29/04/2015 - 19:00
No mês passado, representantes da divisão de transportes da dinamarquesa Maersk ficaram confusos ao receber uma correspondência com orientações da Receita Federal. O setor de vigilância e controle aduaneiro informava que, a partir de 18 de março, a entrega de um termo ocorreria através de um sistema digitalizado. No parágrafo seguinte, porém, pedia para que a documentação também fosse entregue em uma via impressa à Alfândega no Porto de Santos, sob risco de multa. A exigência pode parecer um mero detalhe burocrático, daqueles com os quais brasileiros estão acostumados a lidar.
Para uma empresa de comércio exterior, no entanto, pode ser a diferença na disputa com exportadores pelo mundo. “Em muitos casos existe a duplicidade, e a correção pode vir a ser um problema”, diz Mario Veraldo, diretor comercial da Maersk Line. Em 2014, o Brasil teve a maior queda nas exportações, entre as 30 principais economias mundiais. A participação no comércio global recuou para 1,2%, segundo a Organização Mundial de Comércio (OMC). Como sétima economia do mundo, o País passou a ocupar a ainda mais distante posição de 25º colocado entre os fornecedores mundiais de bens, ante o 19º lugar no ano anterior.
Mais do que ajudar a justificar números do passado, ineficiências burocráticas como a sobreposição dos dados virtuais e físicos indicam como o Brasil ainda custará a se destacar no comércio internacional, a despeito do recente alívio no dólar. Nos últimos anos, o patamar valorizado do câmbio figurava como a queixa central dos exportadores, por tornar os produtos brasileiros mais caros lá fora. Mas a desvalorização do real trouxe um alento aos produtores nacionais e injetou otimismo no governo, que passou a enxergar nas vendas ao exterior uma esperança para o crescimento.
A solução para outro problema crônico, o da infraestrutura deficiente, também começa a caminhar, como demonstraram os esforços do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, para vender o plano de infraestrutra a investidores, em Nova York, na última semana. “Uma melhora da infraestrutura é uma ação do lado da oferta, melhora a eficiência da economia”, disse. Levy apresentou ao público oportunidades para aplicar em títulos que vão financiar os projetos, em alternativa ao BNDES. Enquanto os resultados em infraestrutura devem demorar a aperecer e o obstáculo da moeda sai de cena, a burocracia volta ao primeiro plano da Fazenda.
Em pesquisa realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), no início do ano passado, o tema era apontado como o segundo maior entrave às exportações, atrás do câmbio. Na época, o dólar ainda estava próximo de R$ 2. Cerca de 85% das empresas afirmavam enfrentar dificuldades para exportar. No item burocracia, o excesso de documentos exigidos, como no caso da Maersk, era a queixa principal. Em seguida, o tempo de avaliação dos papéis. Isso explica o inusitado pedido de alguns clientes da empresa dinamarquesa, para que, nas remessas a Angola, os navios passassem pela Europa, em vez de fazer a viagem diretamente, para garantir a liberação dos documentos pelas autoridades brasileiras a tempo.
Dados do Banco Mundial mostram que uma exportação a partir de um porto brasileiro demora, em média, 13 dias para ser concluída, ante os dez dias observados nos países-membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O custo é praticamente o dobro. Uma redução para oito dias poderia render um incremento de 1,2% ao PIB, segundo estudo da CNI. Na importação, a diferença é ainda maior, de pouco mais de sete dias. Mas a experiência diária dos operadores mostra a gravidade do problema. A Next Global, de comércio exterior, diz que, desde que a liberação de um frete internacional de logística migrou da Marinha Mercante, para a Receita Federal, em dezembro, a empresa chegou a aguardar quase um mês por um retorno do órgão, ante dois dias anteriormente.
O Portal Único de Comércio Exterior, lançado pelo governo há um ano, busca melhorar esse quadro, agilizando os processos, o que deveria elevar a posição do Brasil no ranking de ambiente de negócios do Banco Mundial, hoje em 120º lugar, de 189 países. As três fases do programa devem ser concluídas até 2017 e a expectativa é de uma redução de 40% no tempo gasto com a burocracia. Entre os operadores do comércio exterior, porém, a iniciativa ainda é vista com ressalvas. “Nosso temor é que eles remendem um sistema já existente e o deixem pior”, afirma Michelle Fernandes, diretora da Next Global.
Ao tentar usar uma das ferramentas, a chamada anexação, Michelle se deparou com falhas e foi orientada a seguir com o protocolo anterior, até que o sistema esteja 100% integrado. De acordo com a Receita Federal, a implantação ocorrerá até junho. Já para Hermeto Bermúdez, presidente da TITO, especializada em comércio exterior, a iniciativa do portal é positiva, mas esbarra nas dificuldades orçamentárias dos órgãos envolvidos no processo, tais como a Anvisa. Ana Junqueira, diretora do Departamento de Competitividade de Comércio Exterior da Secex, afirma que as alterações estão ocorrendo gradualmente e dentro do cronograma oficial.
“Estamos remodelando os fluxos, mas tem de haver um período de adaptação do público externo.” Desde o começo do ano, o governo também trabalha na elaboração de um plano de incentivo às exportações, cujo foco principal inclui a melhoria e simplificação dos processos. Há pouco espaço para incentivos fiscais, no momento em que o Executivo corta custos. As respostas precisam ser rápidas para reverter a inércia de deterioração no comércio exterior. Neste ano, importações e exportações já recuam 13,4%, tendência que deve perdurar pelos próximos anos, como indicou a avaliação recente da OMC.
Conta nova, déficit maior
Por Gabriel Baldocchi
O termo déficit gêmeos costuma ser usado por críticos como um sinal de fragilidade de uma economia. A teoria sugere uma relação de causalidade entre a deterioração fiscal e o déficit externo, mostrando como um país que não poupa pode se exceder ao usar recursos internacionais para bancar seus gastos internos. O conceito é controverso e alvo de longos debates entre os economistas, mas voltou a ocupar as análises sobre o desempenho do Brasil, à medida que as duas contas negativas se aprofundavam. Na quarta-feira 22, simpatizantes da teoria ganharam um argumento em sua defesa. Uma revisão na metodologia do Banco Central (BC) mostrou uma elevação no déficit nas transações do Brasil com o exterior, para US$ 101,6 bilhões, ou 4,45% do PIB, nos 12 meses encerrados em março, o primeiro mês a trazer o novo padrão.
O déficit externo ficou maior porque passou a incluir, por exemplo, lucros de multinacionais reinvestidos no País. Assim, o saldo negativo de 2014, aumentou em pouco mais de US$ 10 bilhões e chegou a 4,43% do PIB, acima dos 4%, considerados preocupantes pelos padrões internacionais. Por outro lado, a nova metodologia também elevou o valor contabilizado de investimentos estrangeiros no Brasil. A conta do ano passado passou de US$ 62,4 bilhões, para US$ 96,85 bilhões (3,97% do PIB). As mudanças foram propostas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), como uma adaptação à nova realidade global, que incorpora as estruturas mais complexas das multinacionais e uma interação maior entre os países, por exemplo.
O BC espera um ingresso de US$ 80 bilhões em investimentos diretos até dezembro, já no novo padrão. Para o déficit, a expectativa é de uma redução de quase US$ 20 bilhões neste ano, para 4,42% do PIB, graças ao avanço do dólar, que ajuda a frear os gastos dos brasileiros no exterior e melhora as perspectivas para a balança comercial. Essa tendência de redução do rombo externo, somada ao nível confortável de reservas internacionais, tornam a mudança de patamar nas contas externas uma questão apenas burocrática, sem trazer preocupações adicionais. Não afastam, porém, o alerta já feito por uma corrente de economistas de que o déficit se elevou além do desejável.