Apesar de lotado, o silêncio era quase ensurdecedor no centro de conferência Dipoli, em Espoo, na Finlândia, na terça-feira 3. Naquele dia,os principais executivos da Nokia dariam explicações sobre o anúncio feito horas antes da venda de sua divisão de celulares para a Microsoft por US$ 7,2 bilhões. A empresa passa a operar apenas com equipamentos de rede. O clima de perplexidade era fácil de ser entendido. A Nokia já foi o orgulho corporativo da Finlândia. Por muitos anos, ela esteve na liderança do mercado mundial de celulares. Hoje, é um pálido retrato de seu passado. Ainda é a segunda fabricante de aparelhos móveis, é verdade. 

 

94.jpg

Ballmer, da Microsoft, e Elop, da Nokia, firmaram parceria em 2011.

Agora, Elop pode sentar na cadeira de Ballmer

 

Mas não está na lista das cinco maiores fabricantes globais de smartphones, a área que mais cresce. Seu valor de mercado reduziu-se a um quinto do que era em 2007. “A Finlândia será o centro de pesquisa e desenvolvimento para celulares [da Microsoft]”, disse o CEO da Microsoft, Steve Ballmer, durante cinco dos 48 minutos que ocupou na coletiva. “É um bom acordo para ambas as companhias.” Ballmer, que se aposentará nos próximos 12 meses, não ficou para ouvir os questionamentos, com ares de protesto, que os repórteres fizeram a Risto Siilasmaa, diretor executivo interino da Nokia, e ao ex-CEO Stephen Elop, atual vice-presidente da divisão de dispositivos da Microsoft, e um dos mais cotados para sentar na cadeira de Ballmer. 

 

“Dado o histórico, como podemos confiar no que estão dizendo?”, perguntou um jornalista. A dúvida faz sentido. A trajetória das duas empresas no mercado de smartphones e de tablets é uma comédia de erros. Microsoft e Nokia demoraram demais para entrar nesse mercado, apesar de liderarem com folgas a onda anterior – a Microsoft nos PCs e a Nokia nos primeiros celulares com acesso à internet. A companhia finlandesa, por sua vez, demorou para tentar pegar a onda dos aparelhos com tela sensível ao toque e não criou um ecossistema de aplicativos, tendência inaugurada pelo iPhone, da Apple, em 2007. Pior: a Nokia superestimou a força de sua marca, acreditando que, mesmo atrasada, conseguiria recuperar o tempo perdido no mercado de smartphones. Não conseguiu.

 

95.jpg

 

 

Quando se deu conta disso, era tarde demais. A solução foi importar o executivo canadense Elop, ex-supervisor da divisão de produtos Office da Microsoft, em 2010. No ano seguinte, Elop firmou uma parceria com a Microsoft. A empresa abandonaria oficialmente seu sistema operacional, o Symbian, para priorizar o Windows Phone, da parceira. Mais uma vez, a estratégia não surtiu efeito. A consultoria americana Statista, especializada em estatísticas, cruzou dados da Nokia e de diversos estudos de mercado para concluir que sua participação no mercado de smartphones era de 40% em 2010. Hoje, essa fatia está reduzida a escassos 3%. “A Nokia não conseguiu formar um ecossistema robusto e atraente entorno de seu sistema”, afirma Norman Young, da consultoria americana Morningstar. 

 

Seu parceiro estratégico também não vai bem na área de smartphones. O Windows Phone detém uma participação de 3,7% do mercado. O Android, do Google, está em quatro de cada cinco smartphones do mundo. O atrativo do Android é o fato de ser um sistema aberto. Qualquer fabricante pode utilizá-lo gratuitamente. O diferencial da Microsoft, agora, passa a ser a condição de controlar todo o processo de produção dos telefones, do software ao hardware, assim como a Apple já faz desde o iPhone. O primeiro alvo desse novo posicionamento passa a ser o mercado corporativo. “É a área mais fácil para ela ganhar mercado”, afirma Ivair Rodrigues, da consultoria IT Data. O que não fica claro é o que a Microsoft fará para não incomodar outros fabricantes de celulares que usam o Windows Phone. A situação lembra a do Google quando comprou a Motorola em 2011. 

 

No entanto, há uma diferença importante: a Motorola estava em declínio e nunca foi o principal fabricante de Android. A Nokia é claramente o coração do Windows Phone, com 83,7% das vendas desse sistema operacional. O mercado torceu o nariz para o negócio. As ações da Microsoft acumulavam perda de mais de 6% nos três dias seguintes ao anúncio da compra da Nokia. De qualquer forma, mesmo que a companhia de Bill Gates conserte seu rumo no mercado de smartphones, pode ser que a empresa tenha chegado tarde demais. Os últimos balancetes de Samsung, HTC e Apple vieram com lucro abaixo das expectativas. O analista da consultoria Asymco Horace Dediu prevê que o mercado americano, o principal do mundo, esteja saturado. “Mais de 80% dos donos de celulares terão smartphone em 2014, o que indica forte desaceleração”, disse Dediu.

 

96.jpg