09/10/2015 - 20:00
Houve um tempo, no Brasil, onde se ouviam histórias curiosas de empresários e políticos que enviavam o dinheiro de caixa dois para a Suíça. Ninguém os detinha e eles viviam felizes e ricos para sempre, como em um conto de fadas. Houve um tempo… Os últimos acontecimentos envolvendo corruptos notórios desmontaram essa fantasia. A ideia de que tudo permaneceria incólume, sem punição aos culpados, ficou na história. Aos fatos. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, é acusado de ter em seu nome e de parentes o equivalente a US$ 5 milhões em dinheiro de propina, repousando em contas suíças.
“Não tenho qualquer tipo de conta em qualquer lugar que não seja a conta que está declarada no meu imposto de renda”, diz o dirigente da Casa do Povo. Não é o que pensa o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que na quinta-feira 8 apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF) denúncia contra Cunha, por suposto envolvimento no esquema de corrupção na Petrobras investigado pela Operação Lava Jato. Na última semana, o Tesouro Nacional repatriou de contas na Suíça US$ 19 milhões depositados pelo ex-juiz federal João Carlos da Rocha Mattos.
Acusado de ser o articulador de uma organização criminosa que negociava decisões judiciais, desbaratada na Operação Anaconda, ele foi condenado a 17 anos de prisão. Estima-se que existam outros US$ 400 milhões bloqueados em contas relacionadas a ex-funcionários da Petrobras, na Suíça. O ex-gerente da estatal, Pedro Barusco, declarou na CPI da Petrobras, no primeiro semestre deste ano, que US$ 300 mil foram enviados pela SBM Offshore para o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto. Enquanto isso, autoridades brasileiras negociam com os colegas do país europeu a repatriação dos recursos desviados da estatal. E mais está por vir.
O que mudou, o Brasil ou a Suíça? Os dois. Está mais difícil esconder o dinheiro sujo da corrupção lá fora. O cerco se fechou. O responsável pelo Departamento de Direitos Internacional da chancelaria suíça, Valentin Zellweger, reconheceu há semanas que os suíços precisam aprimorar seu sistema financeiro para lidar com dinheiro fruto de atividade criminosa. No Brasil, a atuação do Ministério Público e da Polícia Federal não deixa dúvidas de que o jogo mudou. É um cenário, talvez, um pouco mais ameno do de há 25 anos, quando o ex-deputado socialista Jean Ziegler escreveu o livro “A Suíça lava mais branco”.
Na época, Ziegler dizia que “a Suíça é o principal local de lavagem de dinheiro do nosso planeta, o local de reciclagem dos lucros da morte”. Segundo ele, 27% da riqueza global está naquele país. Ziegler foi perseguido, alvo de nove processos e de uma campanha ruidosa da imprensa contrária às suas ideias. Recentemente, falou aos jornais sobre o escândalo de contas secretas do HSBC: “É apenas a ponta do iceberg”. Se, por um lado, enviar dinheiro ao exterior já não é mais tão fácil como antes, por outro ainda caminhamos lentamente para as origens do problema. Além da propina, do dinheiro escuso em licitações e obras superfaturadas, ainda padece-se da moeda ilícita das campanhas eleitorais.
Desde o impeachment do ex-presidente Collor até hoje, um dos grandes escoadouros de dinheiro clandestino é o caixa dois das sobras de campanha. É verdade que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em setembro, que partidos políticos e candidatos estão proibidos de receber doações de empresas privadas. Mas ainda é pouco. Uma legislação e um controle mais duros sobre os partidos evitariam problemas futuros. Nesse cenário, uma coisa parece certa: as autoridades suíças parecem mesmo dispostas a colaborar. Não querem mais a pecha de ser o lugar seguro para o dinheiro sujo do planeta. Devem se contentar com a fama do melhor chocolate do mundo.