12/02/2016 - 20:00
Uma piada envolvendo o anúncio de uma cartomante e o Banco Central (BC) vem sendo contada por gestores de fundos nas últimas semanas. “Trago amor roubado, tiro mau-olhado e leio a ata do Copom.” O Copom em questão é o Comitê de Política Monetária do BC, cuja credibilidade tem sido comparada com a de uma vidente. Por trás desta brincadeira há, na verdade, uma enorme indignação do mercado financeiro com a decisão do Copom de não mexer nos juros básicos (Selic), em janeiro. Muitos gestores até reconhecem que havia argumentos sólidos para a manutenção dos juros em 14,25% ao ano – defendida pela DINHEIRO –, mas eles se sentem traídos pelo presidente do BC, Alexandre Tombini, que tinha sinalizado previamente um aperto monetário.
“Foi uma hecatombe que derrubou meus fundos”, diz um gestor que pede para não ser identificado. “Quem acreditou no Tombini quebrou a cara.” Vingativo, o mercado financeiro não para de piorar, desde então, as projeções de inflação para 2016 e 2017, ao mesmo tempo em que prevê queda ainda maior do PIB. O contra-ataque está registrado no boletim Focus, produzido pelo Banco Central, que compila semanalmente as estimativas de cerca de 100 instituições financeiras. Chega a ser um contrassenso econômico o mix de inflação em alta com PIB derretendo, mas o fato é que, diante de expectativas tão deterioradas, a missão do Banco Central de atingir o centro da meta (4,5%), em 2016 e 2017, ficou praticamente impossível.
Errar o alvo, convenhamos, não é exatamente uma novidade para a atual gestão do BC. Desde o início do governo Dilma Rousseff, a inflação anual esteve sempre acima dos 4,5%. No ano passado, houve o estouro, inclusive, do teto da meta (6,5%), o que obrigou Tombini a escrever uma carta aberta em janeiro ao ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, explicando os motivos. Foi justamente o conteúdo deste documento, divulgado 12 dias antes da última reunião do Copom, que sedimentou a convicção dos analistas de que os juros subiriam.
Na véspera da decisão, no entanto, o presidente do BC emitiu um comunicado comentando as “significativas revisões” das projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) para o Brasil, com retração de 3,5% neste ano (ante uma previsão inicial de queda de 1%) e crescimento zero em 2017 (ante alta de 2,3%). Naquele momento, em pleno período de silêncio pré-Copom, Tombini sinalizava que o aperto monetário deixara de ser o cenário até então mais provável. “A credibilidade do BC ficou totalmente arranhada”, afirma Rafael Doring Pinho, economista da mesa de juros da Kondor Invest, empresa de gestão de recursos que lidera o ranking das instituições que mais acertam as previsões de inflação, elaborado pelo BC.
Basta visitar um supermercado ou uma feira livre para perceber que a autoridade monetária vem perdendo a batalha contra o dragão inflacionário. O atual patamar acima de 10% do índice oficial de preços, o IPCA, decorre de diversos problemas, segundo os especialistas ouvidos pela DINHEIRO. O primeiro deles é o elevado grau de indexação da economia brasileira que, invariavelmente, repassa a inflação passada para itens como aluguel e salário-mínimo. Para piorar, a desvalorização cambial de quase 50% no ano passado pressionou os preços dos produtos importados.
“Se o dólar ficar abaixo de R$ 4,00, a inflação pode ser um pouco menor”, diz Pinho, que prevê IPCA em 8% neste ano. Outro ponto importante é o esfarelamento da política fiscal, que vem apresentando resultados negativos. Como o governo federal não consegue promover um enxugamento relevante nas contas públicas, o combate à inflação acaba ficando exclusivamente nas costas da diretoria do Copom. “Mas, ao não mexer nos juros, o BC tirou o corpo dele da reta”, afirma Daniel Weeks, economista-chefe da Garde Asset Management, que também está no Top 5 das instituições que mais acertam as previsões de inflação.
“O mercado já incorporou que o Tombini será mais leniente no combate à inflação.” Weeks prevê IPCA em 7,70% neste ano. No mundo inteiro, as declarações dos integrantes dos bancos centrais são acompanhadas com muita atenção pelo mercado financeiro. Na quarta-feira 10, por exemplo, os investidores pararam para ouvir o pronunciamento da presidente do Federal Reserve, Janet Yellen, no Congresso americano. Diante da desaceleração chinesa e da alta do dólar, Janet sinalizou que o aperto monetário iniciado em dezembro pode ser interrompido até que haja mais certezas sobre o impacto na maior economia do mundo (leia reportagem aqui).
“Assim que ela falou, os gestores se reposicionaram”, diz Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset Management. “Aqui no Brasil, por causa dos últimos episódios, o BC perdeu esse instrumento de comunicação.” A credibilidade de Tombini começou a ser questionada ainda no primeiro ano de sua gestão, em 2011. Após cinco altas consecutivas de juros, que chegaram a 12,50% ao ano, o Copom deu “um cavalo de pau”, no jargão do mercado, e reduziu inesperadamente a Selic, em agosto daquele ano.
O movimento abrupto gerou perdas de muitos fundos, obrigando seus gestores a se explicar para os investidores. Em seguida, o BC foi cortando os juros “na marra” até 7,25% ao ano, ignorando o fato de que as projeções de inflação daquele ano estavam subindo há 16 semanas consecutivas. Outro episódio que arranhou a imagem de Tombini foi o período pré-eleitoral, em 2014, em que a autoridade monetária congelou os juros apesar da alta da inflação. Três dias após a reeleição de Dilma, no entanto, os diretores mudaram de ideia e subiram a Selic.
Com receio de sofrer algum tipo de retaliação, analistas e gestores evitam criticar publicamente o presidente do Banco Central. Na condição de anonimato, a maioria avalia que a autoridade monetária sofre interferências políticas do Palácio do Planalto. Eles citam como exemplo o encontro entre Tombini e a presidente Dilma na véspera da última reunião do Copom. Na ocasião, o encontro alimentou as especulações de que a mudança repentina na política monetária era uma ordem “de cima”.
“Eu acho fantástico. O Copom aumenta os juros sistematicamente e ninguém nunca perguntou para mim, nunca, durante todo esse período de aumento, se eu tinha pressionado o Tombini para aumentar os juros”, afirmou Dilma, dois dias depois da reunião do BC, negando qualquer interferência. “Aí a culpa é minha também, né? Eu sou presa por ter cachorro e por não ter.” Com ou sem ordens superiores, o fato é que Tombini angariou a antipatia do mercado ao colecionar cinco anos de inflação acima do centro da meta, várias falhas de comunicação e guinadas inesperadas na política de juros. “Que saudades do Meirelles”, diz um gestor, se referindo a Henrique Meirelles, que presidiu o BC no governo Lula. “Atualmente é como se estivéssemos jogando uma partida sem goleiro.”