Foi rápido o encontro entre a presidenta Dilma Rousseff e seu colega americano Barack Obama. Os dois apenas se cumprimentaram amistosamente, no intervalo entre os discursos que proferiram na abertura da 67ª Assembleia-Geral das Nações Unidas, na terça-feira 25, em Nova York. Não chegaram a marcar uma reunião oficial, como se cogitava nos meios diplomáticos, mas Dilma não perdeu a chance de dar seu recado a Obama. “Esse Rivera Amendment é horrível”, disse Dilma nos poucos minutos partilhados com o presidente dos Estados Unidos, em meio a sorrisos e abraços calorosos e perguntas sobre a família do presidente americano. “Vai prejudicar muito as nossas empresas e acabará prejudicando também a Boeing no Brasil.” 

 

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Entre tapas e beijos: após discursar na ONU, Dilma cumprimenta o seu colega

americano Barack Obama

 

A presidenta referia-se a uma lei aprovada recentemente pelo Congresso americano, que proíbe empresas com negócios em Cuba de fechar contratos com o governo dos Estados Unidos. A medida afeta diretamente a Odebrecht, que opera no país caribenho e venceu uma licitação para erguer um hotel no aeroporto de Miami, entre outras obras. A Boeing, por sua vez, é uma das empresas que disputam o fornecimento de caças para a Força Aérea Brasileira. A defesa das empresas brasileiras foi também a tônica do discurso da presidenta na ONU, ao criticar as medidas de austeridade fiscal e expansão monetária tomadas pelos países desenvolvidos. 

 

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Luciano Coutinho, presidente do BNDES: “Não deixaremos

de proteger a nossa indústria”

 

“Os Bancos Centrais dos países ricos persistem em uma política monetária expansionista que desequilibra as taxas de câmbio”, reclamou Dilma, num discurso que foi escrito pelo Itamaraty e trabalhado exaustivamente por ela e pelos ministros que integravam sua comitiva, entre a tarde de domingo 23 e a manhã de segunda-feira 24. Acomodados na suíte presidencial do estrelado Hotel St. Regis, escolhido pela presidenta porque hospedaria poucos chefes de Estado, Dilma e os ministros do Desenvolvimento, Fernando Pimentel; das Relações Exteriores, Antônio Patriota; da Educação, Aloizio Mercadante; e das Cidades, Aguinaldo Ribeiro, pediram almoço no quarto para não interromper a reunião. 

 

O objetivo era encontrar o tom certo para demarcar o território brasileiro. “Os países emergentes perdem mercado devido à valorização artificial de suas moedas, o que agrava o quadro recessivo global”, defendeu na tribuna da ONU a presidenta. Dilma tem motivos para reclamar. Nos últimos anos, uma montanha de dinheiro foi despejada no mercado financeiro internacional e invadiu países como o Brasil, com taxas de juros mais elevadas. Desde 2009, foram US$ 9,7 trilhões colocados em circulação pelos bancos centrais dos Estados Unidos, da Zona do Euro, da Inglaterra e do Japão, no que foi batizado de tsunami monetário pela equipe econômica de Dilma. “A ortodoxia tirou um período sabático de cinco anos no mundo”, diz Octavio de Barros, diretor de pesquisas e estudos econômicos do Bradesco. 

 

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Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central: “O governo

está tendo uma recaída protecionista”

 

O último movimento foi o anúncio do Fed, o Banco Central americano, no dia 13, de que vai utilizar US$ 40 bilhões por mês para comprar títulos imobiliários por um tempo indeterminado, até garantir a reação da economia. O esforço do governo contra o excesso de liquidez esbarra na eficácia de medidas nacionais diante de um fenômeno que ultrapassa fronteiras. Já na semana anterior, em viagem a Londres, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, prometera fazer o que for possível para manter o dólar acima dos R$ 2,00. “Não deixaremos que haja uma perda de competitividade para a indústria brasileira”, afirmou. O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, salienta, no entanto, que ainda é cedo para se avaliar o impacto da nova rodada de afrouxamento monetário. 

 

Mas ele é claro sobre a disposição do governo para agir. “Defender o atual patamar de câmbio, que é minimamente razoável, me parece sensato”, diz Coutinho. De fato, nas últimas semanas, ficou cada vez mais evidente que a equipe econômica não pretende deixar o câmbio flutuar livremente, uma posição que levanta polêmicas no mercado. “Adotar uma banda cambial é criar dificuldade para a frente”, diz Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central. “O governo está tendo uma recaída protecionista.” Dilma, entretanto, dá de ombros aos críticos, principalmente quando o resto do mundo faz o que bem entende para defender o seu quintal. De volta ao Brasil, na quinta-feira 27, a primeira reunião da presidenta foi justamente com o ministro Mantega. 

 

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O governo está avaliando as medidas que podem ser adotadas para evitar que os dólares do Fed não acabem como capital especulativo no Brasil, valorizando o real (veja quadro abaixo). Mas, até agora, não houve consenso. “Elevar mais uma vez o IOF para segurar o câmbio seria um erro”, disse à DINHEIRO um importante integrante da equipe econômica. “Isso afasta o investidor estrangeiro, que não gosta de mudanças bruscas na regra do jogo.” Por enquanto, os recursos continuam entrando. Nas três primeiras semanas de setembro, a conta financeira, que não inclui o comércio exterior, teve um saldo positivo de US$ 2,54 bilhões, o maior valor desde janeiro. O principal receio da equipe econômica é perder competitividade nas exportações, diante de um eventual excesso de dólares. 

 

Dilma deixou claro que o Brasil vai continuar agindo. “A legítima defesa comercial está amparada pelas normas da Organização Mundial do Comércio”, afirmou. Trata-se de uma resposta ao representante de Comércio dos Estados Unidos, Ron Kirk, que na semana anterior enviara uma carta ao Itamaraty reclamando, em tom duro, da elevação da tarifa de importação de 100 produtos, no início do mês. O ministro Patriota, do Itamaray, considerou a reclamação “injustificável e inaceitável”. Analistas, porém, veem o bate boca mais como um jogo de cena, inevitável num período eleitoral. “Ambos querem mostrar que estão preocupados em proteger os empregos em seus países”, diz Peter Hakim, presidente do Diálogo Interamericano, de Washington, entidade que estuda as relações entre os Estados Unidos e os países do continente.

 

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Sorriso amarelo: Patriota (à esq.) e o americano Kirk trocaram farpas

por causa do protecionismo brasileiro

 

Na verdade, no quesito protecionismo, os dois países têm culpa no cartório. Um estudo da Global Trade Alert, organização independente britânica que monitora o comércio internacional, mostra que o Brasil está em sétimo lugar entre os países com mais medidas protecionistas em vigor, atrás dos Estados Unidos, que figuram em terceiro (veja quadro “Campeões do protecionismo”). Seja como for, o discurso presidencial mostra uma mudança em sua postura, num momento em que o País ganha outro status no mundo, avalia o cientista político Thiago de Aragão, da consultoria Arko Advice, de Brasília. “O Brasil sempre atacou o protecionismo de outros países, e agora tem que se defender”, afirma. 

 

Na vida real, porém, os números mostram que o comércio entre Brasil e Estados Unidos evolui, independentemente das bravatas diplomáticas. O fluxo comercial entre os dois países cresceu 15% entre janeiro e agosto deste ano. O déficit comercial de US$ 8,1 bilhões, registrado pelo Brasil no ano passado, por sua vez, deve ser reduzido à metade neste ano, com o aumento das exportações de petróleo. “Eles tinham de comprar petróleo de alguém e passaram a se abastecer do Brasil”, explica José Augusto de Castro, da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). “O problema é que 70% das exportações para lá são commodities.” Para resolver essa dificuldade, no entanto, é preciso bem mais do que um câmbio favorável. Marcar posição, ao menos, é um bom começo.

 

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