20/01/2015 - 17:00
Os escândalos de corrupção nos contratos entre as maiores empreiteiras do País e a Petrobras expuseram, além da chocante promiscuidade entre estatais e empresas privadas, uma complexa estrutura de negócios no meio corporativo brasileiro. Nem sempre o melhor preço vence a licitação. Os valores dos contratos raramente representam o custo final da obra. Para o CEO e sócio do Grupo WTorre, Paulo Remy, o País precisa implementar urgentemente reformas estruturais e combater a burocracia se quiser reduzir a ocorrência de malfeitos no País. Isso não quer dizer, segundo o empresário, que as grandes empresas devam se eximir de suas responsabilidade nos conluios. “Em corrupção, quando um não quer, dois não brigam”, diz. Veja, a seguir, sua entrevista:
DINHEIRO – Como o sr. avalia o desempenho da economia brasileira?
PAULO REMY – Estamos vivendo um momento muito delicado. A gente fica muito preocupada com o que está acontecendo em nosso quintal, mas a verdade é que o mundo está desordenado. Os últimos dados de 2014 mostram uma recessão no Japão, que a China está crescendo menos, que as maiores economias da Europa, a Alemanha e a França, estão com crescimento próximo a zero ou negativo, e revelam uma Rússia às voltas com muitas dificuldades. Do ponto de vista da macroeconomia, o cenário é complicado. Parece que não há ninguém indo para a frente.
DINHEIRO – Como o Brasil deve se posicionar nesse novo cenário?
REMY – O Brasil está em um momento de transição de modelo econômico. Passou de um modelo baseado no consumo, de afrouxamento das metas fiscais e das metas de inflação, para um modelo focado na disciplina das contas públicas e nas exportações. O Brasil é hoje o país com menor participação no comércio internacional, entre os emergentes, e caindo mais ainda. Estamos pagando um preço caro por ter, durante anos, perdido tempo com parceiros irrelevantes como países do Mercosul, Palestina, Irã e Cuba. Essa conta está vindo agora.
DINHEIRO – O novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, conseguirá pôr ordem na casa?
REMY – Gostei da nomeação do Joaquim Levy. Nunca trabalhei com ele, mas sei que possui um bom currículo por já ter trabalhado no governo e no mercado financeiro, além de ser um fiscalista por excelência. A escolha foi positiva. Os antigos ministros eram escolhidos mais por indicações políticas do que pela capacidade técnica. O Levy já esteve no governo federal e no governo do Rio de Janeiro. Ele sabe quais são os parafusos que precisam ser apertados.
DINHEIRO – Seus antecessores não tinham a mesma capacidade?
REMY – O Levy é um técnico. Ele não está sentando na cadeira sem saber qual é a sua função, como acontece no Ministério da Pesca, no Ministério do Turismo ou mesmo no Ministério do Planejamento, como era com a Miriam Belchior. O que é planejamento? É pensar no futuro e errar cada vez menos. Não é para ficar resolvendo coisas do dia a dia, apagando incêndio, como aconteceu nos últimos anos.
DINHEIRO – Que ajustes serão necessários para recolocar a economia nos trilhos?
REMY – Os ajustes que serão implementados pelo Levy serão importantes, mas não serão suficientes. Há três grandes reformas que o Brasil precisa executar: a tributária, a política e a ambiental. Antes de querermos competir, precisamos saber com quem estamos competindo. Não adianta termos uma estrutura tributária de Terceiro Mundo, uma estrutura ambiental inspirada na da Noruega e uma exigência de consumidor nos padrões americanos, e para competir com produto chinês. A conta não fecha.
DINHEIRO – O sr. falou de reforma na legislação ambiental. Flexibilizar não iria na contramão do movimento mundial de defesa do meio ambiente?
REMY – A questão ambiental emperra o País. Sempre sou muito criticado por falar isso, mas a gente precisa saber que país a gente quer ser do ponto de vista do meio ambiente. Nosso nível de exigência é absurdo. Fiquei com vergonha ao ouvir uma recente entrevista do presidente da BMW, dizendo que precisou de 150 licenças para conseguir abrir uma fábrica em Santa Catarina. O mundo derretendo, o Brasil estagnado, o mercado de trabalho cada vez mais fragilizado e uma gigante do porte da BMW toma uma canseira para investir no País. No mundo de hoje conseguir atrair uma fábrica é um sufoco. A Foxconn está há nove meses aguardando uma licença da Cetesb para uma fábrica de produtos eletrônicos no interior de São Paulo. Vai tentar explicar isso para um chinês…
DINHEIRO – Quais são os efeitos desse exagero burocrática para as empresas?
REMY – A gente precisava tirar do túmulo o Hélio Beltrão e reativar o extinto Ministério da Desburocratização, criado no governo Figueiredo. A burocracia foi criada para facilitar a corrupção. A corrupção no Brasil é diretamente proporcional ao nível de burocracia. Quanto mais burocracia, mais corrupção. Aqui na WTorre, quando recebemos a última licença para construir um empreendimento, estouramos uma champanhe no escritório. É um marco.
DINHEIRO – Mas a burocracia no Brasil existe desde a chegada de Cabral…
REMY – No Brasil, o servidor público pode ser responsabilizado criminalmente, no seu CPF, pelo seu desempenho profissional. Criou-se um ambiente de intimidação. Aí, ele não assina e passa para um colega, dando início ao jogo do empurra. Em 1988, na elaboração da Constituição, ganhamos um presente chamado Ministério Público, que foi concebido como uma entidade independente, que tinha como propósito salvaguardar os interesses da sociedade civil. Era uma espécie de Quarto Poder. Agora, o Ministério Público intervém em tudo. Em tudo. E ninguém consegue questionar o Ministério Público. Em vez de ser um poder facilitador, virou um poder coercitivo. Infelizmente.
DINHEIRO – Essa estrutura burocrática explica por que empresas, como as empreiteiras acusadas na Operação Lava Jato, são induzidas ao crime?
REMY – Em corrupção, quando um não quer, dois não brigam. As empresas acusadas não foram julgadas ainda. Portanto, a operação Lava Jato é um processo em andamento e não podemos apontar o dedo antes da conclusão final. Agora, acho que as empreiteiras passaram do limite. Não sei dizer se elas foram induzidas ao crime. Sei que organizações do tamanho dessas possuem mecanismos para denunciar. Muitas delas têm canal direto com o poder.
DINHEIRO – Esse escândalo ajudará a limpar a relação entre empresas estatais e empreiteiras?
REMY – O que está acontecendo é horrível para o País. Há um descrédito muito grande na Petrobras, a maior empresa brasileira. As empresas citadas nas investigações, somadas, movimentam mais de R$ 200 bilhões em negócios. Por outro lado, se a presidente Dilma cumprir a promessa de que não ficará pedra sobre pedra, haverá um grande avanço institucional no País.
DINHEIRO – O governo foi conivente ou omisso em relação à Petrobras?
REMY – Nesse ponto, sou crítico porque acho que o governo não está agindo adequadamente. Alguém duvida que os problema na companhia vêm de há muito tempo? Passou da hora de colocar uma equipe de intervenção lá dentro. Por outro lado, dizer que a Dilma é culpada é uma declaração muito forte. Mas todos sabem que a presidente da Petrobras, Graça Foster, estava sentada na mesa de diretores quando os contratos foram assinados.
DINHEIRO – O Grupo WTorre não participa de obras públicas. Como a empresa avalia essa decisão tomada no passado?
REMY – Não tenho orgulho dessa decisão. Apenas tomamos a decisão de não disputar concorrência de obras públicas porque identificamos que nossas habilidades não eram para o mercado público.
DINHEIRO – A companhia nunca se sentiu tentada a disputar a área pública?
REMY – Tentação sempre existe. Não pelo tamanho das obras, mas pelo tamanho do mercado. As obras públicas são o maior mercado do País. Além disso, as margens são muito maiores. Mas, como disse, como não era nossa especialização, decidimos ficar em nosso mercado. Como estratégia de longo prazo, nossa decisão se mostrou acertada.
DINHEIRO – Apesar da economia lenta, a WTorre cresceu em 2014. Como?
REMY – O ano foi muito bom para nós. A economia não está ruim como muitos imaginam. Há dez anos o PIB brasileiro era de US$ 1 trilhão. Hoje, passa de US$ 2,5 trilhões. Ou seja, economia e mercado existem. Não estamos na Grécia ou no Uruguai.
DINHEIRO – Mas os srs. desistiram do mercado de shopping centers…
REMY – Saímos da gestão de shoppings, não do investimento em shoppings. Temos dois grandes projetos, um em São Paulo e outro no Rio de Janeiro, em Madureira. Vendemos o JK Iguatemi. Agora estamos construindo um complexo na avenida Roque Petroni, com hotel, shopping, prédio residencial e escritórios. Um investimento de R$ 700 milhões. Estamos também construindo um porto no Maranhão. Além disso, temos mais de R$ 700 milhões em galpões industriais. Não somos apenas construtora. Somos desenvolvedores imobiliários e de infraestrutura.
DINHEIRO – A WTorre enfrentou problemas na construção do Allianz Parque. O que aconteceu?
REMY – A parte de licenciamentos seguiu os trâmites normais. O mais difícil é que não houve boa vontade. Uma coisa é aprovar mais um prédio, em uma região metropolitana com dois milhões de imóveis. A proposta de licenciar uma arena em uma cidade onde não havia novas arenas, onde o último estádio, o Morumbi, havia sido construído em 1958, era vista com receio. Na época da aprovação do projeto, o poder público não abraçou a ideia.
DINHEIRO – Faltaram palmeirenses na prefeitura?
REMY – Não, o projeto não pode ser encarado como o estádio do Palmeiras. Todos reconhecem que o local se tornou um cartão-postal, como é a Pinacoteca e o Masp. Agora, o mais importante é que entregamos o projeto.