Braçadas em águas revoltas não é uma novidade para o empresário carioca Cícero Tortelli. Afinal, ele foi nadador da equipe brasileira na Olimpíada de Seul, em 1988, representando o Brasil nas competições de 100 e 200 metros nado peito. Mais tarde, quando abriu sua empresa, a Paggo, precisou continuar se esforçando para permanecer à tona e enfrentar o turbulento mar dos negócios, ao implantar o sistema de pagamento de contas via celular da operadora de telefonia Oi, conhecido como Oi Paggo. Agora, seu desafio é atravessar, literalmente, todo um oceano. O Atlântico, para ser mais preciso. Tortelli está desembarcando os negócios da Freeddom – novo nome da companhia, após a marca Paggo ter sido comprada pela Oi – nas costas da Nigéria, vista por ele como o lugar certo para expandir as operações da empresa naquilo que o mercado chama de mobile banking.

38.jpg

Cícero Tortello, sócio da Freeddom: ”É uma oportunidade

porque o custo de circulação do dinheiro é altíssimo por lá”. 

 

E por que a Nigéria? A explicação está ligada à falta de infraestrutura do país africano. De um lado, o mercado nigeriano possui uma rede bancária mínima, insuficiente para atender sua população de 170 milhões de pessoas, a maior do continente negro. O acesso à internet também é precário na maior parte do país. Na outra ponta, a Nigéria, com 90 milhões de aparelhos, é o décimo mercado de celulares do mundo. Assim, a telefonia aparece como uma resposta natural às dificuldades locais. “É uma oportunidade porque o custo da circulação do dinheiro é altíssimo por lá”, diz Tortelli. “Alguns bancos precisam mandar o tempo todo carros-fortes às cidades do interior, que têm um acesso extremamente difícil.” 

 

A intenção do Banco Central nigeriano, ao abrir as portas para o mobile banking, é criar uma economia baseada na circulação virtual de dinheiro. Isso significa dar as condições para que um trabalhador possa pagar contas e receber salários e créditos através do celular. O comércio que recebe os créditos também utilizaria a telefonia móvel para pagar seus fornecedores. Após ter participado de um projeto-piloto implantado pela autoridade monetária nigeriana, em 2011, a Freeddom começa a exploração comercial do seu sistema em maio, em parceria com o Union Bank of Africa (UBA), um dos maiores do continente. Uma das preocupações da empresa foi fazer com que o produto – que recebeu o nome de U-Mo – funcionasse tanto em celulares antigos como em plataformas mais recentes, rodando todo tipo de sistema operacional, inclusive Android e BlackBerry. 

 

Para fazer frente à concorrência vinda da operadora sul-africana MTN – uma gigante com faturamento anual superior a US$ 17 bilhões –, a arma é a portabilidade. “O produto da MTN só funciona para seus clientes”, diz Tortelli. “O nosso pode ser acessado por intermédio de qualquer uma das quatro operadoras locais.” O objetivo do empresário é chegar ao final do ano com um milhão de clientes, mas o limite é bem superior: no total, o mercado nigeriano é estimado em 30 milhões de clientes. Segundo Tortelli, a atenção dada ao Exterior não significa que a empresa deixará de prestar atenção ao mercado brasileiro. Afinal, potencial é o que não falta por aqui: uma pesquisa da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), divulgada na semana passada, mostrou que o uso do mobile banking no Brasil cresceu 50% no ano passado. 

 

Se mantiver o mesmo ritmo, em no máximo sete anos o seu uso chegará aos mesmos patamares do internet banking. Hoje, já são cerca de três milhões de usuários brasileiros do sistema. Entre os projetos em desenvolvimento está um sistema de compra de recarga para celulares pré-pagos via cartão de crédito, tendo como cliente uma grande operadora de telefonia brasileira. Há também a intenção de conversar com varejistas que possuem cartões de crédito com marcas próprias. O empresário vai além. Para ele, o modelo de acesso bancário móvel potencializaria projetos como o Bolsa Família. “Existem lugares no Nordeste que possuem uma situação similar à da África: a pessoa precisa andar muito para chegar à agência e retirar o dinheiro”, diz. “O sistema poderia oferecer muito mais comodidade a essa população.”

 

39.jpg