20/11/2015 - 17:00
A Boulevard Voltaire, charmosa avenida que liga a Place de la Nation à Place de La République, no centro de Paris, se tornou o centro das atenções e do noticiário mundial na última semana. Na altura do número 50, a centenária casa de espetáculos Bataclan, que já abrigou apresentações de estrelas como Édith Piaf, considerada a maior cantora francesa de todos os tempos, autora de “La vie en rose”, recebeu milhares de flores, velas e fotos em homenagem às 89 pessoas brutalmente executadas no local, durante um show de rock, na última sexta-feira 13.
Naquela noite, após uma série de ataques terroristas orquestrados pelo grupo Estado Islâmico, o número de mortos na cidade alcançou 129, incluindo as vítimas das ofensivas de homens-bombas no entorno do Stade de France, em plena partida entre França e Alemanha, e ataques a cafés e a restaurantes. “A França está em guerra”, afirmou o presidente François Hollande, em pronunciamento à nação. “Seremos determinados e não nos curvaremos diante do extremismo, do medo e da violência”, acrescentou o chefe de Estado, ao decretar o fechamento das fronteiras e três meses de estado de emergência.
O avanço do terror na Cidade Luz mobilizou os líderes europeus e americanos reunidos no G20, na Turquia (leia mais aqui), e despertou uma caçada sem precedentes a grupos terroristas na França, na Bélgica e na Alemanha. As ações tiveram resultado rápido. No fim da tarde da quarta-feira 18, o belga Abdelhamid Abaaoud, apontado pela polícia como o principal mentor intelectual dos ataques sincronizados a Paris, teria sido fuzilado no bairro de Saint-Denis, na periferia da capital, reduto da maior comunidade muçulmana da Europa Ocidental.
Na casa onde o terrorista foi encontrado, que recebeu, segundo a polícia, 5 mil tiros em menos de 2 minutos, havia um autêntico arsenal de guerra, incluindo fuzis russos Kalashnikov, granadas e coletes com explosivos. “Não há espaço em Paris para quem está disposto a matar e espalhar o caos”, disse a prefeita da cidade, Anne Hidalgo. As dimensões do contra-ataque militar francês são proporcionais aos estragos – emocionais e econômicos – causados à cidade nos últimos dias. “O bárbaro atentado que atingiu a França na última semana choca o mundo todo”, disse o presidente da L’Oréal Brasil, Didier Tisserand.
Em Paris, o terceiro destino mais visitado em todo o mundo neste ano, com 16 milhões de turistas, atrás apenas de Londres e Bangcoc, vários cartões-postais ficaram fechados ou simplesmente vazios. Museus como o do Louvre, monumentos como a Torre Eiffel e o Arco do Triunfo, além de bares, cafés e restaurantes eram o retrato do medo que tomou conta dos franceses. “A cidade quase parou. Em três décadas que trabalho aqui, nunca vi algo assim”, disse Anna Thibaudeau, diretora de moda da loja Louis Vuitton, na Champs Elysées.
O clima de terror que se espalhou por Paris e mexeu com a rotina da metrópole contaminou também as empresas francesas, dentro e fora do país. Na mesma noite dos atentados, a montadora Renault, por exemplo, acionou um dispositivo chamado de DPP, sigla que, em português, representa Diretoria de Prevenção e Proteção. Trata-se de um conjunto de ações para garantir a segurança de funcionários, linhas de montagem e escritórios em regiões em conflito. Todos os seus endereços na França, além de Dubai, Marrocos e Argélia, áreas mais suscetíveis a ações terroristas, tiveram a segurança reforçada.
“Acionamos esse mecanismo de defesa em qualquer região do planeta que seja necessário”, disse o francês Stephane Guilbaud, diretor de comunicação da Renault para a região Américas, que se mudou de Paris para São Paulo há apenas duas semanas. “A região de chamamos de AMI, que inclui África, Oriente Médio e Índia, é muito importante para o grupo e terá toda condição de manter os negócios, mesmo com o acirramento dos conflitos.”Assim como na Renault, o sinal de alerta disparou em dezenas de empresas.
O chamado Mundo Islâmico – que se espalha do Norte da África ao Oriente Médio – é uma arena de grandes negócios para companhias francesas, que agora são alvos em potencial dos terroristas do Estado Islâmico. Somente neste ano, 26% de todas as exportações francesas foram para o Oriente Médio, especialmente Arábia Saudita, Turquia e Egito, que compraram € 15 bilhões em armamentos e aviões Rafale, fabricados pela Dassault. O valor é o dobro dos € 8,2 bilhões registrados no ano passado.
Pelos cálculos da Câmara de Comércio da França no Kuwait, os países da região ampliaram em 26% as compras de produtos franceses neste ano, superando a marca de € 125 bilhões. Além de aviões de combate e armamento, bebidas, produtos químicos, cosméticos e automóveis de marcas francesas ou foram importados ou produzidos nos territórios vizinhos à Síria, hoje sob domínio dos extremistas do Estado Islâmico.
“O Oriente Médio e Norte da África são fronteiras comerciais indispensáveis para as empresas francesas, assim como é o Brasil”, afirmou o francês Roland de Bonadona, presidente da Câmara de Comércio França-Brasil (CCFB). “Mesmo diante do aumento dos gastos para se operar nesses países, em razão dos inevitáveis investimentos com segurança, a relação comercial não poderá ser contaminada pela questão militar.” Blindar seus negócios no Mundo Islâmico será uma tarefa tão difícil para os franceses quanto desmantelar os grupos terroristas infiltrados em seu território.
Companhias como a petrolífera Total, a autopeças Saint-Gobain, a varejista Carrefour, a fabricante de cosméticos L’Oréal, o laboratório Sanofi, a montadora PSA Peugeot-Citroën, a rede hoteleira Accor e dezenas de outras não apenas vendem para consumidores muçulmanos como também operam fábricas e escritórios naqueles países. “Ainda é cedo para determinar o sucesso ou o fracasso da França em sua reação contra o Estado Islâmico, mas é certo que os efeitos irão muito além dos acontecimentos da semana passada”, afirmou o cientista político Stéphane Monclaire, da Universidade de Sorbonne. “Como em toda guerra de grandes proporções, os desdobramentos são imprevisíveis.”