Em apresentações a investidores e empresários, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tem externado com frequência seu incômodo com o que passou a chamar de “eventos não econômicos”. A expressão é a forma sutil  que Levy encontrou para, em tom mais elevado, reclamar daquilo que analistas econômicos apontam hoje como o principal entrave para a recuperação da atividade no País: a crise política. O desentendimento entre o Executivo e o Congresso dificulta a aprovação de medidas do ajuste fiscal e conturba o já abalado nível de confiança de consumidores e empresários. A tensão em Brasília alcançou o ápice com o rebaixamento da nota de risco do Brasil pela agência de classificação Standard & Poor’s (S&P), no mês passado. A desclassificação despertou no Planalto um senso de urgência e levou a equipe econômica a preparar, às pressas, uma nova ofensiva de reforço das contas públicas. Mais uma vez, a política figurou como entrave, com parlamentares da base rechaçando boa parte das medidas anunciadas. Sufocada há nove meses pelo Congresso, a presidente Dilma Rousseff  capitulou na semana passada ao principal partido aliado, o PMDB, e distribuiu cargos na esperança de retomar a governabilidade e se blindar do risco de um eventual impeachment.

“Precisamos de estabilidade política para fazer o País voltar a crescer”, afirmou a presidente na sexta-feira 2, ao anunciar a recomposição da equipe. “Estamos tornando nossa coalizão mais equilibrada.” Para alinhar o troca-troca dos ministérios, o ex-presidente Lula entrou em cena. Participou de reuniões em Brasília, ordenou um recuo do PT e um maior protagonismo do PMDB. Não por acaso, emplacou mudanças estratégicas que vinha defendendo desde os primeiros meses do segundo mandato da presidente.  O senador paulista Aloizio Mercadante, fiel escudeiro de Dilma, deixa a Casa Civil e vai para a Educação, dando lugar a Jaques Wagner, até então no Ministério da Defesa. Ao contrário de Mercadante, o ex-governador da Bahia é considerado um político habilidoso, com mais condições de lidar com o clima hostil que paira atualmente no Congresso. Wagner foi ministro de Relações Institucionais de Lula em plena crise do mensalão, em 2005, e contribuiu para conduzir o processo político que garantiu a reeleição do líder petista. A sombra de Lula se expressa também por meio da figura do ex-presidente do PT, Ricardo Berzoini, que assume a articulação política de Dilma, na nova Secretaria de Governo. 

O hostil PMDB ganha mais uma pasta, para um total de sete nomeados, apesar da redução na Esplanada. Dilma havia prometido, no início deste ano, cortar dez dos 39 ministérios, contrariando sua posição na época da campanha do ano passado. Mas, para dar conta das reivindicações dos duvidosos aliados conseguiu diminuir apenas oito. Secretarias com status de ministério, como as de Políticas para Mulheres e de Direitos Humanos, foram aglutinadas. Outras, como a Secretaria de Assuntos Estratégicos, deixam de existir. “A fusão de alguns ministérios tem um objetivo claro: fortalecer e dar maior eficiência e maior foco às políticas públicas”, afirmou Dilma. O PT perdeu a Saúde e as Comunicações, abrindo caminho para o PMDB e o PDT, respectivamente. A perda de espaço escancara a fragilidade do governo e o esforço para barrar um eventual impeachment na Câmara, onde são necessários 342 dos 513 votos para dar início ao processo de saída da presidente. “É uma situação complicada e que exige ação, não há alternativa”, afirma Valeriano Costa, professor de ciência política da Unicamp. “A saída é criar um círculo competente de ministros para as relações da pequena política, porque a grande política a presidente já perdeu.”  Para Costa, as mudanças corrigem um erro cometido na elaboração do ministério, no ano passado, quando Dilma relutou em nomear gente de sua confiança, uma mensagem que o ex-presidente Lula também deixou escapar nos últimos dias. 

As indicações do PMDB ficaram a cargo das lideranças da Câmara e do Senado. Eduardo Cunha e Renan Calheiros, respectivamente presidentes das duas Casas, fizeram coro ao vice-presidente, Michel Temer, com declarações públicas de recusa em apresentar nomes. “A reforma ministerial é de iniciativa da presidente da República e o que ela vai fazer ou não, eu não sei”, afirmou Cunha. “Continuo defendendo que meu partido saia do governo.” Apesar das declarações, o deputado Celso Pansera (PMDB-RJ), indicado para a Ciência e Tecnologia é visto como um nome próximo de Cunha e chegou a ser chamado de “pau mandado” do presidente da Câmara por um delator da Operação Lava Jato. As denúncias contra Cunha ganharam força na última semana com a confirmação de procuradores suíços da ligação do deputado com quatro contas secretas no exterior. As divergências internas na principal sigla da base atrasaram o anúncio das mudanças, só confirmadas na sexta-feira 2. Ao longo da semana, porém, ministros foram comunicados da saída. O titular da Saúde, Arthur Chioro, da cota petista, que havia se encontrado com Dilma para tratar do assunto na semana anterior, recebeu por telefone a confirmação de que seria exonerado. Renato Janine, recém-indicado para a Educação, também deixa Brasília. Mercadante, seu sucessor, será o terceiro ministro a assumir o cargo, em nove meses de governo. Na Saúde, a substituição coube a uma nomeação do PMDB:  o deputado Marcelo Castro, do Piauí. As mudanças não garantem apoio incondicional da base. Mas criam condições para que o governo, ao menos, sobreviva. De imediato, o Planalto precisa do Congresso para barrar a chamada pauta-bomba, aprovar a volta da CPMF, o imposto do cheque, e afastar a hipótese do impeachment, o maior dos riscos para Dilma. 

TESOURADA Do ponto de vista fiscal, a redução de ministérios anunciada na reforma não tem o mesmo potencial que a repercussão esperada pelas trocas de nomes na área política. Cálculos do próprio governo estimavam uma redução de, no máximo, R$ 200 milhões. A redução é defendida, porém, como um sinal de busca por uma máquina mais eficiente, para melhorar a gestão e o compromisso com a utilização racional dos recursos públicos. “É uma medida simbólica. A despesa não desaparece.”, afirma o presidente do Insper, Marcos Lisboa (leia entrevista na página 22). “Ao fechar ministério, ele vira secretaria, as pessoas são realocadas e a despesa continua. Mas o simbolismo é positivo diante de uma política pública muito ineficaz.” A reforma dos ministérios trouxe um novo esforço de cortes na administração pública. Os salários dos ministros serão reduzidos em 10%, 30 secretarias nacionais das pastas serão extintas e haverá limites de gastos com telefones, passagens aéreas e diárias. Contratos de aluguel e de serviços, como vigilância, serão revistos e imóveis em posse da União serão vendidos. O governo promete também eliminar 3.000 cargos de comissão e criará a Comissão Permanente de Reformas do Estado, para debater novas medidas. 

Empresários e analistas nutrem a esperança de que a reforma marque o início, de fato, do segundo mandato de Dilma. A sensação de paralisia se estende há nove meses. “Eu desejo que a situação política se resolva e que a gente possa focar mais a questão técnica”, afirma Marcio Utsch, presidente da Alpargatas. “O tema político é muito subjetivo.”  Desde o início do ano, executivos se queixam da sobreposição da política aos temas econômicos e se vêem obrigados a destacar funcionários para acompanhar mais de perto o dia a dia de Brasília. “O dado positivo é que o governo sabe do problema e quer agir, mas aí entra a questão política”, afirma o espanhol Luis Diez, gerente da consultoria Auxadi. “ Eu pessoalmente não queria me ver dependente do PMDB.” No texto de três páginas da S&P que comunicou o rebaixamento do Brasil, analistas da agência citam a crise política 11 vezes e alertam que a transição para uma condição de crescimento depende de uma melhora do clima em Brasília. 

Enquanto os impasses se arrastam, a economia se deteriora. O dólar, tido como termômetro do risco Dilma, subiu mais de 50%, para mais de R$ 4, a inflação beira os 10% e o País soma quase 1 milhão de vagas formais fechadas neste ano. Os dados fiscais mostram uma situação crítica, com um déficit de R$ 43,8 bilhões em 12 meses até agosto, ou 0,76% do PIB, ante a meta de 0,2% do PIB para 2015. Cresce também a percepção de que a crise terá efeito mais duradouro, com ao menos dois anos de recessão. Em meio às dificuldades, o setor externo é uma das poucas surpresas positivas, exceto para os importadores. O dólar nas alturas irá reduzir o déficit das contas com o exterior (transações correntes), de US$ 90 bilhões em 2014 para  US$ 70 bilhões em 2015. A balança comercial acumula um superávit de US$ 10,2 bilhões até setembro, o melhor saldo desde 2012, e o governo já prevê um resultado positivo de US$ 15 bilhões. Poderia ser uma luz para a economia, não fosse por um detalhe: o saldo atual decorre basicamente da forte queda das importações. A saída do fundo do poço econômico dependerá do desempenho da nova equipe de ministros e da capacidade do time de Lula, que entrou em campo para resgatar o governo do PT das ruínas do primeiro mandato de Dilma.