30/10/2020 - 11:00
E agora, o fim está próximo. E então eu encaro o último ato.” Os versos iniciais de My Way, sucesso estrondoso de Frank Sinatra, não poderiam faltar na curta temporada de quatro shows que o cantor americano fez em agosto de 1981 no badalado teatro do hotel Maksoud Plaza, inaugurado dois anos antes em uma das esquinas mais valiosas de São Paulo, em uma área de 8.700 m², a uma quadra da Avenida Paulista. O hotel logo virou o ponto de encontro da alta sociedade e recebeu os principais nomes da música nacional e internacional, além de incontáveis líderes mundiais. Maksoud virou sinônimo de luxo, conforto e glamour. Mas a tradução da canção do artista conhecido como “A Voz” talvez nunca faça tanto sentido quanto a situação que enfrenta hoje. O espaço nem de longe lembra os anos de ouro do local criado por Henry Maksoud, morto em 2014.
Seis anos após a morte do fundador e em meio a uma crise financeira sem precedentes, herdeiros se enfrentam na Justiça pela herança e pelo controle do negócio. De um lado da disputa estão a segunda esposa e viúva Georgina Maksoud, que passou a ser a inventariante, e Henry Maksoud Neto, direcionado para tocar o hotel e cuidar das finanças do grupo. Do outro, estão os filhos de Henry, o artista plástico Cláudio Maksoud e Roberto Maksoud, pai de Henry Neto e responsável, entre 1979 e 2000, pela direção-geral da unidade hoteleira, quando deixou o grupo por discordar da gestão do pai.
Acusações de desvios de recursos para empresas de fachada, falta de transparência na prestação de contas, retiradas financeiras não explicadas, vendas de obras de arte sem autorização judicial e até um suposto testamento forjado estão no enredo. O mais recente capítulo foi o pedido de recuperação judicial, no fim de setembro e aceito em outubro pelo juiz João de Oliveira Rodrigues Filho, da 1ª Vara de Falências e Recuperações de São Paulo. Em agosto, a Justiça já havia nomeado a advogada Fernanda Gallucci como inventariante dativa.

O hotel, que ficou cinco meses com as portas fechadas por causa da pandemia, hoje registra taxa de ocupação média de 4% de seus 416 quartos. O Maksoud, que já teve 800 funcionários, não passa de 200. Em 2019, a empresa registrou receita líquida de R$ 65 milhões, com prejuízo de R$ 40 milhões. Com dívidas trabalhistas, o prédio foi foi leiloado por R$ 70 milhões em 2011 para a JSL Logística. Em 2019, o Tribunal Superior do Trabalho considerou válido o arremate, mas o processo está em recurso.
Os irmãos Roberto e Cláudio afirmam no processo do inventário que Henry Neto controla a empresa Portillo Participações e Empreendimentos, que seria de fachada e um caminho para blindar os valores dos credores do hotel. As empresas estão em nome de advogados, que delegaram poderes a Henry Neto para dirigir a holding. Um indicativo dessa ligação é que o próprio pagamento das custas do pedido de recuperação judicial, no valor de R$ 202.680,99, foi feito pela Portillo. No pedido, consta que o neto do fundador registrava retirada anual de R$ 1,2 milhão dos cofres da HM Hotéis e Turismo S.A. que administra o Maksoud Plaza. Tudo sem prestação de contas.
Roberto chegou a ser indicado pela Justiça como inventariante, mas ficou pouco tempo. Em uma reunião registrada em cartório, em junho de 2019, a qual a DINHEIRO teve acesso, Roberto apontava problemas no balanço da empresa de 2018 e pedia a rejeição das contas. Também pedia explicações pelo sumiço de obras de arte.
Para Roberto, 66 anos, é estranho que o pai tenha assinado testamento em 2003, quando Henry Neto não atuava na direção da empresa e sem que houvesse registro do documento em cartório. “Hoje o que estou preocupado é com minha história, com minha reputação. Não posso aceitar o que está sendo feito”, disse o ex-diretor do Maksoud que passou a atuar como consultor em redes de hotelaria. Desde a morte de Henry, Roberto não tem relação pessoal com o filho.

O artista plástico Cláudio Maksoud, 64 anos, que mora há mais de duas décadas em uma suíte do hotel, chegou a ser cobrado judicialmente, por Henry Neto, para arcar com os custos das diárias. A inventariante entrou com pedido solicitando a suspensão da cobrança. “Ele queria me despejar como se eu não fosse herdeiro. Isso ultrapassa qualquer tipo de compreensão”, disse.
O advogado Márcio Casado, que representa Henry Maksoud Neto no processo, nega qualquer irregularidade. “Por conta desses pedidos descabidos, entramos com pedido de remoção da inventariante dativa, que não tem conhecimento jurídico e pouco sabe do processo.” Procurada, a advogada Fernanda Gallucci não quis falar sobre o caso e citou segredo de justiça no processo, que em seis anos, tem mais de 5,2 mil páginas. E à espera do próximo ato.