Na terça feira 20 de março, terminava oficialmente o verão mais quente, em 71 anos, na capital paulista. Quem esperava um refresco, porém, deveria passar longe do prédio de arquitetura neoclássica da Bolsa de Valores, na esquina da rua XV de Novembro, no centro velho de São Paulo. Lá, o clima começava a se inverter. Desde janeiro, o Ibovespa, seu principal indicador, vivia uma verdadeira era glacial, com queda acumulada de 7,5% até ali. Naquele dia, contudo, o Ibope divulgou uma nova pesquisa sobre a corrida presidencial. A presidenta Dilma Rousseff, pré-candidata à reeleição pelo PT, aparecia com 43% das intenções de voto.

Seus principais adversários, o senador mineiro Aécio Neves (PSDB) e o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB), surgiam com 15% e 7%, respectivamente. Mais importante que a fatia da oposição, o que chamou a atenção do mercado foi a queda de quatro pontos de Dilma, em relação à pesquisa de outro instituto, o Datafolha, publicada em 24 de fevereiro. Para os investidores, foi um sinal de que sua reeleição não era mais uma certeza inabalável. Essa percepção se traduziu numa alta de 1,53% no pregão daquele dia, que não estancou até aqui. Daquela data até a quinta-feira 8, as ações do Ibovespa viveram um verdadeiro rali eleitoral, acumulando um crescimento de 13%.

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“O mercado virou comprador de mudança”, afirma o analista Roberto Altenhofen, da casa de análises independente Empiricus. Os investidores interpretaram que o tempo, finalmente, poderia virar a seu favor. Até ali, muitos problemas nublavam o horizonte. As projeções para o PIB minguavam a cada novo Boletim Focus, do Banco Central, enquanto a inflação se aproximava perigosamente do teto de 6,5% da meta. O que o governo prometia economizar para pagar suas contas não convencia os mais críticos. O consumo dava sinais de fadiga.

“Dilma desagradou muito ao mercado”, afirma o economista Raul Velloso, um dos mais conhecidos especialistas em contas públicas do País. “A sustentabilidade da dívida pública foi posta em dúvida, o controle de preços gerou uma inflação represada e há um viés contra a iniciativa privada.” Além disso, muitos não creem em uma reviravolta da política econômica, caso a presidenta se reeleja. “Os sinais de que é preciso mudar são anteriores a 2013, mas Dilma insiste na mesma receita”, afirma o economista Roberto Troster, da Troster & Associados. Por isso, a pesquisa de 20 de março, menos favorável a ela, foi o sinal verde que os investidores esperavam para acelerar seus motores.

A valorização dos papéis foi liderada por estatais controladas pela União. A Petrobras acumula uma alta de 50%, em relação ao pior momento do ano, quando sua ação preferencial, a mais negociada, chegou a valer apenas R$ 12. A Eletrobras subiu mais de 40% sobre sua menor cotação neste ano. Já a alta do Banco do Brasil ultrapassou os 30%. O efeito da corrida eleitoral sobre essas ações fica claro quando se lembra que de janeiro até 19 de março a Petrobras perdeu 20% de seu valor. A Eletrobras andava apagada no pregão, com uma ligeira queda de 0,1%. O que chama a atenção é que nenhum dos fundamentos dessas companhias mudou nos últimos meses para que seus papéis disparassem nesse curto espaço de tempo.

A Petrobras, por exemplo, segue vendendo, no mercado interno, combustíveis a preços menores que os do Exterior, o que pressiona o seu caixa, que precisa subsidiar a diferença. O motivo é conhecido: o governo protela os reajustes, temendo o impacto na inflação. Com um plano de investimentos de US$ 220 bilhões até 2018, não resta outra saída à petroleira a não ser se endividar cada vez mais para bancá-lo. A Eletrobras é criticada por entrar em leilões pouco viáveis comercialmente, apenas para servir à política energética do governo. Ela foi também uma das que mais sofreram as consequências da Medida Provisória 579, de 2012, que reduziu as tarifas do setor elétrico.

O Banco do Brasil, por sua vez, era punido com uma queda de 12% no valor das ações ordinárias, até 19 de março, por expandir a carteira de crédito além dos limites recomendados pelo mercado, em um momento de desaceleração econômica, o que poderia pressionar a inadimplência. A instituição também foi questionada por seu papel na política de redução do spread bancário estimulada pelo Ministério da Fazenda. Para isso, o BB, somado à Caixa, reduziu sua taxa média de juros à espera de que os bancos privados o acompanhassem. O rali eleitoral das ações, no entanto, não turbinou apenas as companhias estatais. A alta na bolsa contaminou positivamente outros papéis.

A arrancada do BB, por exemplo, puxou o setor financeiro. Desde a divulgação da primeira pesquisa eleitoral em 18 de fevereiro, pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) e pelo instituto MDA, as ações preferenciais do Bradesco subiram mais de 30%. Já as preferenciais do Itaú estão 20% mais valorizadas. No setor elétrico, a Eletrobras influenciou as preferenciais da Cemig, com alta de quase 40%, da Cesp, com 45%, e da Copel, que beira os 50%. Esse contágio positivo ocorre, segundo Pedro Galdi, analista de investimentos da SLW Corretora, por dois fatores. O primeiro é o apetite dos investidores por papéis com bom potencial de valorização.

As barbadas do momento, claro, são as estatais, catapultadas pela expectativa de que um novo governo não interfira tanto no seu dia a dia. “O segundo é a necessidade de diversificar a carteira para reduzir o risco”, afirma Galdi. Mas se a perspectiva de mudança da política econômica afeta positivamente algumas empresas e setores, um eventual desembarque de Dilma do Planalto não é uma boa notícia para outros. O mais emblemático éo caso das construtoras. Entre elas, a mineira MRV é uma das mais afetadas. O motivo é simples: trata-se de uma das principais operadoras do programa Minha Casa, Minha Vida, uma das marcas das administrações petistas, da atual presidenta em particular.

Para os investidores, a eventual troca de governo significaria um freio no programa habitacional. Uma das razões seria o aumento dos custos de financiamento, um reflexo da esperada subida dos juros que um novo presidente promoveria para conter o consumo e a inflação. Como reflexo, as ações ordinárias da MRV já caíram mais de 10% no ano. Outra empresa punida, pelos mesmos motivos, é a Direcional, cuja cotação já recuou 2%. Mesmo as incorporadoras que não dependem do programa federal estão apanhando na Bovespa por razões diversas, que vão da freada da demanda ao aumento dos estoques até a expectativa de que a troca de governo implique crédito imobiliário mais caro.

Das 30 ações do Ibovespa que mais caíram neste ano, cinco são de incorporadoras: além da MRV, figuram Rossi (-16%), PDG (-13%), Even (-9%) e Cyrela ON (-3%). Quem mais aposta na troca de governo, desde que as pesquisas apontaram a queda das intenções de voto em Dilma, são os investidores estrangeiros. Eles representam cerca de metade do volume movimentado pela bolsa neste ano. E o importante: mais compram do que vendem. Em abril, eles compraram pouco mais de R$ 70 bilhões em papéis de companhias locais e venderam R$ 68 bilhões. Nos primeiros dias de maio, essa tendência não foi alterada: foram registrados cerca de R$ 13 bilhões em compras de ações, ante os R$ 11 bilhões em vendas.

Na lógica do mercado, quem compra um ativo espera que ele se valorize, a fim de vendê-lo no futuro com lucro. Para quem acompanha o dia a dia das finanças, a aposta estrangeira não é uma questão de sadismo com Dilma. “Comparada a outras bolsas, a brasileira realmente está barata”, afirma Guilherme Affonso Ferreira, investidor e presidente da gestora de recursos Teorema Gestão. As pessoas físicas também estão aproveitando este rali eleitoral da Bovespa. Em abril, esse grupo representou 6,7% das compras, ou quase
R$ 20 bilhões. Foi mais que o dobro dos R$ 8 bilhões desembolsados pelas instituições financeiras.

O problema é que surfar a onda dessa disparada dos índices envolve um grande, para não dizer enorme, risco: o de que, simplesmente, o governo não mude e, nesse caso, a bolsa precise devolver seus ganhos. “O rali das ações não tem sentido, baseado nos fundamentos da economia”, afirma Adriano Moreno, estrategista da Futura Invest. “O mercado está comprando o amanhã.” E o diabo, como alguém já disse, é que o amanhã pode ser aquele estranho dia que nunca chega.

A principal razão para ter cautela é óbvia: a última pesquisa eleitoral do Datafolha, divulgada na sexta-feira 9, indica que haverá segundo turno (como antecipara a pesquisa ISTOÉ/Sensus uma semana antes), mas ainda é forte a probabilidade de Dilma se reeleger. Isso explica por que nem todos estão comprando essa história. “Um único evento não justifica uma mudança nas nossas posições”, diz Ferreira, da Teorema, responsável por gerir R$ 250 milhões em papéis brasileiros e de empresas americanas. Os investidores institucionais, como fundos de pensão, por sinal, estão vendendo mais do que comprando ações na bolsa. Em abril, esse grupo se desfez de R$ 45 bilhões em ativos e comprou quase R$ 44 bilhões.

“GOTA D’ÁGUA” O fato é que a disputa eleitoral está apenas no começo. Além disso, as candidaturas estão demorando para se consolidar, segundo o cientista político Carlos Melo, do Insper. Até o início do ano, o tucano Aécio Neves, declaradamente o candidato “in pectoris” do mercado e o mais conhecido da oposição, era assombrado pela possibilidade de perder o lugar para o ex-governador José Serra. Eduardo Campos, que ainda tem pouca penetração nas regiões eleitorais decisivas, como a Sudeste, corria o risco de ver a aliada Marina Silva, da Rede, assumir a cabeça de sua chapa.

A situação não é diferente para Dilma, que enfrenta o coro do “Volta, Lula”, em apoio à candidatura de seu padrinho político, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os principais pré-candidatos ainda enfrentam problemas para compor os palanques estaduais. Nesse cálculo de prós e contras, não se sabe que mitos sobreviverão até outubro. O maior de todos os clichês é o de que uma derrota da Seleção Brasileira na Copa do Mundo possa azedar de vez o humor dos eleitores e dar a vitória à oposição. Para Melo, essa pode ser a “gota d’água” para transbordar o copo, mas apenas se a situação geral do País se deteriorar até lá, com a piora da economia e o aumento da insatisfação popular com temas como a violência.

Também é consenso entre os analistas que a campanha eleitoral só começará para valer com o início da propaganda eleitoral no rádio e na televisão. “A pesquisa mais significativa será a primeira que for feita após o início da propaganda eleitoral gratuita”, diz Melo. Tantas variáveis fazem com que nem todos apostem de olhos fechados em uma derrota de Dilma. Em um relatório da Bloomberg sobre o cenário eleitoral brasileiro, Chris Garman, especialista em mercados emergentes do Eurasia Group, afirmou que o mercado “pode estar superestimando as chances de mudança de governo”.

Ele prevê que Dilma se reeleja no segundo turno por uma margem apertada de votos – de quatro a seis pontos percentuais. É claro que os profissionais do mercado não são tão ingênuos, a ponto de serem pegos desprevenidos. Já há investidores armando posições defensivas, por meio de derivativos. Segundo Ferreira, da Teorema, um indício é o aumento no número de ações alugadas. A estratégia é simples: ao menor sinal de que a bolsa cairá, os investidores vendem os papéis que alugaram, antecipando-se à queda, esperando o preço baixar para recomprá-las.

Assim, as devolvem para seus proprietários e embolsam o lucro gerado pela venda por um preço alto e pela recompra por um valor menor. “O aluguel de ações está acima do normal”, diz Ferreira. Afinal de contas, os investidores sabem que, desde março, podem estar vivendo apenas o sonho de uma noite de verão – e nunca é demais sonhar com os olhos abertos. Em outras palavras: nada está definido e certeza mesmo só com a abertura das urnas, em outubro. Até lá, o rali eleitoral continuará a pleno vapor no pregão eletrônico da Bolsa.