28/10/2016 - 20:00
O verão se aproxima, com temperaturas elevadas e chuvas repentinas, trazendo consigo uma das maiores preocupações da saúde pública brasileira, a proliferação do “odiado do Egito”, tradução do nome científico do mosquito Aedes aegypti. Ele não foi batizado assim sem razão. Inseto extremamente resistente e com grande capacidade de adaptação, o Aedes foi, no início do século passado, responsável pelos surtos de febre amarela que isolaram o Rio de Janeiro do comércio e do turismo internacional. Praticamente erradicado nos anos 1960, ele voltaria ainda mais perigoso.
Além da febre amarela, ele se tornou um vetor da dengue. Mais recentemente, também passou a transmitir infecções pelos vírus da chikungunya e da zika. Este último foi comprovadamente responsável por 267 casos de microcefalia entre crianças brasileiras, segundo dados do Ministério da Saúde de julho. Um mosquito capaz de roubar o futuro de 267 cidadãos recém-nascidos deveria constar do topo da lista de inimigos públicos. Porém, o corte de gastos e os descalabros administrativos reduziram a eficácia das campanhas de prevenção.
Pior, a persistente seca no verão passado levou muitas pessoas a armazenar água de maneira improvisada em casa, elevando a incidência do Aedes e os casos de contaminação. O que fazer para conter essa praga? Além de o poder público não ter a opção de desanimar nas campanhas de prevenção e nas aplicação das medidas tradicionais, é necessário investir em novas tecnologias. Uma delas teve sua eficácia demonstrada na quarta-feira 26, quando a Oxitec do Brasil, subsidiária de uma empresa inglesa, inaugurou, em Piracicaba, uma fábrica de mosquitos transgênicos.
Desenvolvidos na Inglaterra no ano 2002, esses mosquitos saem dos ovos com um defeito genético que os torna incapazes de sobreviver sem doses diárias do antibiótico tetraciclina. Os machos do Aedes são inofensivos para o ser humano. O risco vem das fêmeas, que precisam de sangue em grande quantidade para desenvolver seus ovos. Ao picarem, elas disseminam o vírus. Pela solução da Oxitec, os machos são lançados na natureza. Fecundam as fêmeas e morrem em apenas dois dias. A prole, que nasce com o mesmo defeito genético, não vai além da fase de larva.
Morrendo antes de poder voar, os mosquitos não espalham o vírus. Engenhosa, a ideia dizima as populações de Aedes. Uma aplicação concentrada no início deste ano foi capaz de reduzir em 91% a infestação do Aedes no bairro Cecap, em Piracicaba. Os casos de dengue, claro, caíram na mesma proporção. A ideia não é barata. Sua vantagem é a simplicidade e a rapidez. Desenvolver o mosquito com um defeito genético demandou tempo e dinheiro de pesquisas. Criar milhões de mosquitos e lançá-los em áreas infestada de dengue é rápido.
Para montar um criadouro localizado de mosquitos bastam alguns metros quadrados, água, reagentes químicos e vasilhames baratos de plástico. Algo que pode evitar casos trágicos como os do interior do Nordeste no início do ano passado, em que famílias de baixa renda foram atingidas por casos graves de microcefalia. E que mostra como o investimento correto em tecnologia, no caso, o desenvolvimento do mosquito transgênico, pode ter consequências muito benéficas para a saúde pública e para a cidadania.