiro David Neeleman surpreendeu os investidores na segunda-feira 1º ao reiniciar os procedimentos de embarque. Em documentos enviados à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e à americana Securities and Exchange Commission (SEC), a Azul informou que pretende realizar uma emissão ainda neste ano, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos.
A data é incerta mas, no prospecto preliminar, os sinos vão soar ainda em 2014. Os documentos são econômicos nos números e a empresa não fala devido ao período de silêncio. Por isso, para avaliar esse negócio é preciso voltar no tempo. Em 2013, o empresário afirmou que planejava captar de US$ 500 milhões a US$ 800 milhões, e usaria boa parte desses recursos para expandir e modernizar a frota, já bem moderna. Agora, a estimativa dos analistas ouvidos pela DINHEIRO é de que o IPO levante montante parecido (de R$ 1 bilhão a R$ 2 bilhões).
Seria uma cifra respeitável para as condições atuais do mercado, mas não tão surpreendente para um setor tão intensivo em capital quanto o do transporte aéreo. O desenho da operação é complexo, mas convencional. Haverá uma oferta primária, de ações que serão emitidas para o IPO, e secundária, na qual serão vendidas ações já existentes. Além de fornecer liquidez a Neeleman e sua família, a venda secundária oferecerá uma porta de saída para investidores minoritários. Entre eles, as famílias Chieppe e Caprioli, dos fundadores da Trip Linhas Aéreas, que se tornaram sócios de Neeleman quando a Azul comprou a Trip, em 2012.
Outros investidores que deverão embolsar alguns ganhos são fundos de private equity. Nomes como os brasileiros Gávea, de Armínio Fraga, e Bozano, de Júlio Bozano, e internacionais, como o Texas Pacific Group. “A Azul deve estar sendo pressionada pelos fundos para proporcionar uma saída”, diz André Castellini, sócio especializado no setor aéreo da consultoria Bain & Company. Vale a pena embarcar nesse IPO? Só para quem tem nervos de aço. Empresas aéreas são ações de alto risco. “O setor é intensivo em capital e muito dependente do crescimento econômico e das oscilações do dólar e do petróleo”, diz Castellini.
Essas variáveis devem deixar o investidor desconfortável. Começando pela economia brasileira. Na quinta-feira 4, ao enviar a proposta de orçamento de 2015 para o Congresso, o Ministério do Planejamento previu um crescimento de apenas 0,8% no ano que vem. “Isso quer dizer que 2015 não será pujante para as empresas aéreas, tanto com relação aos passageiros corporativos, que são apenas 30% do total no Brasil, quanto aos 70% restantes, que são turistas”, diz um analista de um banco internacional. A alta dos juros e a contração do crédito podem diminuir a venda de passagens financiadas, hoje responsáveis por cerca de 30% das viagens de lazer.
Outro fator de turbulências é o câmbio. “Há uma possibilidade concreta de o Brasil perder o grau de investimento em 2015, caso o governo não tome medidas duras para sanear as contas públicas”, diz o analista financeiro Mauro Calil. Um eventual rebaixamento da nota de crédito do Brasil e o temor de uma fuga de dólares resultante podem levar a moeda americana para acima de R$ 3, diz ele. Empresas aéreas são muito endividadas, pois quase todas as aeronaves são financiadas com contratos de leasing, em geral indexados ao dólar. Assim, uma alta do câmbio, ainda que breve, pode varrer os resultados de vários trimestres.
Finalmente, a alta do petróleo é outra ameaça no radar. Os combustíveis representam uma fatia importante dos custos das empresas aéreas, chegando a 50% em média. No caso da Azul, essa fatia é menor, cerca de 35%. Nos últimos meses, em especial devido ao aumento das exportações da Arábia Saudita, o barril do petróleo no mercado internacional vem oscilando ao redor de US$ 80, ante os US$ 110 do mesmo período de 2013. “No entanto, se o conflito na Ucrânia voltar a esquentar, os preços sobem”, diz Calil. Notícia ruim para a Azul, que está no vermelho nos três primeiros trimestre de 2014. Não há nenhuma vantagem para a Azul, portanto? Há uma, sim.
Concorrente de TAM e Gol, a empresa de Neeleman apostou todas as suas fichas no mercado regional, usando aviões menores, de 70 ou 110 lugares, para conectar cidades antes não servidas por linhas aéreas. Em julho, a Medida Provisória nº 652, ainda em tramitação no Congresso, subsidia as passagens das companhias regionais, para ampliar o acesso do transporte aéreo à população mais distante dos grandes centros. Na prática, parte das tarifas pagas pelo executivo que embarca em uma ponte aérea entre o Rio de Janeiro e São Paulo vai subsidiar passagens em cidades menores. “Essa regulamentação beneficia diretamente empresas como a Azul”, diz Castellini. O risco, aqui, é uma mudança nas ideias do governo. E aí, vai apertar os cintos?