É possível imaginar que as sufocantes taxas de juros sejam, gradualmente, amenizadas com as medidas já tomadas pelo governo. E que, com isso, se consiga desafogar a produção e preparar o ambiente para que o Brasil siga em crescimento sustentável. Mas uma das grandes lições dos últimos tempos foi a de não subestimar a severidade dos problemas econômicos. Eles vão bem além do setor de crédito e do que os agentes de mercado imaginam. E contra riscos de longo prazo nada mais eficaz do que um plano estrutural, prevendo ações que desatem nós históricos como a sanha fiscal, o atraso na educação, o apetite por gastos do setor público, as disparidades regionais, para ficar nas questões mais de fundo. 

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Temer e a conciliação: diferença entre o Brasil real e o das regras constitucionais.

 

O principal acontecimento do 11º Fórum de Comandatuba – a cúpula de empresários e políticos que reuniu neste ano 320 Ceos ao lado do vice-presidente Michel Temer, de quatro ministros de Estado, seis governadores, além de prefeitos, senadores e deputados – foi o de conceber uma agenda de propostas, com um amplo leque de medidas, que, caso levada adiante pelas autoridades, poderá, de fato, criar uma plataforma sólida para a decolagem do País. Batizada de “Agenda para o Avanço Acelerado”, o trabalho idealizado pelo Grupo de Líderes Empresariais-LIDE , que conta com mais de 830 companhias privadas, defende, em resumo, uma desoneração tributária anual da ordem de R$ 7,2 bilhões ampliando, por exemplo, o leque de setores beneficiados pela redução de impostos na folha de pagamentos. 

 

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Rabello sobre os juros: “A união faz agiotagem com Estados e municípios e é agiotada pelo mercado”.

 

Além dos quatro já contemplados no programa Brasil Maior – confecções, couro e calçados, tecnologia de informação e call center – mais 11 ramos de atividades seriam incorporados ao programa, de têxtil a autopeças. A lógica por trás dessa concessão remonta equívocos históricos. Na última década, a carga fiscal brasileira elevou-se em sete pontos percentuais. Foi de 29% para 36% do PIB. Pelos cálculos do economista Paulo Rabello de Castro, que coordenou o trabalho do LIDE, a cada ponto percentual da montanha de tributos perdeu-se meio ponto de alta do PIB. Com isso, foram pelo ralo ao menos 3,5% do valor desse Produto Interno Bruto. “Jogamos fora um ano inteiro de trabalho de todos os brasileiros em termos do crescimento que deixamos de ter”, diz Rabello.

 

Várias soluções são sugeridas no estudo – que deverá ser entregue ao governo nos próximos dias – para corrigir as distorções. “Temos plena consciência do potencial de crescimento do Brasil e a carga tributária é a maior vilã a atrapalhar o desempenho da produção nacional”, afirma João Doria Jr., presidente do LIDE e organizador do Fórum. A reestruturação do sistema de impostos seria, decerto, a ponta-de-lança de um ideário de mudanças bem mais complexo. O estudo do LIDE estabelece cinco linhas mestras para aumentar a competitividade da indústria brasileira: para além da eficiência fiscal estariam inclusas a socialização da riqueza, o combate aos juros altos e o tripé educação, inovação e sustentabilidade. 

 

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Mercadante e Doria: atrasos na educação e carga tributária como grandes vilões a atrapalhar

o potencial de crescimento do Brasil.

 

Ao menos no que trata da taxa de juros, a sintonia entre o arcabouço de prioridades do LIDE e do governo é absoluta. No dia seguinte ao seminário de Comandatuba, a presidenta Dilma voltou a martelar críticas, em rede nacional, contra a atuação dos bancos nessa área (leia matéria aqui). Disse ser inadmissível o nível das taxas cobradas e acusou as instituições financeiras de seguirem uma “lógica perversa”. Algo bem parecido com o que afirmou Rabello no seminário da ilha, quando foi aplaudido pela plateia de empresários ao se referir às taxas como “juros de agiotagem”. O vice-presidente Michel Temer, num discurso que soou como conciliador, falou das diferenças entre o Brasil real e o Brasil das regras constitucionais. 

 

E afirmou que, aos poucos, esses dois polos estão se aproximando. “Já passamos da fase de discutir o país que temos, e estamos tratando agora, do País que queremos.” O abismo no caso é mais sentido no campo da educação. O ministro da pasta, Aloizio Mercadante, esteve no Fórum para apresentar um panorama geral das deficiências e avanços na área e aproveitou para defender um aumento sustentável do salário do professor. “Se não investirmos em educação, inovação e tecnologia, seremos sempre exportadores de commodities.” O consenso obtido no Fórum é de que esse conjunto de carências só será superado com uma aliança firme de compromissos entre o setor público e o setor privado em torno de uma agenda comum. A elaborada pelo LIDE é um bom ponto de partida.