23/08/2013 - 21:00
A semana passada foi agitada nas mesas de câmbio dos bancos e corretoras brasileiros. Quando parecia que a moeda americana já acumulava uma valorização razoável, ela subiu ainda mais. Na quarta-feira 21, chegou a R$ 2,45, maior valor desde 9 de dezembro de 2008, no auge da crise internacional. Somente em agosto, o real perdeu 5,53% do seu valor. Foi a moeda que mais se desvalorizou no mês, segundo levantamento entre 31 moedas feito pela CMA, empresa de tecnologia e informações financeiras. No acumulado de 2013, a perda chega a 21,13%, uma verdadeira maxidesvalorização.
A alta do dólar em relação a outras moedas é um fenômeno mundial, fruto da recuperação da economia americana e da expectativa dos investidores sobre o fim dos estímulos monetários no país, que deve ser anunciado em breve pelo Federal Reserve (leia mais aqui). Mas isso não minimiza os efeitos negativos para a economia brasileira. Embora um dólar mais valorizado fosse reivindicado pela indústria, para barrar a concorrência dos importados, o fato é que a moeda americana subiu demais nos últimos meses, cruzando uma barreira perigosa.Uma moeda excessivamente fraca, como o real se tornou nas últimas semanas, ameaça os custos das empresas, já que os importados representam 21,1% do consumo industrial.
E custos mais altos, inevitavelmente, significam inflação mais elevada – justamente num momento em que o índice começava a cair. Para muitos empresários, o aumento das despesas cambiais é sinônimo de queda das vendas, ou do lucro. É o caso dos eletroeletrônicos. “Setenta por cento dos componentes dos televisores são importados, mas a concorrência impede que toda a variação seja repassada e aperta a nossa margem”, diz Lourival Kiçula, presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros). A venda de carros importados também já está sendo afetada pela nova cotação da moeda americana. A Associação Brasileira das Empresas Importadoras de Veículos Automotores (Abeiva) está revendo para baixo as projeções para este ano.
“Fica difícil quando acontecem essas mudanças bruscas e repentinas, porque nossos clientes são também investidores e o fator psicológico é muito forte”, diz o presidente da entidade, Flavio Padovan. O executivo, que também é presidente da Jaguar Land Rover para América Latina e Caribe, lembra que a procura caiu mesmo nas empresas que ainda não repassaram a alta cambial para seus produtos, pelo “efeito psicológico”. É o caso da Êxito Import, que vende no Brasil os caminhões e guindastes chineses da marca XCMG. A empresa ainda não mexeu nos preços, mas os negócios praticamente pararam. “Estamos vendendo o estoque, mas a margem de lucro praticamente desapareceu”, afirma José Lacy, presidente da empresa.
No próximo mês, entra em vigor uma nova tabela de preços, com alta de 13%. Já a previsão de crescimento para o ano foi reduzida, de 9% para 6%. Para as companhias aéreas, que já vinham sofrendo com o aumento do preço de combustível e o crescimento menor do mercado doméstico, a alta do dólar das últimas semanas é um golpe duro. Na terça-feira 20, em reunião em Brasília com o ministro da Aviação Civil, Wellington Moreira Franco, elas pediram medidas para compensar o aumento de custo, como redução do ICMS sobre o combustível e do PIS/Cofins e o fim de uma taxa cobrada pelos aeroportos. Os custos dolarizados representam quase 60% dos custos das empresas, enquanto as receitas entram em reais.
“Não queremos repassar esses custos para as passagens, mas, se o dólar permanecer alto por muito tempo, teremos que rever isso”, diz o presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), Eduardo Sanovicz. No primeiro semestre deste ano, o número de passageiros domésticos cresceu apenas 0,09%, encerrando um crescimento médio de 12% ao ano na última década. A preocupação que tomou conta das empresas, que tiveram que recalcular seus custos, também dominou as conversas dentro do governo na semana passada. Na quarta-feira 21, a presidenta Dilma Rousseff convocou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, para uma reunião no Palácio da Alvorada.
Nos dias anteriores, fora de Brasília, ela havia conversado com o ministro por telefone. Diariamente, Dilma acompanha o cenário econômico por meio de dois boletins enviados pela Fazenda, um na hora do almoço e outro no fim da tarde, após o fechamento do mercado. Na avaliação do Palácio do Planalto, a alta do dólar tem dois motivos. O externo depende do governo americano. O que o governo brasileiro pode fazer, na avaliação da presidenta, é não deixar faltar dólares para os empresários brasileiros que têm dívidas em moeda estrangeira vencendo nos próximos meses. Uma preocupação legítima, já que 64,7% da dívida externa brasileira, que somava US$ 321,7 bilhões em junho, está nas mãos do setor privado.
É para essas empresas que o Banco Central está oferecendo leilões de swap cambial, que funcionam como um hedge para evitar novas altas da moeda. Por ordem da presidenta Dilma, Tombini cancelou a viagem que faria aos Estados Unidos, na quarta-feira 21, para participar de um encontro de presidentes de bancos centrais realizado anualmente em Jackson Hole, no Estado de Wyoming. Depois de uma reunião extraordinária do Conselho Monetário Nacional (CMN), o BC anunciou reforços nos leilões de moeda no mercado futuro, que vinham sendo realizados desde maio e já tinham oferecido US$ 45 bilhões desses títulos no mercado. A partir de agora, os leilões serão realizados diariamente, e o volume ofertado deve chegar a US$ 100 bilhões.
Para o ministro Mantega, a alta do dólar é temporária e começará a ser revertida quando ficar claro o momento em que o Fed começará a reverter as medidas de estímulo que tomou nos últimos anos. “É um movimento dos títulos americanos e das ações do Banco Central americano, e elas vão refluir em algum momento”, afirmou na quinta-feira 22. Entre os assuntos discutidos com a presidenta, a situação difícil da Petrobras, que se agrava cada vez que o dólar sobe. O mercado estima em 30% a defasagem de preços dos combustíveis vendidos pela empresa, que tem que importar gasolina para suprir a demanda e vive a curiosa situação de reduzir seus ganhos à medida que seu faturamento sobe.
Na quinta-feira 22, a expectativa de que o governo irá autorizar, em breve, um reajuste nos combustíveis, elevou as ações ordinárias da Petrobras em 5,31%, puxando a alta do Ibovespa. O dólar deve elevar também o preço da energia de Itaipu comprada do Paraguai. No ano passado, o governo pagou US$ 379 milhões pela parte vendida pelo país vizinho. Com aumento de combustíveis e energia, é certo o impacto sobre a inflação. “Se a inflação sobe muito, ela corrói os ganhos da desvalorização cambial”, diz José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, que prevê um índice de inflação superior ao do ano passado, que ficou em 5,84%.
O economista-sênior do Banco Santander, Cristiano Souza, diz que o repasse aos preços não se dá totalmente no curto prazo, mas depois que as empresas deixam passar a volatilidade e incorporam a alta aos seus custos. Ele calcula um repasse de 1,5 ponto percentual na inflação do próximo ano, somente com a desvalorização cambial deste ano. Para boa parte da indústria brasileira, no entanto, o dólar mais alto é a esperança de vendas melhores no próximo ano. “É a retomada da confiança”, diz Robson de Andrade, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI). “O dólar desse jeito dá mais competitividade para a indústria brasileira”, afirma.
O presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, diz que o câmbio atual pode ajudar a balança comercial. “Um dólar a R$ 2,50 tornaria as exportações de manufaturados competitivas e criaria uma barreira cambial para as importações”, afirma. Para alguns setores da indústria, porém, o repasse aos preços é certo. “Temos muitos insumos importados”, diz Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). Mas mesmo com o dólar alto, negociar com fornecedores ainda é uma boa maneira de manter as vendas.
Foi o caminho adotado pela operadora de turismo CVC, que durante todo o mês de julho, quando a moeda americana estava cotada em R$ 2,25, em média, manteve o dólar em R$ 1,99 em seus contratos. Em agosto, fez um acordo com a American Airlines e segurou a cotação em R$ 2,19. Com isso, conseguiu embarcar 10% mais passageiros para destinos no Exterior nas férias de julho, incluindo uma surpreendente elevação de 26% no volume de viagens para Miami e Orlando, nos Estados Unidos. Até agora, a empresa conseguiu driblar o aumento, mas uma desvalorização mais acentuada pode mudar esse cenário.
Colaboraram: Carla Jimenez, Luís Artur Nogueira e Cristiano Zaia