Pensar na marca Motorola sem associá-la a celulares é algo improvável até mesmo para quem tem menos de 30 anos. Criadora dos telefones móveis, a empresa americana, fundada em 1929, em Chicago, dominou esse mercado por quase uma década, nos anos 1990. Seus aparelhos inovadores, como o Startac, primeiro celular do modelo flip e o menor do mundo quando foi lançado, em 1996, eram o objeto de desejo de milhões de consumidores ao redor do planeta. Foi graças à telefonia móvel, por sinal, que a companhia se tornou uma gigante do setor, com um faturamento superior a US$ 35 bilhões.

No entanto, a concorrência de competidores poderosos, como a finlandesa Nokia, primeiro, e o surgimento dos smartphones, a partir de 2007, como o iPhone, da Apple, depois, fizeram a fabricante, que sempre apostou na miniaturização dos telefones, perder o encanto. Em 2011, após alguns anos de prejuízo, seus acionistas resolveram dividi-la em duas. Por um lado, nasceu a Motorola Mobility, que concentrava os produtos de consumo, como celulares, logo vendida para o Google, por US$ 12 bilhões, que a repassou em janeiro deste ano para a chinesa Lenovo, por US$ 3 bilhões.

Da outra costela surgiu a Motorola Solutions, responsável pelo negócio mais antigo da fabricante: os rádios de comunicação. Esse foi o início de um processo cuja conclusão, neste ano, levará a Motorola de volta às suas origens. O último resquício da era moderna da companhia foi eliminado em abril, com a venda da área de scanners de código de barras, negócio que fazia parte da Motorola Solutions, para a também americana Zebra, por US$ 3,5 bilhões. Nas mãos da Motorola original, resta apenas o segmento de rádios, chamado de comunicações de missão crítica, justamente o início de tudo.

“Essa área sempre foi lucrativa”, afirma Mike DeVente, que assumiu a vice-presidência da Motorola na América Latina, na semana passada. O desmanche transformou a antiga rainha dos celulares minúsculos em uma fração do que já foi. Os US$ 35 bilhões de receita anual obtidos antes da divisão caíram para os US$ 6 bilhões faturados pela Motorola Solutions. A sensação de fracasso, no entanto, passa longe dos atuais funcionários da companhia. Na verdade, eles se consideram vencedores. “Temos muito orgulho do nosso trabalho”, afirma DeVente, que está há 17 anos na Motorola.

“Sei que essa área não é tão ‘sexy’ quanto a de celulares, mas há muita gente que dedicou uma vida inteira a ela e estamos muito felizes por voltarmos a ser o foco principal.” O motivo de comemoração, porém, está mesmo na última coluna do balanço: as vendas encolheram, mas a rentabilidade voltou ao azul. No ano passado, a Motorola lucrou US$ 1 bilhão. Apesar de não ser tão “sexy” quanto os smartphones, os atuais rádios da Motorola estão longe de serem entediantes. Eles são voltados para operações em que a comunicação não pode falhar. Caso, por exemplo, dos rádios usados pelas polícias.

A empresa fornece equipamentos para diversos corpos de segurança no Brasil, como as polícias Militar e Civil e o Exército. Além da comunicação instantânea, os rádios incluem recursos sofisticados. Um dos modelos é capaz de identificar o tipo de arma apenas pelo som do tiro disparado. “Essas inovações vão fazer a diferença no mercado”, afirma Paulo Cunha, presidente da Motorola Solutions no Brasil. “Assim como no mercado de consumo, a cultura dos aplicativos está se espalhando pela área de comunicações de missão crítica.”

Neste ano, a fabricante deve investir cerca de US$ 1 bilhão em pesquisa e desenvolvimento. O otimismo da sua direção, no entanto, não foi suficiente para impedir o mau resultado obtido no primeiro trimestre deste ano. A receita no período, de US$ 1,8 bilhão, foi 9% menor do que no mesmo trimestre do ano passado. O lucro líquido caiu de US$ 192 milhões para US$ 127 milhões. Segundo analistas, um dos principais problemas da empresa está na forte dependência dos contratos com governos.

A perda de algumas licitações recentes a levou a um resultado considerado abaixo das expectativas. No Brasil, além do governo, a Motorola Solutions busca conquistar o mercado de petróleo. Um dos maiores desafios da Petrobras para a exploração do pré-sal é fazer a comunicação com as plataformas. A empresa americana já trabalha no desenvolvimento de soluções. “O problema é que as plataformas não ficam paradas”, diz Cunha. E é com essas ondas, do mar e do rádio, que a Motorola espera recuperar o prestígio de antigamente.