À medida que se aproxima a data do primeiro turno da eleição presidencial, torna-se mais urgente a análise de como os candidatos ao cargo de líder do Poder Executivo vão enfrentar os desafios postos diante deles. A discussão sobre quais caminhos o Brasil precisa trilhar tem de ir além das emoções e da ideologia. É preciso ser travada com os dois pés firmemente apoiados na razão, e tem de ser sustentada com informação, conhecimento e análise do que está sendo proposto.

A corrida presidencial tem cinco candidatos com pelo menos 1% das intenções de votos. Ainda que as pesquisas junto ao eleitorado indiquem apenas dois deles como viáveis no pleito de outubro, há desenhos importantes nas propostas de todos os candidatos. Muito além das rasas narrativas de “esquerda vs. direita”, tantas vezes incitadas pelos próprios candidatos, as respostas econômicas que teremos nos próximos quatro anos em assuntos como a limitação das despesas públicas, a maneira de estimular a criação de empregos, as estratégias para o controle da inflação e os princípios para obter um crescimento sustentável não são — nem podem ser — fruto de uma resposta simplista. Não é possível pensar com o coração, muito menos com o fígado. É preciso usar, e bem, o cérebro.

PODER DE COMPRA Candidatos querem domar a inflação e renegociar dívidas dos brasileiros para melhorar a capacidade de consumo. (Crédito: Marcelo Andrade)

Para facilitar essa tarefa, DINHEIRO escalou um time de economistas, tributaristas e analistas políticos para avaliar a viabilidade, eficiência e impacto real dos principais pilares econômicos dos candidatos Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Jair Bolsonaro (PL), Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB) e Soraya Thronicke (União Brasil).

Munindo-se de informação, você poderá fazer uma escolha pautada em identificação com o projeto de País, não com a personalidade do mandatário. E só assim, como bem definiu o escritor Steven Levitsky, autor de Como as Democracias Morrem, poderemos fazer escolhas e conseguir conviver com pessoas que pensam diferente. “É possível, sim, discutir política e sair para jogar futebol juntos.”

Apelo à memória e lacunas passadas

Ricardo Stuckert

Acampanha do ex-presidente Lula tem dois pontos centrais: reativar a memória seletiva do eleitor e apontar que é possível “fazer ainda melhor”. Em linhas gerais, ainda sem apresentar um nome para comandar a economia, Lula tem dado pílulas sobre os caminhos que adotará. Um deles seria dissolver o imenso latifúndio que se tornou o Ministério da Economia. Na prática isso significa recriar o Ministério da Indústria, Comércio e Serviços e possivelmente reativar o do Planejamento, deixando um time pensando o tático (curto prazo) e outro pensando o estratégico (médio e longo prazos). Essa medida é vista com bons olhos pelo mercado, porque dá celeridade nos processos e descentraliza as decisões. E também porque a concentração sob Paulo Guedes mostrou-se um erro.

Lula também já começou a falar sobre suas políticas públicas para a economia. Entre elas figura a revisão do atual teto de gastos, mas “sem perder a responsabilidade fiscal”. O pacote de promessas é extenso: rever a tabela do Imposto de Renda, retomar o papel financiador do governo federal para ativação da economia por meio de recursos para empresas e obras inacabadas, salário mínimo com reajuste acima da inflação, programa de revisão de dívidas das pessoas físicas (bastante baseado em proposta de Ciro Gomes), retomada de programas como o Minha Casa Minha Vida, reativação de obras públicas, nova legislação trabalhista, além do fortalecimento da indústria nacional e da agricultura familiar, segundo o programa do petista, assinado por Aloísio Mercadante e registrado no TSE. Os projetos só não respondem à pergunta número 1: a fonte dos recursos.

NOSSA ANÁLISE Para o cientista político e professor do Mackenzie Rodrigo Prando, o plano econômico do Lula é seu currículo: “Diz que vai fazer o que já foi feito, embora não explique como”. João Beck, economista e sócio da BRA Investimentos, ressalta que explicações como taxação de lucros e dividendos, ou grandes fortunas causam “prejuízo na contagem dos votos”, disse. O cientista político Mário Sérgio Martinez, professor da UnB, entende que pela falta de profundidade de suas propostas, o que Lula apresenta até aqui acaba tendo viabilidade de execução. “Ele conhece a máquina pública e conseguirá rearranjar os recursos. O ponto cego é quais serão, e como serão custeadas, as novas políticas econômicas que o Brasil exige 20 anos depois de seu primeiro mandato.” Para Martinez, o gol econômico de Lula foi ter se aproximado de Henrique Meirelles. “Ele atrai a classe média com propostas populares, e acalma os banqueiros.”

Presidente de qual Brasil?

Eduardo Anizelli

uem leu o plano de governo de Bolsonaro em 2018 já está familiarizado com 90% das propostas para a economia apresentadas na versão de 2022. A diferença é que agora o PL trocou no texto final “vamos fazer” por “continuaremos fazendo”, mas manteve basicamente os preceitos econômicos. Privatizações, desvinculação, desindexação e desobrigação (DDD) de despesas orçamentárias, 8 milhões de empregos, revisão da tabela do IRPF e o Auxílio Brasil de R$ 600. Mas, além de repetidas, as propostas distorcem a realidade. Um exemplo: os R$ 600 de Auxílio quando o próprio governo enviou ao Congresso uma proposta de Orçamento com benefício em R$ 405.

NOSSA ANÁLISE O advogado tributarista Francisco Paes Mello, que foi auditor do Tribunal de Contas da União por três décadas explica que há fragilidades legais nas propostas de Bolsonaro. “O aumento salarial de todos os funcionários públicos, por exemplo, é incompatível com a arrecadação prevista para 2023.” As propostas que dependem do Congresso também não foram o ponto alto do atual governo, o que torna, na visão de Mello, o caminho ainda mais truncado. “A reforma tributária e a administrativa que ele promete tem chances minúsculas de serem aprovadas no Congresso nos próximos anos com o capital político atual do presidente.” A desestatização prometida também deve encontrar entraves, inclusive no TCU.

Para Rodrigo Prando, cientista político e professor do Mackenzie, o plano de Bolsonaro não tem nenhuma ideia que não seja as que ele tem defendido nos últimos meses, “como a manutenção de um auxílio sem dizer as fontes de receita e a promessa reciclada e até agora não cumprida de redução do tamanho do Estado”, disse. Das principais promessas apresentadas, a viabilidade de execução, segundo sua avaliação, é baixa.

Um projeto de Brasil no Brasil errado

Suamy Beydoun

Há muitos pontos de contato entre o programa de Ciro Gomes e o de Lula, com paternidade a ser debatida. O programa do pedetista traz a troca do teto de gastos por outra âncora fiscal, interrompe a paridade nacional nos preços do combustível e aposta em refinarias. Também há projetos como a renegociação de dívidas de pessoas físicas, bandeira de Ciro desde 2018 e que entrou nessa eleição no radar do PT. Mas se o programa vai bem, os problemas de Ciro começam ao atravessar a Praça dos Três Poderes. Os analistas entendem que seus planos serão abatidos em pleno voo no Congresso. Sua reforma tributária é muito diferente das analisadas no Legislativo. O fim da reeleição também aperta o calcanhar de outros políticos. E se assim for, diz Ciro, o plano é convocar o povo para um plebiscito.

CANTEIRO DE OBRAS Todos os candidatos possuem planos de reativação de obras públicas para estimular a geração de empregos. (Crédito:Dida Sampaio)

NOSSA ANÁLISE Os economistas ouvidos pela reportagem foram unânimes sobre vir do pedetista o projeto econômico mais detalhado e profundo entre os presidenciáveis. Para Rodrigo Prando, cientista político e professor do Mackenzie, Ciro tem o programa mais sólido, com propostas claras sobre como trazer o Brasil para o século 21 e recuperar o setor produtivo. Ciro também é o único candidato que detalha a origem dos recursos a serem empregados, por exemplo, no seu programa de transferência de renda. Batizado de Eduardo Suplicy, o plano é oferecer recursos na ordem de R$ 1 mil, que seria obtido através da integração de outros benefícios. “São propostas com bastante apelo para a classe média, mas feitas com mais profundidade que outros candidatos”, disse. A lei antiganância e a renegociação de dívida também são detalhadas e coerentes. José Chrispiano de Oliveira, professor convidado da FGV-Rio e advogado constitucionalista, diz que o problema é a estratégia plebiscitária. “Pode haver adesão baixa, não haver confiança no resultado, não ser aprovado o plano e o dinheiro foi gasto em vão.” A Constituição garante um presidencialismo de coalizão para a articulação política, “e a postura do Ciro é de se afastar, o que prejudica a governabilidade”, disse. Com o plano de redução drástica da importação, Oliveira prevê um distanciamento do Brasil com nações tradicionalmente fornecedoras de tecnologias, como a China. Com esse peso do Congresso nas decisões, apesar de muito eficiente, o plano de Ciro tem uma capacidade baixa de viabilidade.

A nova política com políticas velhas

Pedro Ladeira

Simone Tebet, a representante do MDB no pleito deste ano, pode até ser uma desconhecida para grande parte da população, mas ela traz consigo uma bagagem histórica de um partido que esteve em todos os governos desde a redemocratização até 2018. Colocando-se como a única candidata viável e liberal da corrida, Simone defende as reformas Tributária e Administrativa, não cogita derrubar o teto de gastos, defende o câmbio flutuante, as concessões e austeridade fiscal. A Reforma Tributária, diz ela, viria nos primeiros seis meses, e pelo tamanho da bancada do MDB na Câmara, seria possível acontecer.

Ela defende tarifas menores de importação. Na outra ponta tributária, a taxação de grandes fortunas e dividendos sustentariam essa perda de arrecadação dos produtos importados. A emedebista se coloca contra a privatização da Petrobras, um posicionamento incomum para uma liberal, mas de acordo com o postura do MDB. Os benefícios sociais também seriam mantidos em seu governo, com destaque para uma gestão regional para desenvolvimento de empregos.

NOSSA ANÁLISE Gabriel Barros, economista-chefe da Ryo Asset e ex-diretor do IFI (Instituição Fiscal Independente), afirma que a proposta fiscal de Simone é a melhor entre os presidenciáveis. “Ela vai na direção correta ao propor um arcabouço fiscal de médio prazo, isso muda a forma de se olhar para o Orçamento.” Para o especialista, esse comportamento da candidata destoa dos outros postulantes ao cargo que têm defendido a derrubada ou duras alterações no teto, mas sem apontar novas contrapartidas fiscais. Vale lembrar que o teto foi implementado por Michel Temer, companheiro de partido de Simone, em 2016. José Chrispiano de Oliveira, professor convidado da FGV-Rio e advogado constitucionalista, no entanto, entende que os projetos apresentados por ela não terão eficácia. “Ela reeditou o Ponte para o Futuro do Temer, que já se comprovou ineficiente”, disse. Para os economistas consultados pela reportagem, a maior vitória de Simone nessa eleição é ter se colocado como candidata viável, mas precisará imprimir mais de sua própria personalidade nos projetos para se conectar com uma fatia maior do eleitorado.

A candidata de uma nota só

Adriano Vizoni

Há na política o termo “candidato de uma nota só” que define políticos que, não importa o assunto, sempre puxam a sardinha para o mesmo ponto. Em um primeiro momento essa pode ser a impressão que passa a candidata do União Brasil, Soraya Thronicke. E a nota dela é a Reforma Tributária. Ela tem razão em bater nessa tecla, até por ter ao seu lado como vice o economista Marcos Cintra, responsável por uma das propostas de reformulação tributária em discussão no Congresso, a do imposto único. Soraya diz que seu plano tem no liberalismo econômico o alicerce para superar desigualdades regionais e proporcionar dignidade e qualidade de vida a todos os cidadãos brasileiros.

Além de mudanças no sistema tributário, ela é ferrenha defensora do controle dos gastos públicos, incentivo aos empreendedores (micro e pequenas empresas), redução de burocracias e adoção de Parcerias Público-Privadas (PPPs) no SUS.

E quando sai do ramo tributário, Soraya precisa enfrentar críticas ao seu passado ligado ao ex-presidente Bolsonaro. A senadora votou com o governo diversas vezes ao longo dos últimos quatro anos, mas se diz uma “liberal legítima” e não se reconheceria mais no “caos que o governo Bolsonaro se tornou”. Em 2018 ela associou a própria imagem à do então candidato do PSL, mas já mostrava descontentamento com os rumos do governo no Senado Federal. Na CPI da Covid, por exemplo, teceu duras críticas à gestão do Ministério da Saúde.

GERAÇÃO DE VAGAS Formas de incluir o jovem no mercado de trabalho e a formalização das vagas está no radar de todos os candidatos. (Crédito: Evandro Leal)

NOSSA ANÁLISE
Com uma candidatura muito longe do topo, a candidata, na avaliação de economistas, pode ser uma peça importante no cenário nacional nos próximos anos. “O União Brasil quer se firmar como um partido competitivo em todas as eleições, e a função da Soraya é garantir isso”, avaliou o cientista político e consultor Rafael Couto Neto. Ele fez parte da campanha de Henrique Meirelles à presidência em 2018 e entende as propostas de Soraya como eficientes e que poderiam ser discutidas, inclusive, dentro do Legislativo. “Boa parte do programa dela nasceria ou morreria no Congresso. Trazer esses assuntos para a discussão nacional é importante”, disse. José Chrispiano de Oliveira, professor convidado da FGV-Rio e advogado constitucionalista, disse que o programa de Soraya tem uma profundidade técnica bastante grande, e que sua proposta de criação do Imposto Único não teria problemas legais, mas encontraria forte resistência no setor produtivo. “Haveria tentativa de judicialização porque parte da cadeia produtiva se sentiria lesada com a criação do imposto único. É por isso que a proposta de Cintra nunca saiu do papel”, disse.