07/03/2014 - 21:00
O pânico no mercado financeiro internacional, na segunda-feira 3, foi apenas um aperitivo do impacto que um conflito militar na Crimeia, entre a Ucrânia e a Rússia, pode causar no mundo. As principais bolsas caíram – a da Rússia despencou quase 11% – e as moedas de países emergentes perderam valor ante o dólar. A Bovespa só escapou porque estava em recesso de Carnaval. O fantasma de uma nova guerra fria, em meio a fortes declarações de líderes russos e americanos, voltou a assombrar a economia global. Uma tensão fora de hora para a Europa, que ainda tenta sair do fundo do poço da crise.
Com menos de 45 milhões de habitantes e PIB per capita de apenas US$ 4 mil, a Ucrânia tem pouca importância no cenário econômico mundial. Porém, uma guerra no país pode interromper o fornecimento de gás para a Europa. Atualmente, um terço do gás consumido pelos europeus é fornecido pela Rússia. E metade desse gás chega à região pelos gasodutos instalados em território ucraniano. Um relatório da Agência Internacional de Energia, divulgado na terça-feira 4, afirma que não houve nenhuma interrupção no abastecimento. Outros mercados já foram afetados, pelo menos no preço. A Ucrânia é o terceiro maior exportador mundial de milho e o sexto maior fornecedor de trigo.
Na semana passada, o trigo chegou ao preço máximo em 17 meses, e o milho, à maior cotação desde setembro. Desde a independência da Ucrânia, no começo dos anos 1990, a Crimeia sempre teve a presença de uma base militar russa, que conta com a simpatia da população. Na semana passada, a tropa recebeu o reforço de 16 mil soldados, segundo o governo ucraniano. O presidente da Rússia, Vladimir Putin, no entanto, disse que a movimentação foi apenas um exercício militar já programado. Como resposta, União Europeia e Estados Unidos anunciaram apoio financeiro à Ucrânia, e sanções à Rússia.
O apoio veio na quarta-feira 5, quando o Tesouro americano anunciou um empréstimo de US$ 1 bilhão e a União Europeia, uma ajuda de US$ 15,3 bilhões – igual ao valor prometido pela Rússia, que se tornou o estopim das manifestações que derrubaram, no fim de fevereiro, o presidente Viktor Yanukovych. No dia seguinte, vieram as punições aos russos. O presidente Barack Obama assinou uma ordem prevendo o congelamento de bens e restrições de vistos americanos aos envolvidos nas ações militares contra a Ucrânia. E elogiou a disposição dos europeus em tomar medidas similares. “Estou satisfeito por nossa unidade internacional neste momento importante”, afirmou o líder americano.
Quem sente falta da Guerra Fria?: O presid. interino da Ucrânia, Oleksandr Turchynov (à esq.), o secretário
de Estado dos EUA, John Kerry, e o primeiro-ministro ucraniano, Arseniy Yatsenyuk,
se reuniram em Kiev, após as manifestações populares (foto acima)
Obama também disse que ia pedir ao Congresso o apoio à ajuda do FMI, que tem uma missão na Ucrânia para negociar os termos de um acordo. Virtualmente falida, a Ucrânia tem dívida de US$ 13 bilhões vencendo neste ano e mais US$ 16 bilhões em 2015. O presidente russo alertou para os riscos da asfixia econômica do país. “No mundo de hoje, onde tudo está interligado e todos dependem uns dos outros, podemos infligir danos uns aos outros, mas isso vai ser mutuamente prejudicial”, afirmou. Para o professor da Universidade de São Paulo Angelo de Oliveira Segrillo, as sanções financeiras dos americanos não vão longe.
Ele lembra que, no campo político, o país precisa da cooperação russa para resolver conflitos no Conselho de Segurança da ONU e para combater o terrorismo. “As sanções certamente serão mais comedidas que as palavras iniciais”, afirma Segrillo. Após o pânico na segunda-feira, os mercados se acalmaram ao longo da semana. Para o Brasil, os efeitos ainda não são claros. O aumento da cotação das commodities, até o momento, é favorável ao País na exportação de milho e ruim na importação de trigo.
Os embarques para a Ucrânia, para onde o Brasil exportou US$ 483 milhões em 2013, caíram 63% no primeiro bimestre. “É um mercado pequeno, para onde exportamos principalmente carnes”, diz Daniel Godinho, secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento. “Por enquanto, na média, o saldo tem sido positivo, com o aumento dos preços das commodities agrícolas”, diz o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil, José Augusto de Castro. Desde que o conflito não se concretize.
Colaboraram: Carolina Oms e Keila Cândido