13/05/2016 - 20:00
Poucas tarefas são mais difíceis para as empresas de software do que migrar seu modelo de negócio da tradicional caixinha com um CD para o de uma assinatura, no conceito que é chamado de computação em nuvem. Esse é um desafio que afeta todas as gigantes globais do setor de tecnologia, da alemã SAP à americana Microsoft. É como se elas tivessem que trocar a turbina de um avião em pleno voo. Nesse movimento, que é avaliado por analistas como um caminho sem volta, as turbulências são a única garantia. A desenvolvedora brasileira de software Totvs, avaliada em R$ 5 bilhões, é um exemplo disso. No ano passado, sua receita de licenciamentos de software caiu 20%, chegando a R$ 239,1 milhões. “Isso é reflexo da nuvem”, diz Felipe Silveira, analista de investimento da corretora Coinvalores. Mas, no primeiro trimestre de 2016, a Totvs surpreendeu o mercado.
Pela primeira vez, suas receitas com assinatura de software, no modelo de computação em nuvem, superaram as dos tradicionais licenciamentos.“Chegamos ao ponto de ruptura, que era previsto só para 2017”, explica Laércio Cosentino, fundador e CEO da Totvs. É um feito e tanto para uma companhia do tamanho Totvs, com uma receita líquida de mais de R$ 2 bilhões e dona de uma fatia de 35% do mercado brasileiro de programas para empresas, segundo estimativa da FGV-SP. Não foi, como o previsto, uma trajetória fácil. O primeiro passo foi transformar as suas soluções licenciadas em sistemas que podem ser acessados a partir da nuvem. Além do escritório de desenvolvimento que a companhia possui no Vale do Silício, nos EUA, Cosentino diz que toda a empresa foi mobilizada para alcançar esse objetivo.
A Totvs contou com um vento favorável para alcançar seu objetivo antes do tempo previsto. A maioria dos seus clientes são pequenas e médias empresas, que têm mais facilidade para migrar seus sistemas para o modelo de computação em nuvem. Grandes companhias, segundo estimativa da Coinvalores, devem completar a transformação só daqui a dez anos no Brasil. “As grandes empresas temem que os dados de venda e de faturamento caíam na mão de concorrentes”, afirma Felipe Calixto, presidente da Sankhya, empresa mineira de software de gestão, que faturou R$ 80 milhões, em 2015, e também aposta na nuvem. O diretor de pesquisa da consultoria paulista IT Data, Ivair Rodrigues, acrescenta que os gestores de tecnologia temem problemas de conexão. “Eles testam a nuvem aos poucos”, diz Rodrigues.
Não pense também que, a partir da agora, a Totvs voará em céu de brigadeiro. Além de empresas gigantes da área, como a SAP, que também estão migrando para esse novo modelo, a desenvolvedora brasileira enfrenta uma série de startups. Esses negócios nascem originalmente no modelo que também é conhecido pela sigla de SaaS (do inglês software como um serviço). Por essa razão, apesar de pequenas, eles largam com uma vantagem. Como surgiram neste novo ambiente, não precisam passar pela dolorosa transição. O empresário Ernesto Haberkorn, sócio de Cosentino na Totvs, é dono de uma empresa que desenvolve o ERP Flex, que funciona pela internet. Outro exemplo é a catarinense Conta Azul, que conta com investidores do porte de um Tiger Global, que está na B2W e 99Taxis. “Somos totalmente online, assim como o Netflix”, diz Vinicius Roveda, CEO da Conta Azul, que ganha 1,5 mil clientes novos por mês, sem revelar o número total.
Todos brigam por uma fração do mercado de computação em nuvem, que movimentou mais de US$ 500 milhões no Brasil, em 2015, segundo a consultoria americana especializada em tecnologia IDC. As ofertas na nuvem representaram 6% do mercado brasileiro de software de gestão, que faturou US$ 2 bilhões no País em 2014 – dado mais recente. “É um caminho gradativo”, diz Luciano Ramos, coordenador de pesquisa de software da IDC Brasil. “O software de gestão vai para a nuvem, mas não tão rápido.” Pelo sim, pelo não, ninguém tira a cabeça da nuvem. Nem Cosentino.