” A internet é, por definição, inclusiva, e o luxo, exclusivo”. Quem afirma isso é o italiano Armando Branchini, vice-presidente da Fundação Altagamma, associação que reúne as principais marcas de luxo italianas. A frase ajuda a explicar o motivo pelo qual o varejo de luxo demorou para entrar no canal de vendas que mais cresce no mundo há mais de uma década: a internet. Em plena era digital, em que é possível resolver quase tudo pelo computador ou pelo celular, o comércio vem assistindo a uma significativa mudança no hábito de compra de seus consumidores. Apesar disso, as principais grifes ainda caminham a passos de tartaruga quando o assunto é vender na rede. Mas o cenário começa a mudar. A francesa Chloé, que em 2014 testou o potencial da web ao vender uma coleção de bolsas no Net-a-Porter, um dos maiores sites de comércio online de luxo, agora ensaia um voo solo. A grife anunciou, na primeira semana de março, a criação de seu e-commerce, que deve entrar em operação nos próximos meses. Embora relutante, a também francesa Chanel foi uma das primeiras grifes de luxo a comercializar produtos na rede. Em 2005, a marca iniciou vendas online nos Estados Unidos com perfumes, maquiagem e produtos de beleza. Em 2015, testou a venda de uma coleção de joias também no Net-a-Porter. Um mês depois, adicionou em seu próprio site coleções de óculos. Mas ainda há uma barreira em liberar roupas, o que deve acontecer somente este ano.

Essa recente decisão de migrar para a internet não foi aleatória. Uma pesquisa publicada em julho de 2015 pela consultoria americana McKinsey & Company, em parceria com a Fundação Altagamma, aponta que as vendas online de artigos de luxo, que hoje representam 6% do total comercializado pelas empresas do segmento, cerca de € 14 bilhões, cheguem a 12% em 2020 e possam atingir 18%, em torno de € 70 bilhões, até 2025.

O estudo foi feito no Brasil, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido e analisou a trajetória de mais de 50 marcas na última década. Levando em conta outros setores que estão há mais tempo no digital, como o de eletrônicos, tudo indica que a indústria do luxo seguirá um caminho semelhante. A análise também revela que 68% das vendas de artigos de luxo em lojas físicas são influenciadas por pesquisas na internet. “Nos últimos anos, cerca de 90% das empresas têm investido fortemente em ferramentas digitais. E mais investimentos serão feitos nos próximos anos para transformá-las em empresas de luxo digitais. Isso significa que os processos internos estão passando por uma reformulação”, diz Branchini.

Outra gigante francesa que não resistiu foi a Dior. Até o final de 2015, a marca disponibilizou acessórios e sapatos no site da loja de departamentos americana Bergdorf Goodman para mensurar seu potencial online. Hoje são vendidos em seu site maquiagem, perfumes e produtos de beleza. Já a tradicional italiana Fendi foi mais adiante. Em 2012, comprovou a aceitação dos consumidores ao colocar uma edição limitada de bolsas numa loja pop-up online. No início do ano passado, lançou seu e-commerce com peças femininas, masculinas e infantis, calçados, acessórios, além de objetos de design.

Por trás dessa demora em explorar a internet reside um dilema crucial para as grifes. “Há um consenso de que a compra de luxo é uma experiência multissensorial: envolve a beleza física da loja, iluminação, aroma, atendimento personalizado. Como consequência, passou-se a achar o e-commerce uma experiência fria – e não deixa de ser, pois não existe contato com o produto, nem prova de roupa”, diz Silvio Passarelli, diretor do MBA em gestão do luxo da FAAP. Para o especialista, não há mais motivo para se ter receio desse mercado, uma vez que os consumidores mantêm um vínculo especial com a marca. “Quem consome luxo já estabeleceu um relacionamento com a marca, por isso, a exclusividade não é afetada. O desafio é proporcionar no online algo correspondente ao que o cliente tem disponível numa loja física”, afirma.

No Brasil, mesmo em meio à instabilidade econômica, as vendas online continuam crescendo. Segundo a consultoria de comércio eletrônico E-bit, houve um aumento de brasileiros que compram em sites internacionais. De 2014 para 2015, esse percentual saltou de 38% para 54%. Em 2015, a E-bit estima que os brasileiros gastaram US$ 2,02 bilhões em sites estrangeiros (18% a mais que em 2014). A pesquisa identificou também o surgimento de novas empresas e melhora do nível de satisfação do consumidor, que subiu de 61% para 65%. Em 2015, o e-commerce no País faturou R$ 41,3 bilhões e a estimativa para 2016 é que alcance R$ 44,6 bilhões.  “Estar fora desses canais é um mau negócio. Esse caminho é irreversível”, diz Passarelli, da FAAP. Até para o luxo.