28/09/2013 - 7:00
Os 14 anos de experiência na rede de varejo Walmart ensinaram uma lição valiosa ao administrador de empresas gaúcho Luiz Cunha Albornoz: ter nas prateleiras o que o cliente deseja comprar. Por isso, há um ano, ele aceitou um convite de dois conhecidos de longa data, Marcelo Maisonnave e Guilherme Benchimol, fundadores da distribuidora de produtos financeiros XP Investimentos, para desenvolver uma área totalmente nova, a de empréstimos garantidos por imóveis. “Notamos uma demanda dos investidores por ativos imobiliários de boa qualidade”, diz Albornoz. “Por isso, nada mais lógico do que começarmos a originá-los aqui e a oferecê-los ao mercado.”
Amorim (à esquerda) e Albornoz, da XP: demanda por papéis
imobiliários justificou a entrada nesse mercado
Uma das empresas independentes mais importantes na corretagem de ações e na distribuição de fundos, a XP agora vai iniciar um caminho totalmente novo, disputando um mercado até agora pouco explorado, o das hipotecas. A operação começou há seis meses e ainda é modesta em volumes, mas tem a ambição de concorrer com os gigantes do crédito imobiliário. Segundo André Amorim, sócio da XP, até agora foram concedidos R$ 20 milhões em empréstimos. Para ele, as perspectivas são de que no fim de 2014 a XP esteja originando R$ 50 milhões por mês. “O potencial é imenso, principalmente devido à isenção de Imposto de Renda nos rendimentos”, diz Amorim.
Quando o negócio estiver azeitado, as hipotecas serão enfeixadas em títulos como Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), papéis cuja emissão ganhou grande vigor nos últimos anos, mas que se desacelerou em 2012 (veja quadro ao final da reportagem). Esses títulos, corrigidos por índices de inflação, são muito procurados por investidores em busca de uma proteção patrimonial. Se a brandura do Leão é o principal atrativo para os investidores, a possibilidade de obter uma linha de crédito de longo prazo é o que deverá aguçar o apetite dos tomadores dos empréstimos. “Muitas vezes o cliente não tem um patrimônio financeiro, mas está terminando de quitar um imóvel de excelente qualidade”, diz Amorim.
A XP entra no mercado em um momento de retomada dos
negócios e após uma desaceleração da concorrência
“Podemos usar esse imóvel como garantia e o cliente quita a dívida e ainda tem recursos para investir ou consumir.” Os créditos são longos, de dez anos. No primeiro momento, as taxas não são exatamente camaradas: o tomador terá de pagar 1,05% ao mês, ou 13,5% ao ano, mais a imprevisível variação do índice IGP-M. Para ter direito ao empréstimo, o cliente terá de ser proprietário de um imóvel – quitado ou financiado – em uma região onde o mercado imobiliário tenha um mínimo de liquidez. “Não vamos conceder empréstimos com base em imóveis localizados em cidades com menos de 50 mil habitantes, onde o mercado imobiliário é restrito”, diz Albornoz. “Acreditamos que haverá mais oportunidades nos grandes centros.”
A iniciativa da XP ocorre em um momento no qual a concorrência se retrai. A principal empresa que concede empréstimos com base em garantias imobiliárias, a Brazilian Mortgage, vem diminuindo seu ímpeto de crescimento no mercado. Quem conhece bem os meandros da empresa diz que ela está tendo de lidar com a sempre trabalhosa fusão de culturas diferentes. A holding Brazilian Finance e Real Estate (BRFE), controladora da Brazilian Mortgage, foi adquirida pelo BTG Pactual, de André Esteves, por R$ 1,215 bilhão no apagar das luzes de 2011, no que foi a maior aquisição do sistema financeiro daquele ano. Com a compra, o BTG assumiu uma potência que possuía mais de 90% do mercado de securitização, de olho em um mercado que crescia exponencialmente.
Naquele momento, a fusão da experiência da BRFE com o manancial praticamente inesgotável de capital do BTG Pactual parecia ser uma receita imbatível. O crédito imobiliário crescia aceleradamente e era questão de tempo para que os recursos cativos da caderneta de poupança se esgotassem. Mais do que isso, o crescimento promissor da economia permitia prever uma demanda sustentável por imóveis novos e usados. A solução lógica para destravar o fluxo financeiro entre tomadores de empréstimos e investidores eram as hipotecas. No entanto, dois fatores atrasaram esse movimento. A desaceleração da economia em 2012 reduziu o apetite dos bancos para emprestar. Além disso, o principal participante do mercado teve de lidar com uma complicada operação interna.
A operação azeitada da BRFE foi sendo costurada com o problemático banco PanAmericano. Para acrescentar mais uma dificuldade, o PanAmericano tem a Caixa Econômica Federal como seu segundo maior acionista, e a emissão de títulos imobiliários concorre com os empréstimos para a casa própria, um dos principais negócios da Caixa. Isso representou um choque de culturas, que resultou na saída de executivos e está reduzindo a agilidade das operações. Procurado, o BTG Pactual não concedeu entrevista. Depois dessa pausa, diz Amorim, o mercado deverá voltar a se aquecer. Mesmo com a recente elevação dos juros, o fato de que a inflação deverá permanecer elevada, pelo menos por mais alguns meses, turbina a demanda por papéis indexados.
Uma análise dos balanços do primeiro semestre do Banco do Brasil, presidido por Aldemir Bendine, e da Caixa, liderada por Jorge Hereda, mostra que ambos contabilizavam em seus livros um total de R$ 88,4 bilhões em títulos tanto imobiliários quanto do agronegócio, um crescimento de 150% em relação ao fim do segundo trimestre de 2012. Juntos, os bancos detêm quase a metade de todo o estoque de emissões. No crédito, o BB vem procurando diversificar sua carteira de empréstimos e aumentou em 78% seus empréstimos para a casa própria, que atingiram R$ 13,7 bilhões em julho, a carteira que mais cresce em termos percentuais na linha de ativos do banco. E como são os detentores das maiores carteiras de crédito rural e imobiliário, ainda têm espaço para expandir as captações. “Há muita demanda reprimida, emissões de papéis imobiliários de boa qualidade são disputadas pelos investidores”, diz Albornoz. “Esse é um mercado praticamente virgem.”