17/03/2023 - 1:00
Egresso do sistema financeiro, Humberto Casagrande entrou no Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) como conselheiro voluntário antes de se tornar CEO. Desde que assumiu a direção há seis anos, investiu na modernização digital da entidade que faz a conexão entre 32 mil empresas conveniadas, 23 mil escolas e mais de 2 milhões de jovens cadastrados em busca de seu primeiro emprego. “Quando cheguei 95% dos jovens iam fisicamente aos estabelecimentos do CIEE para se cadastrarem enquanto 5% resolviam o processo digitalmente, hoje o percentual se inverteu”, afirmou à DINHEIRO. Com a estrutura mais eficiente, sua luta atual é para que o governo federal crie dispositivos para incentivar empresas a criarem mais vagas para absorver mais jovens estudantes. Uma das frentes pela qual batalha é a aprovação do Estatuto do Jovem Aprendiz, hoje parado na Câmara dos Deputados.
Vocês unem jovens sem experiência profissional e empresas. Como avalia essa relação?
HUMBERTO CASAGRANDE — Tem melhorado gradativamente. No passado era comum as empresas usarem os estagiários como mão de obra barata, os relegando a trabalhos repetitivos sem se preocupar em agregar valor na sua formação. Hoje, passaram a enxergar os jovens como futuro da própria organização. Eles se tornaram instrumento importante de recursos humanos.
O que motivou a evolução?
Foi a mudança de percepção do papel do jovem. Em vez de ser mão de obra barata, ele passou a ser visto como caminho para que a companhia tenha acesso às novas maneiras de a sociedade agir, de se comunicar, e está permitindo que as marcas entendam mais rapidamente novos hábitos de consumo. Além disso, ele carrega um brilho nos olhos, uma vontade de se desenvolver. O resultado é que tanto as empresas quanto os órgãos públicos que já incluem o estagiário ou o jovem aprendiz gostam muito dos resultados. Mas muitas ainda não se interessam. É uma pena que a gente tenha muito mais jovens procurando do que vagas disponíveis.
Qual a relação hoje entre jovens e vagas?
Mais ou menos dez para uma. Temos 2 milhões de jovens cadastrados na fila por uma oportunidade no CIEE e somente 210 mil jovens já atendidos. Não temos vagas para atender todo mundo.

Essa discrepância é por falta de vagas ou porque as empresas estão recorrendo a outros caminhos que não passam por instituições como o CIEE?
Na verdade, as empresas brasileiras não têm oferecido oportunidades para os seus jovens na forma como deveriam. Para você ter uma ideia, o Brasil tem 48,3 milhões de estudantes desde o ensino fundamental até a universidade, e só temos 1,1 milhão de jovens usando o primeiro emprego como parte de sua formação profissional, como estagiários ou aprendizes. Ou seja, apenas 2%. Apesar disso, o governo não tem um programa específico para essa juventude. Deveria haver fórmulas para estimular a criação de vagas.
Isso não seria corrigido com o Estatuto do Jovem Aprendiz que está na Câmara dos Deputados para análise?
O Estatuto do Jovem Aprendiz iria ajudar significativamente. Hoje temos somente a Lei do Aprendiz, que é uma lei de cotas segundo a qual nós deveríamos ter cerca de 1 milhão de aprendizes no Brasil, mas temos cerca de 500 mil. Ou seja, apenas 50% das empresas estão cumprindo a lei. O Estatuto vinha para simplificar, agilizando a contratação, garantindo mais segurança jurídica para as empresas e para os jovens, além de uma série de benefícios.
Acho que vale explicar um pouco desse instrumento.
Ao contrário do estagiário, o aprendiz é um funcionário CLT. Além disso, a decisão da empresa em contratar estagiários é voluntária. Já as cotas para aprendizes é obrigação desde a Consolidação das Lei Trabalhistas em 1946. Acontece que até o ano 2000 essa obrigação era uma exclusividade do Sistema S e só tínhamos 50 mil aprendizes no Brasil. A partir de 2003, com a reforma da lei, o estatuto foi estendido às entidades sem fins lucrativos. Foi quando multiplicou por dez o número de aprendizes, chegando a quase 500 mil. Só que a lei continuou sendo muito ruim em alguns aspectos e o Estatuto é um instrumento mais completo que corrige essas deficiências.
Como quais?
Um exemplo: para calcular o número de aprendizes que precisa contratar, a empresa é praticamente obrigada a recorrer a um contador porque é um cálculo bem complexo. O Estatuto do Aprendiz viria para simplificar o cálculo e a burocracia envolvidos. Além disso, a vida do aprendiz é impactada por diversas regras como qual curso é elegível, se pode ser educação a distância ou não, quantas horas o curso deve ter… Tudo isso ficou em matéria infralegal na atual legislação. Alguns desses pontos estão previstos em portarias do Ministério do Trabalho e isso muda a toda hora. Isso dificulta muito o trabalho das entidades de formação e das empresas. O Estatuto do Aprendiz coloca tudo isso na lei.
Como está a tramitação do texto na Câmara dos Deputados?
Era para ter sido votado no ano passado e não foi porque há uma resistência de setores retrógrados do empresariado. Um grupo que só quer favores do governo e alega que o menor aprendiz seria mais uma indesejada linha do Custo Brasil. Eles convenceram alguns deputados, poucos, mas com grande representatividade, que souberam usar o regimento para impedir a votação.
Quais são esses setores mais atrasados?
Temos tido uma oposição da Confederação Nacional da Indústria (CNI), por exemplo, e segmentos como de limpeza e conservação, transporte de valores, entre outros. Eles alegam questões de periculosidade de suas atividades. Nós concordamos. Entretanto, há diversos meios de driblar o problema do que simplesmente isentar essas empresas de ter aprendiz. Colocá-los em trabalhos administrativos é uma alternativa.
Como está a perspectiva do texto de voltar ao plenário?
Agora existem dois caminhos possíveis. O primeiro é começar do zero, com a criação de outra comissão para avaliar o texto e seguir com o trâmite, o que representaria mais um ano de trabalho. O outro é um acordo de lideranças, um acordo com o governo, para levar o Projeto de Lei direto para a votação em plenário. Qual será escolhida, ainda não sabemos. Mas estamos otimistas com a aprovação.
Qual o perfil majoritário desse jovem que busca o primeiro emprego via CIEE?
Atendemos a todos os estudantes, independentemente de classe social ou de qual escola ele estuda. Mas há uma parte considerável que é de jovens vulneráveis, com gaps familiares e na educação. As empresas não podem esperar que, por pagarem um salário mínimo, esses jovens já tenham conhecimentos complexos. Não estamos na Suíça ou na Alemanha com um sistema educacional de primeiro mundo. Nossa realidade é totalmente diferente e as empresas precisam assumir seu papel social e sua responsabilidade na formação do profissional do futuro. O programa de aprendizagem é transformador na vida do jovem.

Mas é de fato caro para empresas estruturar um programa como esse?
Costumo dizer que se o pequeno salário que a empresa paga para os poucos aprendizes que contratam for um problema, é porque ela tem outro tipo de problema. Certamente não é o aprendiz que torna uma empresa rentável ou deficitária.
É justo falar em meritocracia em um país tão desigual em educação como no Brasil?
É muito complicado. Fazer a meritocracia pura e simples não é justo e nem sustentável. O correto seria que as empresas tivessem programas para entender a realidade brasileira, para acolher as diferenças dos jovens e seus problemas de educação e, finalmente, para implementar programas de desenvolvimento. No CIEE, por exemplo, temos 97 cursos gratuitos on-line para que os jovens melhorem seus currículos. Já somamos 1 milhão de pessoas impactadas.
Pouco antes na nossa conversa, o senhor defendeu uma maior intervenção do governo para estimular a contratação de jovens por empresas. Quais seriam outras medidas além do Estatuto do qual falamos?
O primeiro seria o reconhecimento pelo governo do impacto social do programa de aprendizagem. Ele combate a evasão escolar, motiva, forma e remunera o jovem. No Brasil não há educação sem trabalho porque o adolescente vulnerável precisa trabalhar para estudar. Sem ganhar dinheiro, não tem o apoio da família para ir à escola ou universidade, porque o dinheiro que ganha não é dele. É da família. Outra ação, no contexto do estudo em período integral, é reconhecer o trabalho aprendiz como o segundo turno da escola. Uma terceira, seria o governo dar incentivos para empresas com ações como arcar com parte das bolsas do aprendiz.