22/08/2014 - 20:00
A ThyssenKrupp, o bicentenário conglomerado industrial alemão, passou por diversos períodos de bonança e por outros extremamente críticos. Mas poucos momentos testemunharam uma ameaça tão grande para a sua sobrevivência quanto um investimento malsucedido realizado no Brasil, na última década. Com o plano de se tornar a maior produtora global de aço, o grupo decidiu instalar a Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), um investimento de € 5,2 bilhões no Rio de Janeiro. O objetivo era fornecer a matéria-prima que seria laminada no Alabama, nos Estados Unidos, e que abasteceria a demanda do setor automobilístico americano.
Mas um atraso de três anos no cronograma da construção, aumentos no custo da mão de obra, e perda de valor do real diante do dólar, somados à crise econômica do final da década passada global e à queda de 50% no preço do aço, tornaram o empreendimento deficitário desde a sua entrada em operação em 2010. Com tantos problemas, o caixa da empresa foi penalizado e afetou toda a sua operação global, que fatura € 40 bilhões anualmente. A saída tentada inicialmente foi a venda da CSA, alternativa que chegou a atrair a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), do empresário Benjamin Steinbruch.
No entanto, o processo esbarrou nos valores oferecidos, abaixo do desejado. Refazendo-se das perdas e com a contratação de um novo CEO em 2011, o executivo Heinrich Hiesinger, recrutado na Siemens, a empresa interrompeu as negociações de venda da CSA e agora parte para um momento de reestruturação global e local. Nos planos do novo CEO, a operação da CSA será lucrativa já no próximo ano fiscal, que se inicia em outubro, condição para uma eventual retomada das negociações para sua venda. O fracasso da CSA, no entanto, deixou lições. “Demoramos muito para aceitar a realidade e sacrificamos negócios por isso”, diz Hiesinger. “Agora, estamos estimulando uma maior rapidez na tomada das decisões.”
Enquanto aguarda a prometida lucratividade, a CSA terá uma produção anual em torno de quatro milhões de toneladas de aço, a metade da qual se destinará a suprir a demanda da laminadora no Alabama, vendida pela ThyssenKrupp para a indiana ArcelorMittal e para a japonesa Nippon Steel & Sumitomo Metal. Dessa forma, a produção ficará abaixo da capacidade total de cinco milhões de toneladas. Uma das causas para os problemas no início da operação é creditada, por Hiesinger, à tentativa da antiga direção de alcançar rapidamente um forte nível de produção com uma equipe ainda inexperiente. Ao mesmo tempo que a CSA se reajusta, a trajetória da bicentenária empresa, que já no século 19 vendia máquinas para dom Pedro II, precisa continuar no Brasil.
No ano passado, ela começou a transformar a operação local em uma estrutura integrada. Havia 15 empresas separadas, que se reportavam à matriz. O primeiro passo foi criar uma equipe administrativa única, liderada pelo CEO, Michael Höllermann, que agora terá o seu campo de responsabilidades aumentado. Na segunda-feira 18, a empresa anunciou que o escritório brasileiro gerenciará todas as operações na América Latina. O objetivo é encontrar as oportunidades que não eram percebidas a partir da matriz alemã, integrar as ofertas locais e ampliar o número de contratos de serviços que podem ser compartilhados por unidades diferentes.
Entre as atividades em que a ThyssenKrupp atua no País estão o fornecimento de equipamentos para a construção de fábricas e o seu tradicional negócio de elevadores. A estratégia está em linha com o redirecionamento global da empresa, que reduziu de 50% para 30% a participação do negócio de siderurgia em seu faturamento. No Brasil, que responde por um faturamento de R$ 8 bilhões, a empresa conduz um plano de investimentos de R$ 450 milhões, que se estenderá até 2016. O maior deles, de R$ 100 milhões, será destinado a uma fábrica de tampas de cabeçotes para motores automotivos, erguida em Poços de Caldas (MG). Há ainda ampliações na produção de componentes para a Embraer, em Taubaté (SP), e em sua metalúrgica, em Campo Limpo Paulista (SP).
Outro projeto prevê a duplicação da capacidade de produção de elevadores, em Guaíba (RS), por conta da expectativa de demanda em obras de infraestrutura, como os aeroportos. “O ritmo de investimentos vai seguir de acordo com a economia e a demanda”, diz Hiesinger. O executivo afirma não temer, no longo prazo, uma economia com riscos de estagnação, como a atual. “Os fundamentos do Brasil são bons. Mas aqui, quando as coisas vão bem, as pessoas ficam otimistas demais e, quando vão mal, o mau humor é extremamente exagerado.” Ele sabe do que está falando: afinal, sua empresa atravessou duas guerras, quase foi liquidada na Segunda, por sua colaboração com o regime nazista, e sobreviveu.