Primeiro era a reforma do Palácio da Alvorada, que estava sem condições de receber um novo morador porque o antigo inquilino havia sido pouco cuidadoso. Depois a reforma ganhou proporções de calamidade e passou a atingir os Três Poderes com a invasão bolsonarista. Além das obras físicas que o governo Lula precisa gerenciar nesta largada de ano, são as reformas mais etéreas, porém igualmente urgentes, que o petista precisa começar a andar se quiser entregar ainda em 2023. Na ordem de prioridade, segundo articuladores de Lula, estão a Reforma Tributária e uma revisão da Reforma Trabalhista — promessa antiga do Partido dos Trabalhadores.

Para tocar obras tão distintas e igualmente complexas, Lula escalou três pessoas. Bernard Appy, autor da Reforma Tributária de unificação de impostos e com bom trânsito no Congresso; Luiz Marinho, ministro do Trabalho e com ampla experiência nas negociações sindicais; e Alexandre Padilha, que cuidará da articulação para que tudo aconteça de modo célere e sem efeitos colaterais. Por isso o plano foi atrelar as duas reformas. Rever as leis trabalhistas, mas também dar ao empresariado fôlego na questão tributária. Aos empregados, sindicalizados ou não, o discurso histórico do PT de melhoria do emprego cairia por terra se não houvesse esforço para melhorar as relações de trabalho.

Nesse sentido, Marinho já começou a trabalhar. Em um encontro com centrais sindicais na última semana, ele citou as condições de emprego de motoristas de aplicativo (ver reportagem à página 50), que classificou como “perto da escravidão”. O tema já havia sido abordado com Lula, e o plano seria criar um tipo de securidade social para que o trabalhador tenha algum resguardo (e o governo, alguma arrecadação) na modalidade. Na quarta-feira (18), durante o encontro, Lula também assinou uma portaria interministerial que cria um grupo de trabalho para elaboração de projeto de lei que institua uma política fixa de valorização do salário mínimo. O grupo terá vigência de até 90 dias.

DEMANDA HISTÓRICA Centrais sindicais não querem se sentir escanteadas pelo novo governo e pedem uma revisão da Reforma Trabalhista feita por Michel Temer. (Crédito:Rodrigo Paiva)

A medida arrancou aplausos da plateia e serviu para preparar o terreno para uma discussão mais complexa: o papel dos sindicatos na economia e nas negociações. Com a reforma trabalhista aprovada por Michel Temer em 2017, entidades de classe perderam espaço na mediação das relações de trabalho e muitas foram praticamente desmontadas. A solução de Marinho foi criar um grupo de trabalho para valorizar a negociação coletiva e fortalecimento dos sindicatos brasileiros. “Muita gente pergunta: ‘imposto sindical volta?’ A resposta é não”, afirmou Marinho. Sob olhar atento da imprensa, o ministro reforçou que toda discussão será feita com representantes das empresas, dos sindicatos e dos governos, da forma mais plural possível. “Não se assustem. Não há nada demais a não ser o propósito de valorizar o trabalho”, afirmou, em uma mensagem que se dirigia tanto ao trabalhador quanto ao patrão.

Outro assunto citado no encontro foi o aumento do salário mínimo. Segundo ele, a Pasta tentará um acordo com o Ministério da Fazenda para conseguir um segundo reajuste ainda este ano. “Hoje é R$ 1.302. Maio pode ser que haja alteração a partir desse trabalho que nós vamos construir”, disse. Só o aumento acima da inflação aprovado por Bolsonaro no final de 2022 teve um impacto de R$ 7,7 bilhões no Orçamento, valor que ainda não foi totalmente acomodado pela nova gestão. De qualquer forma, disse Marinho, o centro de sua atenção é desenvolver uma métrica fixa para reajuste do salário mínimo. Estão na mesa gatilhos como o valor da inflação mais o PIB de dois anos antes. Se já fosse assim, hoje o salário mínimo estaria em R$ 1.343.

NOVO TRIBUTO Enquanto Marinho equilibra interesses de funcionários, patrões e governo na questão trabalhista, Bernard Appy, que ocupa o cargo de assessor especial para a Reforma Tributária no Ministério da Fazenda, também faz seu malabarismo. E o motivo é a necessidade de o Congresso Nacional sempre querer colocar “o próprio DNA” em todos os textos encaminhados pelo Executivo. No caso da Reforma Tributária, que circula nos corredores da Câmara e do Senado há mais de 20 anos, a bola da vez é o fatiamento. Simone Tebet (ministra do Planejamento) já sinalizou que aceitaria uma reforma em partes, desde que um cronograma fosse montado. Alexandre Padilha também tem conversado nos bastidores com líderes de bancada para tentar alguma garantia que o assunto ficará quente no Legislativo depois da primeira aprovação.

Pedro Ladeira

“Muita gente me pergunta: o imposto sindical vai voltar? E a resposta é não” Luiz Marinho Ministro do Trabalho.

O presidente do MDB, Baleia Rossi, se reuniu na terça-feira (17) com Appy e sinalizou que pretende retomar o assunto na Casa ainda neste trimestre, mas usará além da PEC 45 (escrita por Appy) a 110. “A ideia é utilizar o que de melhor que cada uma tem, para que possamos avançar de maneira célere”, disse. O problema é que elas não são apenas diferentes, elas são conflitantes e se sobrepõem em alguns pontos, em especial no que diz repeito ao imposto sobre o consumo e a origem da tributação. A orientação do PT é que Simone Tebet negocie com o próprio partido para que não se aprove um texto cheio de contradições e nem pela metade. Em reforma com mais de um mestre de obras, a chance de o resultado ficar fora do esquadro (e ninguém assumir a culpa) é grande.