Os executivos brasileiros do McDonald’s, maior rede de fast-food do mundo, comemoraram um fato inusitado durante as ondas de protestos que tomaram conta de várias cidades do Brasil, em junho do ano passado. Nenhuma loja da cadeia de lanchonetes havia sido depredada por “black blocs”, como aconteceu com os bancos Itaú e Bradesco. Considerada um símbolo do imperialismo americano, a dona do Big Mac sempre esteve entre os alvos principais nesse tipo de protesto. Apesar da felicidade dos executivos brasileiros, que acreditam terem conseguido nacionalizar a marca, esse desinteresse dos manifestantes indica uma outra faceta: a queda de sua atratividade junto aos consumidores, traduzida diretamente na queda nas vendas. 

 

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Calvário: parte da obra “The End of Fun”, dos artistas britânicos Jake e Dinos Chapman,

que mostra o palhaço Ronald, mascote do McDonald’s, crucificado

 

“Perdemos relevância”, afirmou Don Thompson, CEO mundial do McDonald’s, durante conferência com investidores, na quinta-feira 16. “Precisamos recuperar a confiança dos clientes.” A declaração de Thompson veio acompanhada do anúncio de mais um resultado decepcionante. O lucro e o faturamento da empresa permaneceram estáveis no quarto trimestre do ano passado, apresentando ligeira alta de 2% no acumulado do ano, para US$ 5,5 bilhões e US$ 28,1 bilhões, respectivamente. Nos Estados Unidos, seu maior mercado, as vendas caíram 3,8% em 2013. Na Ásia, o recuo foi de 2,1%. Thompson, que está há apenas 18 meses no cargo, vem enfrentando pressões para melhorar os números da companhia sediada em Oak Brook, no Estado americano de Illinois. 

 

As vendas no trimestre caíram 0,1% e a estimativa para os primeiros três meses de 2014 é de estabilidade. Se a previsão for confirmada, o McDonald’s completará seis trimestres seguidos sem crescimento expressivo nas vendas. O tradicional cardápio da lanchonete, que tanto dinheiro rendeu até aqui, é apontado como o grande vilão nessa crise. Apesar do sucesso de clássicos como o Quarteirão e o Cheddar McMelt, a demanda por alimentos mais saudáveis e um maior refinamento do gosto dos consumidores torna o McDonald’s a terceira ou quarta opção para o almoço. A própria rede recomendou aos seus funcionários, em nome da preservação da saúde, que evitem consumir diariamente seus calóricos lanches.

 

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Don Thompson, CEO: “nosso desafio é recuperar a confiança

dos consumidores. Perdemos relevância nos últimos anos”

 

Na tentativa de recuperar a preferência dos consumidores, a empresa está alterando o cardápio e busca associar sua marca a produtos de melhor qualidade alimentícia. As consequências mais relevantes dessa mudança de postura são vistas fora dos Estados Unidos. Em alguns países europeus, como França e Reino Unido, a empresa chegou a mudar a cor do seu famoso logotipo amarelo e vermelho para verde. A imagem da rede McDonald’s na questão da saúde foi especialmente abalada após o chef britânico Jamie Oliver denunciar o uso de um ingrediente pouco indicado para o consumo humano, inexplicavelmente aprovado pelas agências sanitárias americanas, nos hambúrgueres da lanchonete: uma espécie de sobra de carne bovina, tratada com hidróxido de amônia. 

 

Pouco tempo depois, a companhia anunciou que estava retirando o ingrediente da receita. No Brasil o desafio é o mesmo. O mercado de fast-food está em franca expansão no País. Segundo pesquisa da consultoria britânica Mintel, o setor faturou no ano passado cerca de R$ 50 bilhões. A expectativa é de alcançar R$ 75 bilhões até 2018. Um em cada dez brasileiros afirma comer em uma rede de comida rápida todos os dias. Ao mesmo tempo, o brasileiro está ficando mais exigente quanto à qualidade dos alimentos. “O peso do fator saúde na escolha da refeição, no Brasil, é o mesmo dos fatores sensoriais, ou seja, do gosto”, afirma Enzo Donna, analista da consultoria ECD, especializada em serviços de alimentação. 

 

“As redes estrangeiras precisam se adaptar ao gosto local.” As lanchonetes do grupo no País já oferecem em seu cardápio, além de saladas, maçã como sobremesa e sucos. “Lançamos nossa primeira salada em 1998”, afirma Roberto Gnypek, vice-presidente de marketing da Arcos Dourados, holding que opera as lanchonetes do McDonald’s na América Latina. “Hoje esse tipo de produto é ainda mais importante.” Para os executivos da operação brasileira, passar por uma onda de protestos sem nenhum arranhão é a prova de que a estratégia já está dando resultado. Em 2012, o faturamento da companhia no Brasil cresceu 11%, para US$ 1,8 bilhão. O paradoxo dessa situação é que a salvação da rede, que globalizou o junk food, está, justamente, na adoção de uma dieta balanceada.

 

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