09/01/2015 - 20:00
Em seu primeiro dia como ministro da Fazenda, Joaquim Levy percorreu os oito andares do bloco P da Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Naquela sexta-feira 2, ele conversou com funcionários, diretores e secretários da pasta sobre as perspectivas para a economia e sobre o trabalho de cada órgão. Calmo e sorridente, elogiou os pontos que considerava positivos e conquistou a simpatia dos servidores. Na comparação com o antecessor, Guido Mantega, que ocupou o cargo por quase nove anos, Levy é considerado menos formal, embora igualmente dedicado ao trabalho.
Durou pouco, no entanto, a fase de reconhecimento do território. Já na segunda-feira 5, depois da cerimônia de transmissão do cargo, participou na Casa Civil da reunião da Junta Orçamentária que definiu os cortes de gastos publicados três dias depois no Diário Oficial. Na quarta-feira 7, depois de um almoço na Fazenda com o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, e com o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, surpreendeu ao se dirigir ao Ministério de Minas e Energia para discutir o financiamento do setor com o ministro Eduardo Braga.
Foi uma deferência, e um sinal de desapego aos rituais brasilienses, que pregam que o ministro da Fazenda só deixa o seu gabinete para ir ao Planalto ou participar de cerimônias importantes. É o estilo Levy de trabalhar. Nas conversas com a equipe do ministério, Levy reafirmou a necessidade de ajustes na economia e a importância do equilíbrio fiscal, preocupação central neste momento, e pediu que o Tesouro acompanhasse com lupa as contas dos Estados e municípios, garantindo equilíbrio fiscal também nos outros níveis da administração pública.
Os novos secretários, cujos nomes foram mantidos em sigilo até mesmo dos assessores mais próximos, anunciados após o discurso de posse, revelam uma equipe técnica formada por profissionais com os quais o ministro já trabalhara anteriormente. O secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, ocupou o mesmo posto no primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O novo secretário do Tesouro, Marcelo Saintive, é do corpo técnico do Ministério e trabalhou com Levy na Secretaria de Finanças do Rio de Janeiro.
O novo secretário-executivo, número 2 da pasta, é Tarcisio Godoy, adjunto de Levy na Secretaria do Tesouro no primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Enquanto nos bastidores o novo titular da Fazenda conversava com subordinados e colegas sobre o futuro da política econômica, em público ele exaltava a importância do diálogo com o setor privado. A cerimônia de posse teve dois simbolismos. Primeiro, foi realizada no auditório do Banco Central. Embora o motivo oficial seja o tamanho da sala, o “empréstimo” denota um novo tipo de relacionamento entre os dois principais integrantes da equipe econômica.
O segundo era a composição da plateia. Além do comparecimento em peso dos outros ministros, estavam lá banqueiros e empresários de peso, como Roberto Setubal, Luiz Carlos Trabuco, André Esteves, Jorge Gerdau e Luiza Trajano, entre outros. No discurso, Levy disse à plateia empresarial que o início do segundo mandato da presidenta Dilma será marcado por um ajuste das contas públicas. “O equilíbrio fiscal é a chave para a confiança e o desenvolvimento do crédito, que permite a mais empreendedores levarem à frente seus projetos e, com isso, contribuírem para a geração de emprego, o bem-estar geral e a riqueza da nação”, afirmou.
No Orçamento deste ano, ainda em tramitação no Congresso, o governo promete um superávit de 1,2% do PIB em 2015. O crescimento esperado do PIB é de 0,8% e a inflação – que fechou 2014 em 6,41% – deve ficar próxima de 6,5%. Levy prometeu uma mudança radical na política econômica recente, marcada por desonerações pontuais e financiamentos a setores específicos. Ele não garantiu claramente que a chamada política de “puxadinhos” iria acabar, mas prometeu mais transparência e condições de igualdade para todos os empresários.
“Dar regras claras diminui a ansiedade das empresas”, disse o ministro. “Quando as coisas são muito incertas, em vez de tomar risco você fica se protegendo.” Citando um discurso feito pela presidenta Dilma em dezembro, na cerimônia de diplomação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Levy insistiu que era preciso acabar com patrimonialismo nas relações entre o Estado e as empresas. Com regras mais transparentes e políticas mais horizontais, o novo ministro espera um aumento do investimento, hoje em torno de 17% do PIB, o menor nível dos últimos dez anos.
Levy também acenou com aumentos de impostos. “Possíveis ajustes em alguns tributos serão considerados, especialmente aqueles que aumentam a poupança doméstica e aqueles que corrigem desequilíbrios setoriais”, afirmou, sem dar detalhes do novo “saco de maldades”. O governo estuda aumentar a tributação de aplicações financeiras, como as LCI, hoje isentas e rentáveis (leia mais aqui). E cogita cobrar a Contribuição de Intervenção de Domínio Econômico (Cide) sobre gasolina, que teve a alíquota zerada em 2012. O ministro da Saúde, Arthur Chioro, chegou a cogitar a volta da CPMF, mas a própria equipe econômica rejeita a medida.
Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), disse que a entidade, que liderou a campanha pela derrubada do imposto em 2007, será “irredutível” no combate a qualquer tentativa de recriação ou aumento de tributos. Levy também deixou claro que o Tesouro não continuará bancando o aumento dos custos de energia elétrica, que serão repassados para os preços. O aumento das taxas de juros nos financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no fim do ano, vai reduzir o subsídio do Tesouro ao banco de fomento.
Com exceção do aumento de impostos, os presentes gostaram do que ouviram. “Achei que o discurso foi absolutamente correto, agora vamos aguardar a implementação”, diz Henrique Meirelles. O superávit de 1,2% do PIB, considerado tímido por alguns analistas, foi aprovado pelo ex-presidente do BC como “primeiro passo na direção correta”. O economista Samuel Pessôa, professor da Fundação Getulio Vargas e um dos assessores da candidatura do senador Aécio Neves, saiu satisfeito, mas alerta que as medidas são muito diferentes das prometidas por Dilma e que essa mudança exigirá um ajuste mais forte.
“Se houvesse confiança, os investidores já estariam começando a se preparar para a retomada da economia”, afirma. Com a confiança do setor produtivo no nível mais baixo dos últimos anos, o desafio da nova equipe econômica é convencer os bancos a voltar a abrir a torneira do crédito e convencer os empresários a retomar os projetos engavetados. O presidente do Bradesco diz que 2015 será um ano desafiador, mas afirma que a volta da confiança vai depender muito das ações que serão tomadas pelo governo. “Para retomar os investimentos é preciso retomar o programa de concessões”, afirmou Trabuco.
“Precisamos atrair esses recursos que estão parados lá fora.” Jorge Gerdau, presidente do conselho do Grupo Gerdau, concorda. “O governo é que tem de construir as oportunidades”, afirma. A cautela dos empresários apareceu claramente na pesquisa anual da consultoria americana Robert Half, que entrevista empresários e executivos nos cargos de presidência e diretoria. Realizada desde 2011 em parceria com a DINHEIRO, a pesquisa mostrou que os prognósticos para 2015 não são bons. O percentual de empresários que se declararam pessimistas cresceu de 2% em 2011 para mais de 35% em 2014 e há sinais de desaceleração nos investimentos e contratações.
No entanto, segundo Fernando Mantovani, diretor de operações da subsidiária brasileira da Robert Half, durante o levantamento foi possível perceber que os empresários não descartam uma melhoria significativa das condições da economia. “Os empreendedores têm uma grande confiança em Joaquim Levy”, diz Mantovani. “Se ele for capaz de recolocar rapidamente a economia nos trilhos, a percepção é de que o segundo semestre será muito melhor do que o mesmo período de 2014.” A pesquisa indica que há setores claramente problemáticos.
Um deles é o de petróleo e gás devido à indefinição com relação à Petrobras. O outro é o automotivo, devido à retração do consumo e ao fim dos estímulos fiscais. Mesmo assim, algumas áreas, como bens de consumo, empresas farmacêuticas, de tecnologia e o agronegócio, devem continuar crescendo e contratando. Os primeiros passos para colocar em prática o discurso de ajuste fiscal vieram na quinta-feira 8, quando o governo reduziu em um terço o volume de recursos que podem ser gastos em despesas não obrigatórias.
A medida vale para os primeiros meses do ano, enquanto o Orçamento de 2015 não é aprovado pelo Congresso, e representaria, caso fosse aplicada durante todo o ano, um corte de R$ 22,8 bilhões. É uma tesoura menor do que a do ano passado (R$ 44 bilhões), mas é um bom sinal de austeridade. “Mesmo que a economia de R$ 1,9 bilhão por mês não seja muito grande, o decreto mostra maior rigor fiscal nos próximos meses”, diz o economista-sênior do Banco Espírito Santo, Flávio Serrano. As medidas de maior rigor nos gastos não foram as únicas anunciadas na semana passada.
Diante de um auditório lotado de políticos e líderes de entidades empresariais, o novo ministro do Desenvolvimento, Armando Monteiro Neto, tomou posse prometendo retomar o diálogo com o setor privado e estimular as exportações brasileiras, especialmente do setor industrial. “O mercado internacional nos oferece mais oportunidades do que ameaças”, disse o ministro. Trata-se de uma mudança de postura em relação ao primeiro mandato de Dilma, quando a ordem era proteger o mercado nacional. “Não há política industrial sem uma política ativa de comércio exterior”, afirmou o novo ministro, que presidiu a CNI. Maior interlocução é tudo o que vinham pedindo os empresários, especialmente da indústria, que no ano passado teve queda de 3,2% na produção até novembro.
“É muito importante o diálogo com o setor privado”, diz Reginaldo Arcuri, presidente-executivo do Grupo Farma Brasil. “Ele tem uma visão muito moderna do que o País e a indústria precisam, e saberá negociar no Congresso e dentro do governo”, disse o presidente da CNI, Robson Andrade. O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Moan, gostou do discurso. “Já estou virando caixeiro-viajante”, disse Moan (confira reportagem aqui). Se na área econômica a equipe está afinada, não se pode dizer o mesmo para o restante do novo Ministério. A ministra da Agricultura, Kátia Abreu, disse em entrevista que praticamente não existe mais latifúndio no Brasil.
Foi rebatida pelo novo ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias. “Ignorar ou negar a existência das desigualdades e da injustiça é uma forma de perpetuá-las”, disse Ananias. Outro ruído foi provocado pela própria presidenta Dilma, que obrigou o ministro do Planejamento a voltar atrás na afirmação de que o governo pensava em mudar a fórmula de reajuste do salário mínimo. Depois de ser boicotada na cerimônia de posse pelos sindicalistas, furiosos com as mudanças no seguro-desemprego, Dilma quis fazer um agrado aos representantes dos trabalhadores. Foi um sinal de que a política econômica pode até ter mudado, mas o comando continua nas mãos da presidenta.