17/10/2014 - 20:00
As laranjas podres estão fora.” Com essa frase, o executivo Paulo Stark, presidente da Siemens no Brasil, resumiu o clima que impera, atualmente, na empresa. No ano passado, a companhia denunciou ao Cade, órgão antitruste brasileiro, sua participação em um cartel formado por mais de dez empresas, em licitações realizadas pelos metrôs de São Paulo e do Distrito Federal, e pela CPTM, que opera os trens metropolitanos paulistas. Após a tempestade, a meta, agora, é voltar à normalidade. Segundo Stark, o momento é de renovação, com uma nova estratégia e novos produtos.
“Dos mais de oito mil funcionários da empresa, quase a totalidade é gente do bem”, diz o executivo. “Os poucos que agiram de forma errada, fizeram por conta própria e foram demitidos.” Para ele, a correção de rota traz mais segurança para os funcionários da companhia. No auge da crise de imagem, aquela que era uma das mais admiradas empresas do País, empregadora dos sonhos de muitos jovens em início de carreira, chegou a ver candidatos em processos seletivos desistirem em função do escândalo. “Hoje, quem trabalha na Siemens sabe que não há tolerância com a desonestidade”, afirma Stark.
“Isso gera um ambiente de muita tranquilidade, como era antes.” O processo de limpeza do comando da operação brasileira da gigante alemã começou com a chegada de Stark à presidência, em 2011. O executivo, que havia acabado de assumir a diretoria de negócios verdes da empresa, foi convocado à última hora para substituir Adilson Primo, que dirigira a subsidiária por dez anos, e foi demitido sob a acusação de desviar € 6,5 milhões da empresa para uma conta pessoal, no paraíso fiscal de Luxemburgo. A matriz investigava a filial brasileira desde 2007.
Esse processo culminou na delação feita ao Cade, em 2013. O cartel envolvia, além da Siemens, outras grandalhonas da área de engenharia, como a francesa Alstom, a canadense Bombardier, a espanhola CAF e a japonesa Mitsui. O esquema teria gerado um prejuízo de mais de R$ 570 milhões aos cofres públicos. Renovar a energia é o mote da vez na Siemens. Mas não apenas no sentido figurado. A nova estratégia do grupo, adotada globalmente, é focar no setor energético, o que vem acontecendo também no Brasil. Em maio, a empresa anunciou um conjunto de metas para 2020.
O setor de óleo e gás vai receber mais destaque, em detrimento dos mercados de saúde e metalurgia, nos quais a empresa também atua. “Continuaremos a fortalecer nossos negócios principais e a preparar a Siemens para uma nova etapa de desenvolvimento”, afirmou, em teleconferência, o executivo Joe Kaeser, CEO global da companhia. Nos Estados Unidos, o alvo são as empresas que atuam na extração do gás de xisto, o combustível que está revolucionando o setor energético americano. Já no Brasil, segundo Stark, a geração e a distribuição de energia estão no topo das prioridades. Desde que assumiu, o CEO mundial Kaeser vem intensificando a estratégia de aquisições da Siemens.
Uma delas, em particular, se reveste de extrema importância para o Brasil: a da divisão de energia da americana Rolls-Royce, por US$ 1,8 bilhão, concluída em maio deste ano. Na quinta-feira 16, Stark apresentou, em um evento realizado pela Associação de Engenheiros Brasil Alemanha, novos produtos desenvolvidos pela Siemens para o setor. “Estamos criando soluções totalmente digitalizadas e fazendo o mesmo com nosso portfólio atual”, disse. “A demanda dos nossos clientes é por sistemas que garantam a captura e a análise de dados.” Esse tipo de tecnologia está em linha com o conceito de rede inteligente (smart grid), modelo de distribuição de energia que transforma as redes elétricas em redes de dados, semelhante às de telefonia.
No ano passado, mesmo com toda confusão gerada pelo acordo de delação premiada, a Siemens colheu bons resultados no Brasil . Seu faturamento chegou a R$ 5,4 bilhões, alta de 13,5% em relação a 2012. Os investimentos ficaram na média dos últimos anos, de R$ 100 milhões. A companhia inaugurou a sua 14ª fábrica no País, em Jundiaí (SP). “O escândalo do cartel afetou, sim, a nossa imagem”, afirma Stark. “Mas quem conhece a Siemens sabe que foi apenas um deslize, protagonizado por algumas poucas pessoas, que não fazem mais parte da empresa.”