Em todo o mundo, os suíços são famosos pela precisão de seus relógios. Já o Brasil é conhecido pela pouca importância que dá à pontualidade. Pois o encontro dos dois clichês deu origem, na semana passada, a um troca-troca de acusações entre o economista suíço Joseph Blatter, presidente da Fifa, e o governo brasileiro em torno da Copa do Mundo. “Começaram tarde demais”, disse Blatter em entrevista ao jornal suíço 24 Heures, no dia 5. “É o país mais atrasado desde que estou na Fifa”, afirmou, lembrando que o Brasil foi escolhido para sediar o evento há sete anos. 

 

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Linha interrompida: as obras do aeroporto JK, de Brasília, serão concluídas apenas em maio,

mas o VLT que o ligaria à Asa Sul do Plano Piloto teve sua construção suspensa

 

A resposta do governo veio no dia seguinte, pelo Twitter da presidenta Dilma Rousseff: “Os brasileiros começam 2014 confiantes de que irão sediar a Copa das Copas.” Sem mencionar o supercartola, ela disse que os torcedores do mundo serão bem recebidos e destacou a procura recorde por ingressos. Na verdade, a relação entre Dilma e Blatter nunca foi boa e se limitou a poucos encontros. Mas, bravatas à parte, o fato é que o Brasil corre contra o tempo. A situação realmente é mais preocupante do que a registrada na África do Sul, quando também faltavam cinco meses para a bola rolar.

 

Há exemplos de obras fora do cronograma em todas as cidades-sedes (leia quadro ao final da reportagem). O palco da abertura, a Arena Corinthians, o Itaquerão, em São Paulo, será entregue somente no dia 15 de abril, menos de dois meses antes do jogo inicial. A construção do estádio paulistano, a cargo da empreiteira baiana Odebrecht, foi prejudicada por causa de um acidente em novembro, quando a quebra de um guindaste danificou uma parte da cobertura e provocou a morte de dois operários. Outros quatro estádios serão inaugurados somente em fevereiro e um deles no fim de janeiro. 

 

Entre os aeroportos, há oito com obras atrasadas. Os únicos que seguem em ritmo acelerado são os três concedidos ao setor privado – Guarulhos, Viracopos, em Campinas, e Brasília. Mas muitas das vias de acesso aos aeroportos, a cargo dos governos municipais ou estaduais, estão atrasadas e podem não ficar prontas a tempo. Em Natal, por exemplo, o estádio já foi inaugurado, mas o aeroporto de São Gonçalo do Amarante, a 30 km da capital do Rio Grande do Norte, só está previsto para 15 de abril. E uma das estradas de acesso ao aeroporto só será concluída no fim de maio. Apesar de preocupante, não adianta, a essa altura, apenas reclamar. 

 

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Joseph Blatter, presidente da Fifa: “É o país

mais atrasado desde que estou na Fifa”

 

Diante da reação do governo brasileiro, Blatter recuou nas críticas e disse que tem certeza de que o País terá tudo pronto a tempo dos jogos. O governo brasileiro também baixou o tom. “O que temos no Brasil é o esforço de preparar não apenas a organização da Copa, mas a acolhida de turistas, jornalistas e atletas, e vamos fazer isso da melhor maneira possível”, disse o ministro do Esporte, Aldo Rebelo. É hora de arregaçar as mangas, terminar as obras e mostrar ao mundo que o Brasil é capaz de fazer bonito não apenas dentro de campo. Além da discussão sobre os atrasos, não há consenso entre os especialistas sobre o legado que o evento esportivo deixará na infraestrutura das cidades-sedes. 

 

“A Copa não criou necessidades de mobilidade urbana, mas ajudou a torná-las prioridade”, diz o engenheiro João Alberto Viol, vice-presidente do Sindicato da Arquitetura e da Engenharia (Sinaenco). Mas muitas obras prometidas na primeira matriz de responsabilidades, elaborada em janeiro de 2010, acabaram ficando no meio do caminho por problemas na Justiça, falta de financiamento ou mesmo pela admissão de que não ficariam prontas a tempo do Mundial. Levantamento do Sinaenco, que criou um portal na internet para monitorar todas as ações preparatórias para o evento, mostra que, das 101 obras previstas na última matriz de responsabilidades, com um investimento total de R$ 25,5 bilhões, apenas 21 já estão concluídas. 

 

Duas nem sequer começaram. As demais têm estágios variados de execução, mas não é impossível imaginar que algumas não ficarão prontas a tempo de receber os 600 mil turistas estrangeiros que devem chegar ao Brasil entre junho e julho. Na avaliação de Paulo Fleury, diretor do Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos), com exceção dos estádios, pouco vai ficar para o País depois do Mundial. “O legado será quase nenhum, poucas obras de mobilidade estão sendo feitas”, diz Fleury. O economista Fernando Blumenschein, coordenador da FGV Projetos e coautor de um estudo que mostra que a Copa criaria uma demanda adicional de R$ 142,4 bilhões na economia brasileira no período entre 2010 e 2014, com a geração de 3,63 milhões de empregos, tem opinião diferente. 

 

“Existe um legado intangível, que inclui a curva de aprendizado com a organização de um evento desse porte, que será usado no futuro”, diz Blumenschein. O turismo é um dos setores que podem ser beneficiados no médio prazo. Além dos 3,3 milhões de torcedores que assistirão aos 64 jogos ao vivo, o público-alvo, em termos de imagem, é bem maior. Ele está principalmente fora do Brasil. São mais de 30 bilhões de telespectadores previstos (considerando a soma de todos os jogos) que estarão de olho na telinha, conhecendo o Brasil através das imagens que viajarão pelo mundo. “É um evento para a televisão, e é para esse público enorme que estamos vendendo nossa imagem”, diz Viol, do Sinaenco. É a oportunidade de o Brasil deixar de ser apenas o País do futebol. Isso, é claro, se conseguir virar o jogo, driblar o pessimismo e atender aos anseios da torcida.

 

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