No ano passado, uma transferência sacudiu o mundo esportivo. Quem trocava de time não era o argentino Lionel Messi, muito menos o português Cristiano Ronaldo, craques do Barcelona e do Real Madrid, respectivamente. A transação envolveu Gabriel “Revolta” Henud, considerado o melhor jogador brasileiro de League of Legends (LOL), um jogo eletrônico de estratégia que é a ponta de lança de uma nova onda batizada de e-sport. “Revolta”, como é chamado, deixou o time paulista do INTZ e foi defender as cores do rival Keyd Stars. “Financeiramente, foi interessante para nós e para o jogador”, afirma Lucas Almeida, fundador e dirigente da INTZ, que não quis revelar os valores envolvidos no negócio.

Embora os atletas de e-sport não suem a camisa – a verdade é que são obrigados a alguns sacrifícios, como passar horas sentados treinando, têm de se submeter a dietas especiais de alimentação e precisam atender às requisições das equipes de marketing. A recompensa são as multidões que lotam os estádios para assistir a jogos eletrizantes de LOL, transmitidos frequentemente pela internet. No ano passado, por exemplo, oito mil fãs lotaram o estádio do Maracanãzinho, no Rio de Janeiro, para assistir a final do campeonato brasileiro, que conta com oito equipes em sua primeira divisão.

Em agosto deste ano, o grande palco será o Allianz Parque, o estádio do Palmeiras, com previsão de 15 mil pagantes. Além disso, a rede de cinemas Cinemark vai transmitir a final ao vivo, em 25 salas espalhadas pelo País. Os ingressos, de acordo com organizadores, devem se esgotar em poucas horas de venda pela internet. O e-sport é uma sensação que já movimenta globalmente US$ 465 milhões em patrocínios, uso de marcas e bilheteria para assistir aos jogos, segundo estudo da consultoria holandesa NewZoo. Além disso, 117 milhões de pessoas se declararam fãs de algum jogo eletrônico competitivo, no mundo, em 2014, número que deve crescer para quase 200 milhões, neste ano.

A final do campeonato mundial, que aconteceu na Coreia, em dezembro, foi assistida por 27 milhões de pessoas, mais que o público da NBA, a poderosa liga de basquete EUA. “O e-sport passou de um divertimento para um negócio além dos games”, afirmou Heinrich Zetlmayer, CEO da NewZoo. “Atualmente, sua popularidade é comparável ao hóquei no gelo e à natação, mas, em 2017, será tão grande quanto o futebol americano.” A estrutura que envolve os times e os campeonatos de LOL está cada vez mais profissionalizada. Os atletas brasileiros da primeira divisão ganham salários entre R$ 5 mil e R$ 10 mil, apurou a DINHEIRO.

É uma remuneração suficiente para se dedicarem em tempo integral ao game. O INTZ, um dos principais times do País, é um exemplo dessa profissionalização. Os “cartolas eletrônicos” Lucas Almeida e Rogério Almeida são donos de dois apartamentos na cobertura de um prédio, no bairro do Brás, em São Paulo, onde os atletas vivem e treinam. Os imóveis contam com televisores de tela grande e itens personalizados, além de uma bela sacada com vista para o bairro de comércio popular paulistano. Como passam o dia clicando, os atletas são acompanhados por uma fisioterapeuta.

Na parede, um calendário registra os compromissos com a equipe de filmagem, que produz material para ser exibido para os fãs. Há também uma escala para que cada jogador possa interagir online com os torcedores do clube, dando dicas sobre o jogo. Com exceção das atividades promocionais, a rotina dos atletas não é diferente de um jogador de futebol. Os treinos são diários e há uma dieta elaborada exclusivamente para eles. “Passamos o dia focados em nossa evolução”, afirma Vinicius Ghilardi, de 19 anos, que comanda o treino de parte dos atletas da INTZ.

“Temos um dia livre na semana e as manhãs para tratar de assuntos pessoais” O cenário brasileiro já chama, inclusive, a atenção de estrangeiros. O técnico da INTZ, Alexander Haibel, é americano. Jovens também deixam a universidade para se dedicar a essa nova carreira. É o caso do jogador Márcio Reis, de 20 anos, que largou a faculdade de contabilidade, em Curitiba, para ser atleta do clube paulista. O frenesi em torno de e-sport tem atraído as atenções de uma série de empresas. Um exemplo é Leandro Ramos, que fundou, em 2003, o site de venda de eletrônicos Kabum.

Ramos, um apaixonado por videogames, sempre teve em seu portfólio itens para jogos eletrônicos. Quando viu o crescimento do LOL, investiu R$ 1,5 milhão para criar sua própria equipe, batizada com o nome do site, sediado em Limeira, no interior paulista, a 150 quilômetros da capital. O time, que foi campeão brasileiro de 2014, ajuda o empresário a promover os itens à venda em sua loja. “Nossos jogadores recomendam produtos e as vendas no site aumentam”, afirma Ramos. “Além disso, temos uma linha de agasalhos, camisas e itens do clube que são bastante procurados.”

Outra companhia que resolveu investir na modalidade foi a fabricante americana de componentes Kingston, com sua linha HyperX, que patrocina 20 times de LOL no mundo, três deles no Brasil. O objetivo é fazer propaganda de suas placas de alto desempenho, ideais para jogos eletrônicos de ação. A operadora de telefonia Vivo, por sua vez, também entrou na onda do e-sport, ao patrocinar a equipe brasileira Keyd Stars com sua banda larga de alta velocidade, a Vivo Fibra. “Esse é um público que precisa de uma internet veloz”, afirma Ricardo Sanfelice, vice-presidente executivo de marketing da Vivo Internet.

Mas ninguém ganha mais dinheiro com a onda de e-sport do que a Riot Games, a desenvolvedora do LOL comprada pela gigante chinesa Tencent, há quatro anos. Fundada em 2006, em Santa Monica, um balneário de endinheirados na Califórnia, a companhia teve a sacada de montar uma liga, que estimulou a criação de times e foi fundamental para a profissionalização do e-sport. Os jogadores amadores podem disputar partidas de graça pela internet, mas pagam para personalizar seus personagens, o que movimentou US$ 1 bilhão em transações dentro do game no ano passado. “Pensamos primeiro no jogador”, afirma Roberto Iervolino, diretor da Riot Games no Brasil. “No LOL, quem gasta dinheiro tem as mesmas condições para jogar, em comparação com quem não gasta um real.”