Há no Brasil 256 milhões de assinantes de celulares. Isso perfaz mais de um aparelho por habitante, resultado do crescimento acelerado a partir da privatização do setor de telefonia que ganhou velocidade a partir de 2005. Só no ano passado, o número de novos clientes cresceu quase 20%, o melhor desempenho desde 2008. A explosão da telefonia móvel no mercado brasileiro, porém, não está sendo acompanhada da devida qualidade do serviço prestado. É fácil constatar isso. A telefonia celular é o setor campeão em reclamações nas Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procons) espalhadas pelo País, com mais de 78 mil queixas neste ano, até 30 de junho, de acordo com dados do Sistema Nacional de Informações e Defesa do Consumidor. 

 

127.jpg

 

 

Com tanta gente protestando, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), órgão que regulamenta o setor, decidiu agir. Na quarta-feira 18, ela proibiu Claro, Oi e TIM de vender novas linhas a partir da segunda-feira 23, em alguns Estados. A italiana TIM foi a mais afetada. Ela não poderá brigar por novos clientes em 18 Estados e o Distrito Federal. A Oi foi impedida de vender em cinco Estados. A Claro, do grupo mexicano América Móvil, em três, incluindo São Paulo, o maior mercado nacional. Juntas, elas têm aproximadamente 70% de participação na telefonia móvel brasileira. “Foi uma medida extrema, embora necessária para arrumar o setor”, afirmou o presidente da Anatel, João Batista de Rezende. 

 

A Vivo, líder do setor, não foi punida, pois não teve o pior índice de qualidade em nenhum Estado, de acordo com a Anatel. A empresa do grupo espanhol Telefônica, no entanto, é a segunda no ranking geral dos Procons (confira gráfico ao final da reportagem). As três operadoras têm prazo de 30 dias para apresentar um plano para solucionar os problemas, com cronograma de investimentos num volume que os técnicos considerem suficiente para melhorar a qualidade dos serviços. A venda de novos planos será liberada somente depois que a Anatel aprovar o plano de investimento, com avaliações mensais nos próximos dois anos. Se descumprirem a decisão da Anatel, as empresas serão multadas em R$ 200 mil por dia. 

 

Em comunicados enviados à imprensa, as empresas se disseram surpresas com a medida tomada pela Anatel. “Foi um episódio bem pensado”, afirmou Paulo Bernardo, ministro das Comunicações. “Foram feitos vários contatos com as empresas e elas foram avisadas de que haveria medidas.” Na avaliação da agência reguladora, a origem do problema está na venda de planos acima da capacidade da rede. Para atrair clientes, algumas operadoras comercializam pacotes com chamadas a preço promocional e uso ilimitado da internet, o que acaba mantendo o usuário conectado por um longo período e ocupando a rede. “Não somos contrários a uma estratégia agressiva de mercado”, afirmou Rezende.

 

“Mas é importante que o aumento de clientes seja acompanhado do crescimento da capacidade da rede.” Claro, Oi e TIM não perderam tempo e procuraram a Anatel antes mesmo da restrição entrar em vigor. A Claro foi a primeira a se reunir, na quinta-feira 19, com técnicos da agência.“Quero pedir desculpas aos nossos clientes”, disse Carlos Zenteno, presidente da Claro, ao deixar a sede da Anatel, em Brasília. “Estamos trabalhando para entregar as informações exigidas pela Anatel e voltarmos à normalidade em menos de 30 dias.” O plano entregue pela operadora foi considerado “um esboço” pelos técnicos da Anatel e uma nova reunião sobre o assunto foi marcada. No mesmo dia, a TIM também se encontrou com os funcionários do órgão, mas não apresentou seu plano de investimento. 

 

129.jpg

 

 

No início da noite, a TIM comunicou que entrará com mandado de segurança na Justiça Federal para tentar reverter a decisão. “A suspensão das vendas foi baseada em dados e indicadores diferentes daqueles usualmente estabelecidos pela própria Anatel para acompanhar o desempenho da rede”, justificou a companhia, em seu comunicado. A Oi, por sua vez, também já se encontrou com os técnicos da agência reguladora. O movimento da Anatel pode ser considerado surpreendente. Mas não é a primeira vez que a agência toma medidas duras para melhorar a qualidade dos serviços de telecomunicações prestados aos consumidores. Em junho de 2009, o órgão regulador suspendeu a comercialização do serviço de banda larga Speedy, da Telefônica, depois de seguidas panes. 

 

Na época, o Speedy ficou mais de dois meses paralisado. O serviço voltou a ser vendido após diversas reuniões entre a Anatel e a operadora. E melhorou. A ação da agência reguladora sinaliza também que o governo resolveu agir de forma mais incisiva contra os serviços que aparecem no topo das listas de queixas dos consumidores. Primeiro foram os bancos, que sofreram pressão da presidenta Dilma Rousseff para derrubar as altas de taxas de juros do crédito no País. No começo de julho, foi a vez da Agência Nacional de Saúde proibir a venda de 268 planos de saúde de 37 operadoras em virtude das constantes reclamações e do não cumprimento dos prazos máximos de atendimento aos seus beneficiários. 

 

“É preciso que os usuários desses serviços conheçam profundamente seus direitos”, afirma a advogada Melissa Areal Pires, especialista em direito do consumidor. “Ainda que haja demora, as decisões dos órgãos reguladores costumam ser favoráveis aos clientes.” Há muito que ser feito para melhorar a qualidade dos serviços prestados no Brasil. Mas não se pode atribuir todo o trabalho exclusivamente às empresas.No caso específico das operadoras de celulares, elas enfrentam problemas para instalar suas antenas, pois há aproximadamente 250 leis municipais que restringem a implantação de torres de telefonia móvel. 

 

Essas leis, segundo o ministro das Comunicações, representam uma barreira à melhoria da qualidade da telefonia celular. O Ministério está elaborando um anteprojeto de lei que pretende enviar ao Congresso ainda este ano. A Anatel também tem responsabilidade direta na melhoria da qualidade dos serviços, segundo a analista-sênior da consultoria de telecomunicações Informa Telecom Marceli Passoni. “Hoje, as operadoras têm uma limitação de espectro definida pela própria agência”, diz ela. “E isso é essencial para garantir serviços de qualidade.” O espectro é como uma avenida: se não for largo o suficiente, ficará congestionado. 

 

128.jpg