No coração financeiro da Cidade do Panamá, um shopping com vitrines da Chanel e da Prada e serviço de manobrista na entrada principal, semelhante aos de hotéis sofisticados, destaca-se pela opulência. A fachada do Soho Mall, composta ainda por duas gigantes torres comerciais, contrasta com o imóvel sem charme de três andares da quadra à frente, onde fica a sede da Mossack Fonseca, que ganhou fama por abrir empresas de fachada para autoridades, celebridades e negócios de origem suspeita por todo o mundo.

Como pivô do escândalo Panama Papers, que revelou a identidade dos proprietários dessas empresas, o prédio do grupo de advocacia chegou a atrair turistas estrangeiros que visitavam a capital, mas nunca despertou muita atenção dos panamenhos. Para a maior parte deles, trata-se de apenas mais um dos escritórios que atuam no registro de offshores, menos relevante do que a preocupação maior do momento: o escândalo do conglomerado por trás do suntuoso shopping, o Grupo Waked, acusado de lavar dinheiro do tráfico de drogas.

No quarteirão seguinte, é possível entender a causa das preocupações. No Balboa Bank, um dos negócios do Waked, avisos de papel ofuscam o luxo da entrada, advertindo os clientes sobre a intervenção feita pelas autoridades depois que o grupo entrou para a lista negra do tráfico dos Estados Unidos. O conglomerado é um dos maiores nomes do setor privado nacional. Reúne 68 negócios, desde o setor imobiliário até uma participação no aeroporto do Panamá, e emprega ao menos 6.000 funcionários no país, o equivalente a cerca de 30% do total de trabalhadores do mercado financeiro.

Apenas as três principais redes de varejo do conglomerado somam 237 lojas em 14 países da América Latina. Ao ser associado aos delitos, o grupo do empresário libanês Abdul Waked ficou proibido de ter qualquer relação comercial com americanos e passou a ser alvo de sanções financeiras e penais. A companhia classifica as acusações de falsas e infundadas e afirma estar cooperando com as autoridades para resolver o caso. Os efeitos das denúncias e das sanções têm sido devastadores não apenas para o grupo, como também para os seus sócios.

A administradora do terminal internacional teve de adiar uma emissão de US$ 625 milhões de bônus e renegociar os termos da remuneração. A Associação de Bancos do Panamá se viu forçada a emitir um comunicado reforçando a robustez e a solvência das instituições financeiras. “A situação particular de uma entidade não representa uma condição geral do sistema bancário”, afirmou. A Câmara de Comércio e Indústria do Panamá manifestou preocupação com os empregos gerados pelas atividades do grupo e exortou as autoridades a trabalharem para mitigar as incertezas geradas pela situação.

As investigações viraram tema prioritário no governo. O temor é o efeito que a paralisia do grupo e a repercussão em outras empresas podem ter na economia. O PIB do Panamá, de US$ 52 bilhões, representa 3% do produto brasileiro, e deve crescer 6% neste ano. Em declaração recente, o Ministro de Finanças, Dulcidio De La Guardia, admitiu que o caso preocupa mais do que o escândalo do Panama Papers. A visão é compartilhada por outros especialistas.“O Panama Papers foi um escândalo artificial, um show”, afirma Tiburcio Rodriguez, professor de Direito da Universidade do Panamá “O problema com o Waked é mais sério porque afeta muitas empresas no Panamá.”

Até a última semana, por exemplo, havia dúvidas se as lojas poderiam continuar operando no Soho Mall. As licenças foram prorrogadas por um ano. Do outro lado da rua, a Mossack segue funcionando normalmente e já não atrai turistas como no auge do escândalo do Panama Papers, no início de maio. Nem por isso, está distante de figurar novas acusações no exterior. Na quarta-feira 7, com a operação Caça-Fantasmas, a Polícia Federal do Brasil voltou a associar seu nome à criação de offshores suspeitas, ao lado do banco panamenho FPB Bank. Por mais que a companhia deixe o negócio de registro de offshores, outros escritórios devem continuar a prestar o serviço.

E, ainda que a criação de sociedades anônimas no Panamá tenha caído 30% neste ano – a desaceleração começou antes dos escândalos –, há poucos sinais de mudanças estruturais suficientes para afastar o risco de escândalos com outros grupos locais no futuro. Isso não parece incomodar os panamenhos. Enquanto nas ruas há até quem levante a hipótese de motivações políticas no caso Panama Papers, uma maioria crê que as regras do país garantem a transparência e avalia a questão das offshores como um problema global. “Há muita hipocrisia, porque há uma grande quantidade de países que não têm controle sobre o registro de empresas”, afirma Rodriguez. “Se não tivese um mercado para as offshores, elas não seriam criadas.”