Ao longo de 2013, as seguradoras tiveram de desembolsar cerca de US$ 140 bilhões para cobrir indenizações ligadas a eventos climáticos, como furacões e chuvas torrenciais. O aumento da intensidade dessas catástrofes tem sido apontado como um dos efeitos do aquecimento global. Os cientistas não são unânimes nesse diagnóstico. Por via das dúvidas, as grandes corporações estão se preparando para um cenário ainda mais adverso. Uma das empresas que puxam essa fila é a Allianz, cujas receitas somaram € 110 bilhões (R$ 340 bilhões), no ano passado. “Em uma economia integrada, temos de levar em conta que ocorrências climáticas severas em um país podem gerar prejuízos em cascata nos demais”, afirma Karsten Löffler, CEO da Allianz Climate Solutions, divisão da gigante alemã dos seguros que trata dessa área. “Isso vale especialmente para o setor produtivo.” Em sua recente passagem pelo Brasil, Löffler, que também integra o Conselho Consultivo sobre Mudanças Climáticas da ONU, defendeu a criação de green bonds, títulos destinados a financiar projetos de energia renovável em países como o Brasil.

DINHEIRO – O que a Allianz está fazendo para atuar em um mundo onde as catástrofes climáticas e os prejuízos provocados por elas tendem a aumentar cada vez mais?
KARSTEN LÖFFLER –
É preciso ter em mente que as mudanças climáticas não podem ser facilmente ligadas a ocorrências de eventos extremos como tsunamis e furações. Para fazermos essa conexão é preciso um estudo mais profundo, usando inclusive modelos estatísticos, para mostrar a relação entre essas duas coisas. Dito isso, é importante que uma empresa de seguros se prepare para o futuro. Em muitos casos, o que podemos fazer é instruir nossos clientes que atuam perto de rios, por exemplo, a adotarem medidas para proteger suas instalações em relação a possíveis inundações. Trata-se de uma maneira simples de se precaver de fenômenos que podem gerar perdas importantes.

DINHEIRO – A divisão que o sr. dirige também presta consultoria para os clientes da Allianz nas questões relacionadas ao clima?
LÖFFLER –
Na verdade, esse trabalho é feito por cada uma das subsidiárias, pois o tema faz parte de nosso DNA. Minha função é colocar na perspectiva do grupo o que temos de fazer, como uma empresa global, para integrar os riscos associados às mudanças climáticas. Em uma economia globalizada, temos de levar em conta que inundações na Tailândia podem causar perdas para empresas japonesas, por exemplo, que ficam com sua produção comprometida pela falta de suprimento de matéria-prima. Sem contar a perda de informações relevantes, a partir da destruição de centros de computação em áreas afetadas por catástrofes.

DINHEIRO – E qual seria o caminho para minimizar esses riscos?
LÖFFLER –
Acho que existem muitas medidas a serem adotadas, no sentido de reduzirmos as emissões de dióxido de carbono (CO2). A lista inclui a implementação de instrumentos que privilegiem a produção e a venda de equipamentos mais eficientes, do ponto de vista energético, para serem usados pelas empresas e em nosso dia a dia, e até mesmo o incentivo para a adoção de energias limpas, como as fontes solar e eólica.

DINHEIRO – Nesse contexto, as medidas adotadas recentemente pelo presidente Barack Obama, dos Estados Unidos, com o objetivo de reduzir em 30% as emissões do país, representam uma nova forma de lidar com essa questão, uma vez que os mercados tradicionais de venda de crédito de carbono perderam o brilho?
LÖFFLER –
Você está certo quando diz que o mercado de carbono está desapontando os investidores. Os motivos são inúmeros, inclusive a crise econômica de agosto de 2008. Isso afetou a demanda por certificados de emissão de CO2. Acho que uma forma de trazer de volta essa discussão e reavivar o mercado de carbono é colocar os países em desenvolvimento nesse debate, além de criar mecanismos para regular e gerenciar as emissões desses títulos. Nesse contexto, a decisão do governo Obama em limitar as emissões é bastante positiva.

DINHEIRO – Do ponto de vista do setor financeiro, quais são as prioridades nesse debate?
LÖFFLER –
Não falo pelo setor financeiro. Mas se analisarmos o segmento de seguros, no qual a Allianz está inserida, destacaria a capacidade das empresas do setor de incorporar as mudanças climáticas ao centro de sua estratégia de negócios. Outro ponto importante seria a criação de produtos financeiros verdes, que tenham relevância do ponto de vista do investidor. Estou falando de bônus verdes e dos Bônus Climáticos, por exemplo, que seriam instrumentos que os bancos de desenvolvimento de países como os Estados Unidos, a Alemanha ou o Japão poderiam utilizar para bancar os custos da transição de uma economia fortemente apoiada na emissão de CO2. Isso valeria para financiar empresas e também países em desenvolvimento.

DINHEIRO – Que países o sr. acredita, estariam dispostos a adotar medidas desse tipo?
LÖFFLER –
Os bônus verdes seriam bônus convencionais, com a diferença de que os ganhos auferidos com esses títulos seriam utilizados em projetos destinados a reduzir as emissões de CO2, através do investimento em projetos de energia alternativa, por exemplo, ou naqueles com o objetivo de minorar os efeitos das mudanças climáticas, como a gestão da escassez da água ou do aumento do nível do mar. Qualquer governo que desejasse ampliar seus investimentos nessas áreas poderia lançar mão desse instrumento financeiro. No caso do Brasil, os bônus valeriam até mesmo para subsidiar a implementação da energia solar.

DINHEIRO – Mas existe demanda para esse tipo de título?
LÖFFLER –
Sem dúvida. Trata-se de um mercado com potencial enorme e que pode atrair muito mais investidores do que os “suspeitos de sempre”, como dizemos na gíria do mercado. Nessa lista eu incluiria todos que se preocupam com a questão da sustentabilidade, como os gestores de fundos de pensão e de grandes empresas tanto da Europa como dos Estados Unidos. Muitas vezes os acionistas dessas empresas e cotistas desses fundos têm dificuldade de alocar seus recursos, pois não encontram projetos que combinem com a visão de mundo de seus controladores. É importante levarmos em conta que, pelas estimativas do Banco Mundial, seria necessário investir cerca de US$ 170 bilhões por ano, até 2050, para cumprir as metas de redução das emissões de CO2. E esses bônus podem cumprir um papel importante para viabilizar esse objetivo.

DINHEIRO – O Brasil possui um dos maiores ativos de biodiversidade do planeta: a Floresta Amazônica. O sr. acredita que, nesse contexto, seria possível usar esse bioma como forma de arrecadar recursos a partir dos serviços ambientais prestados por ele?
LÖFFLER –
A Amazônia é um ecossistema crítico para a biodiversidade e para o clima mundial. Hoje, já existem mecanismos, como o REDD (redução das emissões por meio do combate ao desmatamento e à degradação florestal, na sigla em inglês). A Allianz é uma das empresas que já investiram nesse mecanismo para cobrir sua pegada de carbono, embora ela seja pequena. O ideal para o Brasil, além da vigilância sobre o desmatamento, seria criar seu próprio mercado de carbono, permitindo que empresas que atuam aqui pudessem comprar uma espécie de créditos da Amazônia, para cobrir suas emissões de CO2. Seria um primeiro passo para atrair capital para investir nessa área.

DINHEIRO – Mudando de assunto, um estudo realizado recentemente pela Allianz mostrou que a previdência de nenhum dos 50 países estudados estaria preparada para enfrentar os efeitos do envelhecimento da população. O fato de o Brasil ser um país jovem pode ser visto como uma vantagem nesse aspecto?
LÖFFLER –
Hoje o Brasil desfruta de uma situação confortável, com uma população com idade média de 31 anos, oito anos abaixo da média dos EUA e 16 anos abaixo da da Alemanha. Contudo, a situação irá mudar a partir de 2035. Isso porque a taxa de fecundidade, que já foi de 5,8 filhos, na década de 1970, caiu para 1,8 filho. Com isso, o número de pessoas trabalhando para sustentar os aposentados irá diminuir drasticamente, o que pode criar problemas para o governo, mas também oportunidades para empresas que atuam nos segmentos de previdência privada e cuidados de saúde. Nem o Estado nem o setor privado podem sozinhos dar conta dessa situação. Precisamos pensar em uma parceria entre as empresas privadas e esses dois agentes, que viabilize uma agenda para o futuro nessa área.

DINHEIRO – E como extrair dividendos desse fenômeno em países como o Brasil, nos quais os produtos financeiros, como seguros, não são acessíveis às pessoas de baixa renda?
LÖFFLER –
Do ponto de vista das seguradoras, creio que temos de tentar incluir o maior número de pessoas nesses mercados. Estamos trabalhando nesse sentido e um exemplo disso é o projeto-piloto de microsseguros na Índia. Nossa visão é no sentido de ampliar e disseminar a cultura do seguro em todos os níveis da pirâmide de consumo. Tratamos isso como um negócio como outro qualquer, que precisa gerar resultados para a empresa, e não uma ação social.