13/01/2017 - 20:00
Quem visitou o estande da americana Intel no início de janeiro na CES 2017, a maior feira de tecnologia dos Estados Unidos, se surpreendeu ao encontrar no local um carro da montadora alemã BMW. O que um veículo estaria fazendo estacionado no espaço reservado para uma das mais icônicas fabricantes de chips do mundo? A resposta é fácil. A Intel vai pisar fundo no acelerador para ganhar terreno no mercado automobilístico global, apostando no desenvolvimento de tecnologia para carros autônomos.
O plano da companhia não é fabricar um automóvel, como estaria fazendo a Apple, e muito menos concorrer com Tesla, que atua com carros elétricos, com GM, com Ford e outros gigantes da área. A estratégia é mais simples. À medida que os serviços digitais invadem os carros, a Intel enxerga possibilidade de ajudar a desenvolver sistemas de navegação e, claro, vender chips, sua especialidade. Por essa razão, investirá
US$ 250 milhões nessa área. “É uma oportunidade gigantesca que está se abrindo, baseada em ‘coisas’ que estarão conectadas, transmitindo e gerando dados”, diz Mauricio Ruiz, diretor geral da Intel no Brasil.
Ao contrário do que aconteceu com smartphones e tablets, a Intel está correndo para não perder o bonde dos carros autônomos, que devem criar um mercado de US$ 42 bilhões para empresas de tecnologia em 2025, segundo estimativas da consultoria Boston Consulting Group. Em julho do ano passado, a companhia firmou parceria com a BMW e a Mobileye, que atua em inteligência artificial. Por meio do acordo, a montadora alemã pretende lançar, em 2021, o BMW iNEXT, seu primeiro veículo completamente autônomo. Durante a CES 2017, as três empresas anunciaram que serão realizados testes com a tecnologia.
No segundo semestre deste ano, 40 veículos da marca começarão a rodar nas ruas da Europa e dos Estados Unidos, para aprofundar o desenvolvimento do sistema autônomo. “O sistema, do carro à nuvem, funcionará com um comportamento consistente e previsível e terá o mais alto nível de segurança”, afirmou Brian Krzanich, CEO da Intel. Durante a feira, a companhia lançou também o Intel GO, um kit contendo as principais tecnologias para adaptar os veículos da forma como conhecemos para se transformarem em máquinas autônomas. Ruiz explica que a empresa vai oferecer esse kit para outras montadoras, que estejam interessadas em usar a tecnologia.
“As montadoras serão os principais consumidores de processadores no futuro”, afirma Ruiz. “O carro autônomo será, na verdade, um data center sobre rodas.” Só no veículo autônomo, diz o executivo da Intel, são usados 28 processadores altamente avançados, que são utilizados apenas em grandes servidores. Ainda em janeiro, a Intel anunciou a compra de 15% de participação na empresa alemã Here, que elabora mapas digitais de alta precisão. São também sócias da companhia empresas como Audi, BMW e Daimler. Hoje os mapas têm precisão de metros, mas no futuro deverão ter definição de milímetros, pois serão parte importante do sistema de navegação.
“Seria razoável esperar que a Intel evoluísse o seu negócio para continuar crescendo nos próximos anos, com carros autônomos e inteligência artificial”, afirma Alan Priestley, diretor de pesquisas da consultoria Gartner. Esse esforço da Intel é fácil de ser entendido. A companhia brilhou nos anos 1990 com o seus chips para computadores pessoais. Formou, naquela época, uma parceria bem-sucedida com a Microsoft, denominada de Wintel – uma referência ao sistema operacional Windows e ao nome da companhia cuja sede fica em Santa Clara, na Califórnia.
Mas perdeu o onda da mobilidade e não se consolidou como uma fornecedora de chips para smartphones e tablets. Ao mesmo tempo, observou o mercado de PCs, seu ganha-pão, entrar em crise. De acordo com o Gartner, a venda de PCs no mundo cairá 11,5% em 2016 para 216 milhões de unidades. Até 2018, o mercado reduzirá ainda mais, para vendas de 199 milhões de aparelhos. “Não vemos uma retomada”, diz Reinaldo Sakis, analista da consultoria IDC Brasil, especializada em tecnologia. Mesmo assim, a Intel manteve-se como uma companhia lucrativa. Nos nove primeiros meses de 2016, o seu lucro foi de US$ 6,7 bilhões, uma queda de 13,5%, comparado ao mesmo período do ano anterior.
No terceiro trimestre, dado mais recente, o volume de produtos para notebooks e desktops caiu 4% e 6%, respectivamente. A boa notícia é que a sua área de Internet das Coisas (IoT), que inclui a de carros autônomos e outras apostas da Intel (confira nota ao final da reporagem), faturou US$ 689 milhões, alta de 5%. “A empresa reduziu, gradualmente, a sua dependência do mercado de PCs tradicionais”, diz Mark Hung, vice-presidente de pesquisas do Gartner. Em 1997, o ex-presidente da Intel, Andrew Grove, morto em 2016, escreveu o livro “Só os paranoicos sobrevivem”, que aborda mudanças abruptas de mercados e como se preparar para elas de forma obsessiva. A Intel, ao que tudo indica, parece ouviu seu guru.
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Quatro apostas
A Intel definiu as áreas que devem puxar seu crescimento nos próximos anos:
• Carros autônomos
É a principal aposta da companhia, que investirá US$ 250 milhões em pesquisa nos próximos dois anos. Em julho do ano passado, a Intel se associou à montadora BMW e à empresa de inteligência artificial Mobileye para desenvolver veículos autoguiados. Em 2017, 40 veículos estarão em testes na Europa e EUA
• Inteligência artificial
A empresa quer colaborar para popularizar a IA, que hoje é viável comercialmente, mas está em seu embrião. A empresa desenvolveu a tecnologia Silicon Photonics, que permite a transmissão de dados por meio de partículas de luz.
• 5G
É a próxima evolução do sistema de transmissão de dados de aparelhos móveis, cujo padrão deve ser definido em 2020. A companhia entende que essa tecnologia é a que permitirá o pleno uso de carros autônomos e a ampla disseminação da Internet das Coisas (IoT).
• Realidade Mista
Em janeiro, durante a CES 2017, a companhia apresentou o Projeto Alloy, óculos de realidade virtual e realidade aumentada, que permite ao usuário ver o ambiente real em sua volta. O equipamento possibilita incluir à realidade imagens virtuais, com as quais o usuário pode interagir e criar novas formas de relação. A empresa desenvolveu o software e o hardware do equipamento, que será vendido até o último trimestre de 2017.