Se o petista Antonio Palocci tivesse de escolher um número da sorte e outro de azar, seriam dois e cinco, respectivamente. O primeiro equivale ao intervalo de dois anos em que conquistou diferentes cargos eletivos (vereador, deputado e prefeito) no início da sua carreira, numa indicação da habilidade de articulador que mais tarde o alçaria aos principais postos da administração pública federal na Era PT. Já os cinco anos representam a distância entre os escândalos que mancharam a trajetória política do médico paulista.

O primeiro foi em 2006, quando deixou o Ministério da Fazenda de Lula, no caso de quebra de sigilo do caseiro Francenildo Costa. O segundo, em 2011, como chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff, com a divulgação dos ganhos obtidos com negócios de sua consultoria. No mais recente, foi preso temporariamente na segunda-feira 26 por suspeita de atuar em favor do partido no período em que esteve no governo ou próximo dele, entre 2006 e 2013. Trata-se do segundo ministro da Fazenda de administrações petistas a ser preso.

Uma semana antes, integrantes da força-tarefa da Operação Lava Jato conduziram Guido Mantega, mais longevo titular da pasta, por acusações semelhantes, liberando-o mais tarde por decisão do juiz federal Sérgio Moro. A investigação fecha o cerco contra as figuras econômicas do PT e revela mais do que apenas ações controversas de indução do desenvolvimento pensada pelo grupo. Na terça-feira 27, Paulo Bernardo, ex-ministro do Planejamento engrossou a lista dos implicados ao se tornar réu no Supremo Tribunal Federal (STF) sob a acusação de ter usado o cargo para conseguir recursos destinados à campanha da mulher, a senadora petista Gleise Hoffmann, ex-ministra da Casa Civil de Dilma Rousseff, e ré no mesmo processo.

Um dos delatores da Lava Jato acusa ainda o ex-presidente do BNDES, Luciano Coutinho, de pedir uma contribuição ao partido na eleição de 2014. Na denúncia contra Palocci, a Procuradoria atribui ao ex-ministro operações irregulares para favorecer o grupo Odebrecht em quatro episódios: na obtenção de contratos de sondas da Petrobras, numa medida provisória de benefícios fiscais, em negócios do programa de submarinos do governo e em financiamentos do BNDES para obras em Angola. Os indícios partiram de materiais colhidos na lista da empreiteira com nome de políticos, na área que ficou conhecida como “departamento da propina”.

Para os investigadores, as operações relativas ao ex-ministro eram referidas como “italiano”, alcunha que deu nome à operação, de Omertà, código da máfia italiana. Pelas suspeitas, Moro determinou o bloqueio de R$ 128 milhões nas contas de Palocci, de dois assistentes, além de sua empresa, a Projeto. O Banco Central confirmou o congelamento de R$ 814 mil na conta do ex-ministro e R$ 30 milhões da consultoria. A Polícia Federal também atribui ao ex-chefe de gabinete de Palocci, Juscelino Dourado, o recebimento de R$ 48 milhões, conforme a sigla “JD” na planilha de repasses da empreiteira, descartando a suspeita inicial de que as letras se referiam a José Dirceu.

A consultoria Projeto foi o pivô do escândalo que rendeu sua demissão como chefe da Casa Civil, em 2011, quando uma denúncia da Folha de S.Paulo revelou a multiplicação do patrimônio graças aos serviços como consultor. Apenas em 2010, a empresa faturou R$ 20 milhões. Num depoimento de quatro horas, Palocci negou que o apelido “italiano” fizesse referência a ele, alegou ter votado contra a medida provisória suspeita e negou ter atuado junto ao BNDES. Na sexta-feira 30, a Polícia Federal reforçou as acusações e pediu a tranformação de prisão temporária em preventiva por suspeitas de que houve tentativa de destruir provas na operação.

As defesas do casal Hoffmann e Bernardo alegaram incoerências nas acusações. Em comum, as autoridades da área econômica cultivam relação próxima com empresas, como é inerente aos cargos. Os acusados terão de provar agora que não buscaram vantagens indevidas. Independentemente dos processos, especialistas chamam atenção para a necessidade de uma mudança de cultura. “É preciso que a sociedade cobre que as pautas das agendas sejam mais transparentes”, afirma Marcelo Figueiredo, professor de Direito Constitucional da PUC-SP. O recado parece chegar tarde para os envolvidos na Lava-Jato.