O empresário que decide abrir o capital do negócio que fundou e fez prosperar à custa de muito esforço sabe que, em troca do dinheiro que vai receber, terá de abrir mão de autonomia e poder de decisão. No entanto, pergunte a Bernardo Gomes, da Sênior Solution, e a Ricardo Pansa, da Nutriplant, se estão insatisfeitos por terem listado suas empresas no Bovespa Mais, o mercado de acesso da bolsa, segmento de negociação dedicado a empresas de menor capitalização. A resposta será um unânime e enfático “não”.

Tanto para a Sênior Solution, especializada no desenvolvimento e operação de programas de computador para instituições financeiras, quanto para a Nutriplant, que produz fertilizantes especiais, a abertura de capital representou a diferença entre crescer e ficar para trás. “Listar a empresa na Bolsa significa ter de dar explicações para auditores e investidores e ter de preencher muitos formulários, e repetir esses procedimentos todos os trimestres”, diz o engenheiro elétrico paulista Gomes.

“Vender ações é compartilhar o poder”, reforça o administrador de empresas paulista Pansa. Mas ambos dizem considerar que as vantagens do processo superam largamente as desvantagens. Daqui para frente, incentivos fiscais e uma bem-vinda participação do BNDES deverão ampliar o número de participantes desse mercado. Criado em 2005, o Bovespa Mais surgiu como um mercado de acesso, dedicado a dois tipos de empresas. Um grupo era formado por companhias em estágios iniciais de crescimento, que não tinham musculatura para disputar recursos com as blue chips, mas que poderiam interessar a investidores com apetite por risco e paciência para aguardar a maturação do empreendimento.

Outro grupo era o das empresas maiores, mas ainda sem a necessária maturidade e governança para abrir capital. No mercado de acesso há a possibilidade de a empresa listar-se na bolsa sem ter de vender ações. Esse “ensaio” permite aparar arestas e aprimorar controles e fluxos de informação sem mexer na propriedade. “O Bovespa Mais dá tempo de o fundador se acostumar com a ideia de dividir o poder”, diz Gomes. Brilhante na teoria, o Bovespa Mais foi atropelado pelos fatos.

Logo após seu lançamento, o apetite dos investidores era tão voraz que as empresas em estágios iniciais não tinham de passar pelo mercado de acesso, e podiam desembarcar diretamente ao pregão. Com a crise financeira de 2008, o mercado se fechou e continua apertado em 2014. Ao divulgar os resultados da Bolsa no segundo semestre, Edemir Pinto, CEO da BM&FBovespa, disse não esperar nenhuma abertura de capital até o fim do ano. Mesmo assim, o principal entrave que limita a sete os nomes listados nesse segmento, a falta de capital, deverá ser superado em breve.

Os investidores já ganharam um incentivo fiscal: quem comprar papéis de empresas listadas no mercado de acesso estará isento do imposto sobre ganhos de capital ao revendê-los. Além disso, os candidatos a tocar o sino no pregão da Bolsa vão poder contar com um dinheirinho garantido. Nos próximos dias, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) deverá anunciar o gestor de um fundo multissetorial de R$ 250 milhões dedicado a empresas listadas no mercado de acesso. O BNDES deverá cacifar 30% desse capital no fundo e também comprará ações dessas empresas para sua carteira.

Segundo Luiz Souto, responsável pela área de Capital Empreendedor do banco, pelo menos duas companhias deverão debutar no pregão da bolsa no ano que vem. “As companhias já estão preparadas em termos de maturação do negócio e governança corporativa, mas as condições adversas do mercado nos fizeram adiar os lançamentos”, disse Souto à agência Reuters, na quarta-feira 16. Essa notícia poderá representar mais recursos para a Sênior, que divulgou, na quarta-feira 16, um faturamento de R$ 17,7 milhões no segundo trimestre de 2014, crescimento de 51,8% em relação ao mesmo período de 2013.

Criada em 2004, a companhia nasceu de um projeto desenvolvido por Gomes, que trabalhava no departamento de informática do banco inglês Lloyds, pioneiro na migração dos mainframes, para as chamadas plataformas baixas, nas quais os sistemas do banco rodavam em redes de servidores, processo que ampliou a flexibilidade dos sistemas e permitiu ganhos de eficiência para os bancos. Quando o Lloyds foi vendido para o HSBC, em 2003, Gomes viu-se sem emprego e com um bom produto nas mãos. “Repetimos esse processo no JP Morgan e no ABN Amro, e depois os bancos brasileiros começaram a telefonar”, diz ele.

Uma década e 200 funcionários depois, a Sênior conta com 198 clientes entre bancos, seguradoras, fundos de pensão e administradoras de recursos em sua carteira. Mas cuidar dos bits e bytes não é seu único negócio. “Há alguns anos adquirimos uma consultoria especializada em criar bancos”, diz ele. “Nada mais natural que ela cuidasse da nossa própria abertura de capital.” O processo, iniciado em 2012, e que lançaria as ações no mercado em março de 2013, custou R$ 300 mil.

“Recebi tantos telefonemas de empresários conhecidos do setor de tecnologia perguntando como eu tinha feito o lançamento que resolvi ganhar dinheiro prestando esse serviço para eles”, diz Gomes. A área de consultoria da Sênior já estruturou duas aberturas no Bovespa Mais, a da Altus Automação e a da Quality Software, e, segundo Gomes, há outras duas prontas, esperando só o mercado melhorar. Interessados não deverão faltar. Para Pansa, esse mercado só tende a aumentar, tanto pelo avanço da poupança privada quanto pelo amadurecimento dos investidores e das empresas. “O estoque de capital que os investidores vão dedicar a isso deverá crescer mais do que a poupança”, diz. “Daí, teremos uma demanda muito grande por essas ações.”