08/07/2016 - 20:00
O empresário baiano Fabrício Bloisi mal havia terminado o curso de ciência da computação, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), quando resolveu criar a Movile, em 1998. No começo, a startup ocupou uma pequena sala da incubadora mantida pela prefeitura de Campinas e desenvolvia soluções e conteúdo para mensagens enviadas por SMS. Quase 20 anos depois, a Movile ganhou o mundo e é uma das mais internacionalizadas startups do Brasil. O seu aplicativo infantil PlayKids está em mais de 102 países e é usado por 17 milhões de famílias ao redor do globo.
A companhia tem ainda operações no México, Colômbia, Venezuela e Vale do Silício, a região onde estão as mais importantes empresas de tecnologia e internet do planeta. Nos últimos três anos, a empresa de Bloisi recebeu mais de US$ 140 milhões em investimentos, de fundos como o sul-africano Naspers e o Innova Capital, que tem entre os seus investidores o bilionário brasileiro Jorge Paulo Lemann, homem mais rico do Brasil e dono de ícones americanos como o Burger King, a Kraft Heinz e a AB InBev, a maior cervejaria do mundo.
“Sonhei em criar uma empresa global desde quando éramos apenas duas pessoas: eu e meu sócio”, diz Bloisi, que, na semana passada, estava em uma série de reuniões na Inglaterra, Espanha, Holanda e Alemanha e terminaria a maratona corporativa em Wimbledon, em Londres, onde aconteceu o tradicional torneio de tênis. “Em quatro meses, vamos fazer um grande investimento na Europa e na América Latina”, afirma Bloisi, sem revelar detalhes. A trajetória da Movile ilustra um novo caminho trilhado pelas startups brasileiras.
Antes, elas se concentravam no mercado brasileiro, em especial na região Sudeste, onde está localizado o maior mercado consumidor do País. Mas isso não é mais suficiente para um grupo de empresas que começam a ganhar o mundo em busca de escala para suas soluções tecnológicas. É o caso do aplicativo Easy Taxi, que está em 17 países, ou da mineira Samba Tech, que desenvolve plataformas de vídeo, e abriu um escritório em Seattle, nos Estados Unidos, próximo à sede da Microsoft. A Associação Brasileira de Startups (ABStartups) estima que 7% das suas quatro mil empresas cadastradas têm atuação global.
A tendência, no entanto, é de crescimento. “Esse é um caminho sem volta”, diz Sergio Alexandre, sócio da consultoria PricewaterhouseCoopers. “Cada vez mais, as startups brasileiras vão ganhar o mundo.” A Movile surgiu como uma empresa de SMS, mas mudou seu foco para o desenvolvimento de aplicativos para smartphones. Com o dinheiro de investidores, ela foi às compras. Nos últimos seis anos, a startup fez 20 aquisições, sendo 15 delas em pouco mais de dois anos. Há três semanas, por exemplo, aportou R$ 13 milhões na mineira de venda de ingressos online Sympla.
Com o dinheiro de investidores, a Movile foi capaz de criar ou comprar alguns dos mais populares apps brasileiros, como o serviço de entrega de comida iFood, no qual aplicou R$ 135 milhões, e a Maplink, empresa de soluções de geolocalização para companhias, uma espécie de Waze empresarial, com atuação no Brasil, Argentina, Chile, Colômbia e México. “Quase todas as empresas brasileiras não pensam grande”, diz Bloisi, repetindo um bordão de Lemann. “É preciso fazer isso, além de inovar sem medo de errar.”
Foi o que fez o mineiro Gustavo Caetano, CEO da Samba Tech. Ele se reuniu com o indiano Satya Nadella, CEO global da Microsoft, em março do ano passado. Desse encontro, surgiu a ideia de ir para os Estados Unidos. Em 15 de junho deste ano, o escritório foi aberto em Seattle, com o lançamento do aplicativo de troca de mensagens corporativa Kast, um WhatsApp para empresas com recurso de vídeo. Em nove dias, a empresa conquistou 180 clientes, como a empresa texana de computação em nuvem Rackspace.
Até 2017, estima Caetano, 30% do faturamento da companhia virá desse sistema. A proximidade com a Microsoft se explica pelo fato de a Samba Tech usar o Azure, a plataforma de computação em nuvem da empresa. “Acreditava que não estava pronto para o mercado americano, mas estávamos ganhando dos players americanos na América Latina”, diz Caetano. “Por que não brigar no território deles?” Há algumas vantagens para se internacionalizar. Uma delas é atender a um mercado muito maior. Outro é ficar imune a crises econômicas de seu país de origem.
A terceira é o ganho de escala, pois o mesmo produto ou serviço pode ser replicado em qualquer país, com pequenas adaptações. “Para um aplicativo, o custo operacional é relativamente baixo”, afirma Jorge Pilo, CEO global da Easy Taxi, que conta com 370 mil taxistas usando sua plataforma. A mineira Hotmart, desenvolvedora de soluções de pagamento e comércio online, por exemplo, iniciou suas operações na Itália, França e Espanha neste ano.
“Essa presença na Europa fez a gente vender para 150 países”, diz João Pedro Resende, CEO e cofundador da Hotmart, que voltou da Espanha no fim de junho. Mas há algumas startups com sangue brasileiro que nascem fora do País. É o caso da ZipMesh, um aplicativo para compra e venda de produtos com certificado 100% orgânico na Califórnia, dos brasilienses Felipe Neuwald e Davi Neves, que iniciaram o negócio nos Estados Unidos. A empresa já opera em quatro cidades americanas e tem planos de atuar em 20.
A ideia é expandir-se para a Alemanha e, em breve, lançar o aplicativo no Brasil. “Foi uma decisão estratégica”, afirma Neves. Mas há barreiras, quando o assunto é globalização. O diretor-executivo da ABStartups, Rafael Ribeiro, cita a falta de fluência em inglês dos brasileiros como um entrave. Além disso, o dirigente critica a enorme burocracia brasileira, que prejudica o empreendedor. “O governo começa a olhar de forma diferente para as startups, mas ainda tem muito que melhorar para globalizar os negócios”, afirma Ribeiro.
—–
Made in Brazil
Startups brasileiras estão ganhando o mundo:
Movile
Fundada em 1998 para criar soluções de mensagens por SMS, a companhia mudou de rumo nos últimos quatro anos ao desenvolver aplicativos para celular, como o Playkids, presente hoje em mais de cem países. Após receber, nos últimos três anos, aportes de US$ 140 milhões, também investiu em outras companhias, como o iFood, TruckPad, Maplink, Rapiddo e Sympla.
Easy Taxi
O aplicativo de táxi nasceu no Brasil há cinco anos e já está presente em 17 países, incluindo América Latina e Oriente Médio.
Hotmart
Iniciou há dois meses suas operações na Itália, França e Espanha, com executivos já atuando nesses países e subsidiárias abertas. Com isso, a companhia que provê soluções de pagamento e comércio online conquistou clientes de 150 países. A expectativa é a de iniciar operações no México até o fim do ano.
Manifesto Games
Criada no Porto Digital, em Recife, recebe hoje até 60% de seu faturamento com negócios que conseguiu com clientes nos Estados Unidos e Europa.
Samba Tech
Especializa em plataforma de vídeos, a empresa abriu escritório em Seattle (EUA) no dia 15 de junho. Em parceria com a Microsoft, lançou o Kast, um aplicativo de comunicação usado em empresas. Em nove dias, conquistou 180 clientes, não só dos EUA, mas de várias partes do mundo.
ZipMesh
Fundada pelos brasileiros Felipe Neuwald e Davi Neves no início de julho, diretamente nos EUA. Eles desenvolveram um aplicativo para compra e venda de produtos com certificado 100% orgânico na Califórnia. Em um ano, eles pretendem obter um faturamento de US$ 4,7 milhões e expandir para Alemanha e Brasil.