O dólar rompeu uma barreira psicológica na semana passada, ao fechar a cotação da quarta-feira 16 a R$ 2,03. Na verdade, a moeda americana está subindo em doses homeopáticas desde o início do ano no Brasil, passando de um patamar de R$ 1,70, em janeiro, para R$ 1,80, em fevereiro, e assim sucessivamente, até chegar aos R$ 2, marca essa que pode subir um pouco mais até o fim do ano. Uma tristeza para quem tinha viagem marcada para o Exterior, mas uma alegria geral para a indústria, o setor exportador e para o governo. Questionado se estava feliz com o dólar a R$ 2, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, até brincou: “Eu e a torcida do Flamengo”. De fato, a moeda americana fortalecida foi celebrada pelos empresários do setor produtivo, a ponto de a Confederação Nacional da Indústria (CNI) rever seu crescimento para este ano, de 2% para 3%. 

 

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A justificativa para esse otimismo, claro, é a variação cambial, aliada à queda de juros que, em tese, garantem fôlego para retomar o mercado perdido para os concorrentes importados. Com o aumento generalizado das importações, o real desvalorizado funciona como uma barreira natural à concorrência externa, num momento em que as economias mais maduras estão em crise, e reduzem seus preços no mercado internacional para desovar estoques. “O dólar alto beneficia a economia brasileira, pois a indústria brasileira vai competir melhor contra os importados”, disse Mantega, na semana passada. Segundo o estudo Coeficiente de Abertura Comercial, da CNI, divulgado na quinta-feira 17, a participação de importados no setor industrial, seja na forma de insumos como de produtos acabados, chegou a 22,2% nos últimos 12 meses, um recorde desde 1996, quando o indicador começou a ser produzido pela entidade.

 

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Guido Mantega, perguntado se estava contente com o dólar no patamar de R$ 2:

“Eu estou satisfeito. Eu e a torcida do Flamengo”.

 

“Nosso trabalho agora é recuperar terreno”, diz José Velloso, vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas (Abimaq). O setor teve um déficit na balança comercial de US$ 18 bilhões, e muitas companhias já haviam adotado a estratégia de importar equipamento, em vez de produzir localmente, para não perder receita. Os exportadores, por sua vez, estão abrindo garrafas de champanhe para celebrar a fase de bonança, pois ao receber em moeda estrangeira, garantem um caixa de reais mais gordo. Se, nos últimos anos, eles foram beneficiados pela alta das commodities, a desvalorização da moeda brasileira chega num momento em que os preços agrícolas, à exceção da soja, estão em queda. “O câmbio a R$ 2 nos garante competitividade”, diz André Roth, presidente da Louis Dreyfus Commodities Brasil, que faturou, em 2011, no mercado brasileiro, R$ 8 bilhões, dos quais 70% oriundos das exportações. 

 

“Daqui para a frente, os novos contratos trarão renda melhor para o produtor local”, afirma Roth. A queda na cotação das commodities foi um dos fatores que ajudaram a promover a alta do dólar, no mundo nos últimos meses. Isso porque o apetite da China por soja e minério, por exemplo, diminuiu num momento em que o gigante asiático busca desacelerar o ritmo de expansão da sua economia. É exatamente a dinâmica entre oferta e demanda que define as cotações agrícolas, influenciando o volume de recursos em circulação. Na semana passada, a crise política na Grécia, que levou a população a sacar seu dinheiro nos bancos (leia matéria aqui) contribuiu para trazer incerteza ao mercado, levando os investidores internacionais a buscar títulos americanos para proteger seus recursos. Isso enxugou ainda mais o mercado de dólares, elevando sua cotação em outros países também. 

 

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Dilma Rousseff, presidenta da República: ”O Brasil tem três entraves: juros altos, câmbio

valorizado e estrutura tributária ruim”.

 

No Brasil, em particular, o governo trabalhou para desvalorizar o real ao promover seguidos leilões de compra de moeda, na tentativa de enxugar a liquidez do mercado que estava pressionando o câmbio. “O governo acabou antecipando os efeitos de uma desvalorização que aconteceria naturalmente”, diz Sidnei Nehme, economista da NGO Corretora, de São Paulo. Nehme previu, no começo do ano, que o dólar chegaria a R$ 2,20 até dezembro. “Mas a crise internacional retraiu os fluxos antecipadamente, ao contrário do que se esperava”, diz. O governo, na verdade, esperava um tsunami monetário, termo cunhado pela presidenta Dilma Roussseff, para classificar o fluxo de recursos injetado pelo Banco Central Europeu, no começo deste ano, para dar liquidez ao mercado internacional. 

 

Dessa forma, o governo intensificou os leilões de moeda, e aumentou o IOF para os capitais de curto prazo. “Tsunami monetário foi mais uma miragem do que um movimento concreto no País”, afirma Nehme. Como ele, a economista Zeina Latif acredita que o mundo passará por um momento mais conservador, com tendência a reduzir o fluxo de recursos para países como o Brasil. “Os investidores estão mais cautelosos, buscando mais segurança, e há a percepção de que o País pode crescer menos”, diz Zeina. De fato, o próprio governo já admite que o almejado crescimento de 4,5%, aventado no início do ano, não deve ser alcançado. A expectativa agora é crescer 3,5%. Com menos procura, a espera é que o real venha a se desvalorizar mais um pouco até o fim do ano. 

 

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André Roth. da Louis Dreyfus: ”Com este câmbio,

os novos contratos de venda de commodities

trarão mais renda para o produtor”.

 

A dúvida, agora, é saber qual será o efeito da variação cambial sobre a inflação, constante preocupação da equipe econômica. “A valorização foi muito rápida e, neste patamar de câmbio, há efeitos inflacionários”, diz Sidnei Nehme. José Velloso, da Abimaq, no entanto, não acredita em aumentos generalizados, ao menos na indústria. “Ninguém vai subir preço, porque ninguém quer perder mercado”, diz Velloso. Para Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-ministro do Desenvolvimento, no governo Fernando Henrique Cardoso, a recente variação cambial era esperada e é positiva, contribuindo para a economia, assim como o ciclo de queda de juros. “O único problema do Brasil hoje é o custo da produção”, diz Mendonça de Barros, que reconhece a disposição do governo para tratar o tema. “Esse debate começou e o governo já aceitou.” 

 

De fato, a presidenta Dilma dá sinais de que deverá começar a propor soluções para diminuir o custo Brasil. Em encontro com prefeitos de todo o País, em Brasília, na semana passada, ela admitiu, com todas as letras, as fragilidades da economia. “O Brasil tem três principais entraves de curto prazo: temos taxas de juros incompatíveis com as praticadas internacionalmente, taxas de câmbio sobrevalorizadas e uma estrutura tributária ruim”, afirmou Dilma. A bomba-relógio dos juros e do câmbio já começou a ser desmontada. Agora, seria a vez de intensificar as mudanças nos tributos. Depois da desoneração na folha de pagamento de 15 setores, o próximo alvo do governo seria reduzir os encargos da energia elétrica.

 

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