Na cidade alemã de Wolfsburg, a 200 quilômetros de Berlim, um gigantesco complexo de museus de carros antigos, pistas para test-drive e pavilhões de lendárias marcas de veículos se tornou uma espécie de Disneylândia do automóvel. Inaugurado pela Volkswagen há dez anos, tudo na Autostadt (cidade do automóvel, em alemão) remete ao mundo das quatro rodas. As fachadas das construções saíram das pranchetas de designers de máquinas de corrida, não apenas de arquitetos. Modelos Bugatti, Lamborghini, Bentley, Porsche e Audi, entre outros, estão por toda parte, inclusive enfeitando os jardins. O visual moderno de vidro e concreto divide espaço com chaminés industriais de tijolo à vista, construídas nos tempos da Alemanha nazista, em 1938. 

 

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Toque de midas: mão do CEO Martin Winterkorn sobre logotipo da VW.

A empresa cresceu 20,9% em um ano de crise

 

Para quem gosta de carros e de história, tudo chama a atenção. Naquele lugar funciona a maior fábrica de veículos do mundo em extensão, com 1,3 quilômetro quadrado de área coberta, e uma das três maiores em volume de produção. De lá saem quatro mil automóveis da Volkswagen todos os dias. Ao final da Segunda Guerra Mundial, dois terços desse colosso haviam virado entulho, destruídos pelos bombardeios das forças aliadas. Em meio a tudo isso, a mais moderna atração da Autostadt fica do lado de fora. Dois prédios redondos de vidro, com 48 metros de altura, equivalentes a edifícios de 20 andares, funcionam como gigantescos pátios verticais. Um enorme elevador ao centro de cada torre suspende os carros que acabaram de sair das linhas de montagem até uma das 400 vagas. 

 

A estadia dura pouco tempo. Em menos de 24 horas, a máquina chega às mãos do comprador ou é embarcada para algum mercado no mundo. Nos últimos meses, esses elevadores têm operado com velocidade máxima, no ritmo da megafábrica ao lado. A Volkswagen nunca vendeu tantos carros como em 2012, desafiando a lógica da crise no mercado europeu, que passa pelo pior momento desde 1995. No ano passado, o grupo alemão produziu um carro a cada 18 segundos e superou a marca de 9,34 milhões de unidades em todo o planeta, um milhão a mais do que em 2011. Com o resultado, a montadora superou a rival americana General Motors, com 9,29 milhões de automóveis, e assumiu a vice-liderança global, atrás da japonesa Toyota, que fixou seu emblema cromado em 9,75 milhões de veículos no mundo. 

 

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Velocidade máxima: os elevadores dos pátios verticais da Volkswagen, em Wolfsburg, nunca

trabalharam tanto como em 2012. A marca produziu um milhão de carros a mais do que no ano anterior

 

“Estamos vivendo o melhor momento de nossa história, apesar dos grandes desafios enfrentados por toda a indústria automobilística”, afirmou à DINHEIRO o presidente mundial da Volkswagen, Martin Winterkorn. A empresa não apenas acelerou as vendas como também turbinou seu desempenho financeiro. O faturamento do conglomerado alemão, com suas 12 marcas, atingiu € 192 bilhões em 2012, a maior cifra registrada em todos os tempos, e 20,9% superior ao fechamento de 2011. “Crescer quando tudo vai bem é ótimo, mas crescer em meio a tantas turbulências na economia mundial tem um sabor especial”, disse Winterkorn. “O desempenho do nosso grupo mostra que estamos no rumo certo, focados em nossa meta de sermos os maiores do mundo.”

 

O desempenho global da Volkswagen seria, por si só, motivo de comemoração. No entanto, o fato de a montadora estar mais perto da meta de ser a maior fabricante de automóveis do mundo tem gerado uma euforia incomum entre seus executivos instalados no QG de Wolfsburg. Com uma diferença de cerca de 400 mil carros para a líder Toyota, a Volkswagen poderá antecipar essa liderança global já para 2013 ou 2014 se o ritmo de vendas for mantido – e se as vendas dos japoneses não crescerem, é claro. Inicialmente, o plano era alcançar o objetivo em 2018. “Continuaremos concentrados e trabalhando duro para superar todos os desafios, com crise ou sem crise”, disse o presidente da Volkswagen. “Se a meta for atingida antes, ótimo.”

 

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A confiança de Winterkorn em relação aos rumos da Volkswagen é sustentada principalmente pelos mercados emergentes. Enquanto as vendas do grupo na Europa recuaram 3,4% no ano passado – em um mercado que encolheu 8,2%, segundo a Associação Europeia da Indústria Automotiva –, na China houve expansão de 24,5%. A disparada fez toda a diferença. O mercado chinês é o maior da Volkswagen no mundo, com 2,2 milhões de unidades em 2012. Enquanto isso, as vendas da Toyota em seu principal mercado, os Estados Unidos, subiram 13,4% em 2012, com 1,2 milhão de automóveis. Em outras praças, a Volkswagen também se deu bem. No restante da Ásia, excluída a China, a demanda por carros da montadora deu um salto de 41%. Nos EUA avançou 34,2%. 

 

EMERGENTES Já o Brasil, seu segundo maior mercado em escala global, onde foram produzidos 852 mil carros da marca em 2012, registrou uma expansão mais discreta, de 10,7%. Porém, não menos importante. Afinal, o mercado automobilístico nacional se expandiu 6% no mesmo período. “Tudo parece ter ajudado a Volkswagen no ano passado. A empresa detém 25% das vendas na China, mercado que mais cresce no mundo, e a Toyota está enfrentando um sentimento antijaponês dos consumidores chineses”, diz Wim van Acker, consultor para o mercado automobilístico da The Hunter Group no País. “A meta da Volkswagen de se tornar a maior montadora do mundo nos próximos anos dependerá, essencialmente, do desempenho do mercado americano, onde a Toyota é muito forte.”

 

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Martin Winterkorn: “Crescer quando tudo vai bem é ótimo, mas crescer em meio a tantas turbulências

na economia mundial tem um sabor especial”

 

Enquanto Volkswagen e Toyota acirram a disputa nos mercados americano e chinês, o grupo alemão tenta correr por fora fortalecendo sua presença em outras regiões. No caso do Brasil, há uma série de providências prontas para sair do forno. A mais aguardada de todas é o lançamento do compacto up!, fenômeno de vendas na Europa. A fábrica de Taubaté, onde o carro provavelmente será montado, já passa por obras de ampliação. A empresa não revela detalhes do projeto nem confirma a novidade, mas diversos fornecedores já produzem componentes para alimentar a linha de montagem do novo modelo. A expectativa para a chegada do carro é grande, dentro e fora dos portões da fábrica. Não é para menos. 

 

Graças ao up!, a participação de mercado da Volkswagen subiu de 23% para 24,4% nos mercados da Europa Ocidental entre 2011 e 2012. A fatia global do grupo, puxado também pela sétima geração do Golf, subiu de 12,3% para 12,8%. Se o sucesso for replicado no Brasil, a Volkswagen poderá ultrapassar a Fiat no mercado brasileiro e assumir a primeira colocação no ranking de vendas, não apenas de produção como acontece atualmente. No País, a diferença entre as duas montadoras foi de apenas 24 mil carros em 2012. Outra estratégia da Volkswagen dada como certa nos bastidores, ainda mantida em sigilo pela empresa, é a reabertura da linha de montagem da Audi, suspensa desde 2006. 

 

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Time dos sonhos: o presidente da Volkswagen no Brasil, Thomas Schmall (ao centro), durante

a apresentação dos novos garotos-propaganda da marca, os ex-craques Cafu, Raí, Pelé e Rivelino.

À dir., o diretor de vendas e marketing da VW, Axel Schroeder

 

A fábrica em São José dos Pinhais, no Paraná, em operação, terá condições de produzir o Audi A3 e o novo Golf, que utilizam plataformas idênticas. “É algo que estamos estudando”, diz o presidente da Volkswagen do Brasil, Thomas Schmall. “Podem esperar. Teremos muitos lançamentos e novidades neste ano no País, um mercado fundamental há seis décadas para nós.” A julgar pelas recentes manobras da montadora, o mercado brasileiro é, de fato, peça-chave nas estratégias globais da Volkswagen. Na semana passada, em um encontro com jornalistas em São Paulo, Schmall afirmou que o programa de investimentos de R$ 8,7 bilhões, entre 2010 e 2016, será ampliado. 


Os recursos adicionais receberam sinal verde da matriz para atender às exigências de evolução tecnológica definidas no Inovar Auto, a política industrial desenhada para o setor automotivo de 2013 a 2017. “As regras estabelecidas pelo governo trazem novas necessidades em engenharia, sistemas de segurança e redução de consumo de combustível”, afirmou o executivo. “Por isso, reavaliaremos para cima todos os nossos investimentos e faremos lançamentos.” Em paralelo aos novos carros, a Volkswagen precisará blindar a liderança do Gol, o automóvel mais vendido do País nos últimos 26 anos. Na semana passada, a montadora anunciou a contratação de ídolos do futebol brasileiro como garotos-propaganda do carro: Pelé, Cafu, Raí e Rivelino. 

 

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Eles se juntarão ao craque Neymar, protagonista das campanhas do carro desde 2011. “Não há jeito melhor de divulgar o Gol do que vincular sua imagem àqueles que mais sabem fazer gols”, diz o presidente da montadora no Brasil. Ao que tudo indica, a ofensiva publicitária, desencadeada em comemoração dos 60 anos de operações no Brasil – a fábrica de São Bernardo do Campo foi a primeira do grupo fora da Alemanha –, será decisiva para garantir a liderança. O carro nunca esteve tão ameaçado como nos últimos meses. Cinco anos atrás, o Gol competia diretamente com outros cinco modelos. Atualmente, são 25 rivais no mesmo segmento, inclusive carros chineses e coreanos. 

 

“A Volkswagen terá de rejuvenescer seu portfólio de produtos, que hoje está defasado em relação aos concorrentes, e defender a hegemonia do Gol para poder sustentar a sua posição”, afirma José Roberto Ferro, presidente do Lean Institute Brasil, especialista e consultor em indústria automobilística. Para garantir a hegemonia, a Volkswagen terá de trabalhar, indiscutivelmente, mais do que a propaganda da família Gol. Um dos maiores desafios da montadora tem sido o alto índice de reclamações por defeitos mecânicos e pelo mau atendimento aos clientes nas concessionárias da rede. Não existem números oficiais, mas pode-se observar que a marca tem liderado com grande frequência os índices de insatisfação em órgãos de defesa do consumidor. 

 

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A incômoda situação contrasta com a reputação da marca de ter carros de qualidade, conquistada desde os velhos tempos do Fusca, uma época em que a expressão “mecânica Volks” era uma espécie de certificado que assegurava o bom desempenho de seus produtos e a excelência de seus serviços. Em 2012, a Volkswagen foi a única montadora no ranking da Fundação Procon-SP, entre as 50 empresas com os maiores números de reclamações fundamentadas (que não foram solucionadas na fase inicial de atendimento), em São Paulo. No site Reclame Aqui, o maior do gênero no País, a montadora lidera no ranking de queixas entre as fabricantes de veículos. 

 

Nos últimos 12 meses, até a quinta-feira 21, a marca havia recebido 1.778 reclamações, acima dos 1.592 da Fiat, dos 1.377 da Ford e muito superior às 256 queixas contra a Toyota. “O número de reclamações contra as montadoras, a grande maioria por defeitos mecânicos, só fica atrás das queixas contra as operadoras de telefonia celular no País”, afirma Maurício Vargas, presidente do Reclame Aqui. “As grandes companhias simplesmente ignoraram boa parte dos clientes, porque, com grande volume de vendas, acham que podem tudo.” Ao avaliar a movimentação da Volkswagen no País, nota-se que o contra-ataque da empresa para equacionar esse problema já começou. 

 

O SUV Tiguan, hoje importado da fábrica alemã de Wolfsburg, deverá ser fabricado no México já na linha 2014 nas versões XL e cupê. Soma-se a isso o provável lançamento do utilitário urbano Taigun. O modelo será lançado em 2015 para enfrentar o Ford Ecosport e o Renault Duster. “A pressão pela qualidade e pela atualização tecnológica dos carros produzidos no Brasil é um processo natural”, diz Schmall. “O consumidor brasileiro tem o direito de ter os mesmos equipamentos e evoluções que existem em outros lugares do mundo. E faremos isso.”

 

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(Diretamente de Wolfsburg – Alemanha)