A disputa pela presidência da Fifa, entidade que comanda o futebol mundial, tinha tudo para ser uma das mais acirradas da história. A eleição, que será definida nesta sexta-feira, dia 29, começou com quatro candidatos no páreo: Joseph Blatter, o atual titular, no comando desde 1998; Michael van Praag, presidente da confederação holandesa, o preferido da ala reformadora, integrada, principalmente, por federações europeias; o príncipe Ali bin Al-Hussein, que dirige o futebol na Jordânia, mas goza de pouco prestígio entre os cartolas de outras regiões; e o ex-jogador português Luis Figo, um franco atirador que representava os interesses dos jogadores.

Uma semana antes da abertura das urnas, no entanto, Figo e Van Praag, em um movimento surpreendente, retiraram suas candidaturas. “Isso aqui é qualquer coisa, menos uma eleição”, afirmou o craque português, ídolo do Real Madrid e da Inter de Milão. “Recuso-me a participar de um processo cujo único objetivo é entregar o poder a um só homem.” As críticas de Figo encontram respaldo, justamente, na maneira como é escolhido o presidente da Fifa. Cada um dos 209 países membros da entidade tem direito a um voto. O que, aparentemente, seria democrático, na verdade, cria as condições para que o atual mandatário se perpetue no poder, com facilidade.

A questão é que o Brasil, com 200 milhões de habitantes, cinco vezes campeão do mundo, tem o mesmo peso de federações menores, como Trinidad e Tobago, Butão e República Dominicana. Uma complexa rede de favores pessoais e financiamentos a federações praticamente inexpressivas no mundo do futebol garantem a Blatter a quantidade de votos suficientes para a eleição. Não por acaso, o suíço chegou a ser comparado, por Osiris Guzman, presidente da federação dominicana, a Nelson Mandela, Winston Churchill e Jesus Cristo. “No que Blatter é diferente dessas outras figuras”, questionou Guzman, antes de ser flagrado vendendo seu voto, em 2011.

Caso presidisse um país democrático, em vez de uma entidade privada, Blatter estaria correndo sério risco de não vencer as eleições. Nos últimos anos, a Fifa vem sendo alvo de diversas denúncias de corrupção. Os casos mais rumorosos envolvem desde a costumeira compra de votos no processo de escolha das sedes da Copa do Mundo, até esquemas fraudulentos de venda de ingressos. Na semana da final da Copa de 2014, em julho, a polícia civil do Rio de Janeiro, por exemplo, prendeu o britânico Raymond Whelan, principal executivo da Match, empresa que detinha os direitos de comercialização de pacotes Vips para o torneio, e outras 11 pessoas.

Whelan era acusado de comandar uma quadrilha que desviava ingressos destinados a autoridades e os repassava ao público, acima do preço normal. Ele ficou um mês preso. Em fevereiro, no entanto, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro retirou as acusações. A Match pertence aos irmãos mexicanos Jayme e Enrique Byrom, aliados de longa data de Blatter. O processo contra os demais indiciados, incluindo o número dois da companhia, o franco-argelino Mohamoud Lamine Fofana, continua em andamento. Procurado, o Ministério Público do Rio não quis se pronunciar. O delegado Fábio Barucke, que realizou as investigações, também não se pronunciou.

Casos como esse, que colocam Blatter no centro de escândalos, parecem nem arranhar sua reputação. Já a imagem da Fifa não está imune. Prova disso é que a entidade perdeu cinco dos seus principais patrocinadores desde o final da Copa do Mundo do Brasil: Sony, Emirates, Castrol, Continental e Johnson & Johnson. A desistência desses nomes coroados não se deu por conta de um suposto fracasso do torneio. Ao contrário. A Copa passada foi a mais bem-sucedida da história. Somente a Fifa faturou com o certame R$ 16 bilhões, o maior valor de todos os tempos.

As marcas que permanecem apostando na entidade estão tendo de responder a questionamentos sobre a ética das escolhas da Fifa. Em especial a respeito da Copa do Mundo de 2022, que deve ser realizada no Catar. O país árabe é acusado de favorecer o trabalho escravo. A alemã Adidas afirmou, em comunicado, que está em constante diálogo com a Fifa sobre o assunto. A Visa segue a mesma linha e diz, em nota, que cobra da entidade ações para remediar a situação. Já a Coca-Cola afirmou esperar que a Fifa continue a levar o assunto a sério. A polêmica em torno da primeira Copa realizada no mundo árabe não se resume às condições no país sede. Após as denúncias de corrupção envolvendo a escolha do Catar para 2022 e da Rússia para a Copa de 2018, a Fifa contratou Michael Garcia, um ex-promotor americano, para elaborar um dossiê sobre o processo.

No dia da divulgação do relatório, que inocentou os dois países, em novembro do ano passado, Garcia emitiu uma declaração dizendo que o documento apresentado estava incompleto e incorreto e que não traduzia o que realmente fora apurado. Nada disso é suficiente para atravessar a blindagem que protege Blatter. “Ele criou um sistema imperialista no futebol”, afirma Andrew Jennings, jornalista escocês autor de vários livros sobre os bastidores da Fifa, entre eles o best seller “Jogo Sujo” (Panda, 2011). “O impressionante, é que, ao contrário da Inglaterra, não precisou disparar nenhum tiro.”

Não é justo, no entanto, creditar apenas às nações de menor expressão no futebol a responsabilidade pelo poder de Blatter. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF), por exemplo, é notória aliada do dirigente. Segundo Jennings, esse modelo de gestão, na verdade, começou com o brasileiro João Havelange, que presidiu a Fifa de 1974 até 1998. Na semana passada, o jornal O Estado de São Paulo divulgou documentos que mostram como o ex-presidente da CBF Ricardo Teixeira, ex-genro de Havelange, praticamente vendeu a Seleção Brasileira a patrocinadores.

Contratos firmados com a empresa ISE, com sede nas Ilhas Cayman, garantem aos empresários controle total sobre a escalação e a convocação de jogadores. O modelo seguiu em vigor após a queda de Teixeira, que deixou o comando para o ex-governador biônico de São Paulo José Maria Marin. “Essas transações milionárias, com empresas de fachada em paraísos fiscais, são feitas longe dos olhos da Receita Federal”, afirmou o craque e senador Romário, em sua página no Facebook. “Não há alternativa, ou esses caras são presos, ou eles continuarão sugando o futebol brasileiro, até sua morte definitiva. O que já não está muito longe.” Procuradas, CBF e Fifa não responderam aos pedidos de entrevista.