Dois momentos especiais ocorridos na manhã da segunda-feira 13 jamais desaparecerão da memória do economista francês Jean Tirole, 61 anos. O primeiro foi o comunicado da Real Academia Sueca de Ciências de que seu nome fora agraciado com o Prêmio Nobel de Economia de 2014. O segundo foi a alegria com que a sua mãe, de 90 anos, recebeu a boa nova. “Primeiro pedi para que ela se sentasse antes de contar a notícia”, disse o laureado. “Minha mãe era professora, e conhecimento é uma coisa muito importante para ela.”

Curiosamente, os dois episódios aconteceram por telefone, justamente um dos serviços públicos mais estudados por Tirole, que virou referência em regulação de mercados no mundo inteiro, inclusive no Brasil. “Muitas indústrias são dominadas por um pequeno número de grandes empresas ou apenas por um simples monopólio”, diz a Real Academia, em seu comunicado oficial. “Deixados sem regulação, esses mercados frequentemente produzem resultados sociais indesejáveis – preços mais altos do que o dos outros motivados por custos, ou empresas improdutivas que sobrevivem por bloquear a entrada de novas empresas mais produtivas.”

Em 1997, diante da iminente privatização do Sistema Telebras, foi criada a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a primeira agência reguladora do País. A partir daquele momento, o Estado deixava de ser o provedor do serviço e passava a ser o regulador. “Os trabalhos de Tirole em telecomunicações foram muito importantes para orientar a reforma que o Brasil fez no setor”, diz o economista e professor Gesner Oliveira, ex-presidente do Conselho Administrativo de Direito Econômico (Cade), órgão ligado ao Ministério da Justiça, responsável por julgar processos de fusões e aquisições.

“É impossível dar uma aula de regulação sem abordar os artigos dele.” Catorze anos depois do histórico leilão da Telebrás, o mercado brasileiro conta hoje com quatro grandes concorrentes em telefonia – Vivo, Claro, TIM e Oi, além de players menores. Nem por isso, salienta Gesner, é possível prescindir do órgão regulador na hora de garantir a competição, a qualidade e o preço dos serviços. Em 2012, por exemplo, a Anatel suspendeu a venda de chips de algumas operadoras devido ao mau serviço prestado. Diretor científico de economia industrial da Universidade de Toulouse (TSE), com Ph.D. no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, Tirole também tem dedicado uma atenção especial ao setor bancário.

Se por um lado, o excesso de regras pode inibir o avanço da indústria financeira, por outro, a falta de regulação pode desencadear graves crises como a iniciada em 2008, com a quebra do banco americano Lehman Brothers. “O problema é que os bancos sabem que serão socorridos em caso de crise e evitam tomar as custosas precauções necessárias para evitar o desastre”, disse à DINHEIRO o professor brasileiro Renato Gomes, 33 anos, colega de Tirole na TSE. “O trabalho de Tirole enfatiza a necessidade de se controlar o endividamento e a liquidez das instituições financeiras de modo a minimizar o ‘risco moral’ presente em economias de rede.”

Há ainda enormes contribuições do economista francês para a regulação de monopólios. Por definição, empresas que dominam um determinado mercado tendem a não investir em inovação e, consequentemente, geram produtos e serviços mais ineficientes e caros aos consumidores. Nesses casos, Tirole sugere que é preciso conciliar os objetivos dos investidores com os dos consumidores. “Embora o regulador sempre conheça menos sobre o custo do que a própria empresa, é possível criar um contrato que incentive o monopolista a dar boas contribuições para a sociedade”, diz Joisa Campanher Dutra, coordenadora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGV/CERI).

“A principal contribuição de Tirole é entender como é possível buscar os melhores resultados em ambientes em que poucas empresas atuam.” Outro aprendizado gerado pelas obras de Tirole é que não há uma maneira universal de regulamentar oligopólios. É preciso estudar caso a caso. “Ele está nessa área há 30 anos e deu muitas contribuições à teoria da regulação”, diz o ex-ministro da Fazenda Antonio Delfim Netto. Terceiro francês a ganhar o Nobel de Economia, o francês receberá da Academia Real Sueca de Ciências um cheque no valor de oito milhões de coroas suecas, o equivalente a R$ 2,4 milhões.

Parte desse dinheiro dificilmente será gasta em aparelhos de última geração. O professor brasileiro revela que seu colega francês tem uma relação nada amigável com computadores. “Ele tem uma assistente sexagenária que o acompanha há mais de 30 anos e que resolve todos os seus problemas com as máquinas”, diz Gomes. “Ele escreve tudo à mão, introduz suas inúmeras alterações numa letra incompreensível e envia a ela. É um modo de trabalho bem peculiar, mas que tem funcionado bem.”