12/10/2013 - 7:00
Passaram-se praticamente duas semanas entre o pior e o melhor nas relações bilaterais Brasil/EUA, desde o estopim da crise de espionagem que abriu uma cratera no terreno político até a volta de entendimentos no campo comercial. Na manhã ensolarada de 27 de setembro, uma caravana de CEOs do Lide – organização que hoje reúne mais de 1.400 empresas sob o comando de João Doria Jr. – desembarcou em Miami para tratar do que realmente interessa: negócios. Mantendo ainda a condição de segundo maior parceiro brasileiro, para onde exportou mais de US$ 22 bilhões desde o início do ano e importou perto de US$ 15 bilhões, os EUA estão firmemente dispostos a incrementar esse fluxo e a buscar novas oportunidades.
Caravana: 120 CEOs brasileiros e americanos discutiram negócios
e oportunidades durante o encontro em Miami
É o que demonstrou, por exemplo, o governador da Flórida, Rick Scott, que ao lado de Doria anfitrionou os participantes do seminário internacional sobre relações econômicas e institucionais entre os dois países. Scott tratou de assegurar que o Brasil é um parceiro vital para a Flórida e também para os EUA. Lembrou que, estatisticamente, é o que mais compra imóveis no seu Estado; um dos que mais consomem no comércio e dos que mais gastam na Disney. Em suma, um aliado cujo papel não pode ser desprezado no resgate do mercado interno. “Em São Paulo, recentemente, deixei claro que todos que desejam fazer negócios na Flórida são bem-vindos.
Esperamos êxito de cada vez mais empresas brasileiras, como já temos aqui com Embraer, Odebrecht e tantas outras”, disse. Scott é daqueles políticos que trabalham com afinco para mudar o status de tratamento de nações latinas em seu território, tentando eliminar barreiras e burocracia. Um dos projetos mais marcantes que empreendeu foi o da redução de impostos e da desregulamentação para estimular a iniciativa privada a investir, especialmente a de capital estrangeiro. Como empreendedor de origem humilde, filho de caminhoneiro, fez carreira no ramo de seguro-saúde até seguir para a política.
“Me candidatei há três anos a governador porque queria mudar os rumos de nossa economia e tentei administrar o Estado como se administra o próprio negócio”, explicou ele. Nos primeiros anos da gestão de Scott, foram criados mais de 360 mil empregos. No 18º Meeting, Scott estava particularmente animado com as perspectivas trazidas pela caravana e arrancou risadas da plateia quando declarou que “o governo não faz nada. O papel dele é incentivar as pessoas a fazer e gerar negócios e empregos”. Palavras de incentivo nessa direção também vieram da prefeita de Bal Harbour, Jean Rosenfield, que fez uma declaração explícita aos brasileiros: “Vocês ajudaram a tornar nossa cidade especial.
Parcerias: o Embaixador Hélio Ramos, João Doria, o governador Scott e o artista
Romero Brito trataram de estimular parcerias em vários campos de interesse
Vamos dar continuidade a essa parceria para realizar sonhos ainda maiores”. A aldeia de Bal Harbour pertence ao condado de Miami-Dade, no Estado da Flórida, e é lá que hoje se instalam algumas das mais icônicas marcas da moda fashion. Nesse território, mesmo grifes brasileiras como Osklen fincaram sua bandeira e vêm colhendo gordos lucros em dólar. Na mesma rota, a Schutz, da Arezzo, dirigida pela família Birman, investiu US$ 4 milhões numa butique. No campo de artigos para casa, legendas nacionais como Ornare e Artefacto estão conquistando inclusive o público americano, com megalojas nos pontos mais exclusivos do balneário.
Nas redondezas de Aventura, a Artefacto acaba de inaugurar uma vistosa flagship store com cerca de 4,5 mil metros quadrados – a segunda unidade que ergue no Estado, onde planeja uma terceira filial até 2014. BOOM ECONÔMICO Como porta de entrada dos brasileiros, Miami vive uma espécie de boom econômico movido por esse fluxo, longe dos ventos de crise que assolou a região recentemente. Só para se ter uma ideia, a procura de brasileiros por imóveis residenciais em Miami e Orlando registrou uma alta de 42% no primeiro semestre do ano em relação ao mesmo período de 2012.
O empresário brasileiro Cristiano Piquet, da Piquet Realty, que atua na compra e venda de propriedades no Estado, e que esteve presente ao Meeting, fala em crescimento de 10% ao ano nas aquisições, especialmente de apartamentos com preço médio de US$ 300 mil, de três quartos e pouco mais de 100 metros quadrados. “Ainda é um preço bem inferior ao encontrado no Brasil para imóveis do mesmo porte”, alega. O futuro norte-americano em tempos de recuperação gradual parece tão radiante aos brasileiros quanto o céu azul que pairava naqueles dias sobre Miami. O preço de bens manufaturados, de automóveis a eletrônicos, tem atraído com tal força esse público que muitos adotaram a rotina de viajar para lá exclusivamente com o objetivo de dar vazão a seus hábitos de consumo.
O gasto per capita por brasileiro, contabilizava-se durante o Meeting, já é o maior de toda a Flórida. Bem como na meca cosmopolita de Nova York. A questão do momento é se o espinafrado chefe de Estado Obama e a sua interlocutora ofendida Dilma vão superar as divergências e abrir espaço para saltos ainda mais ambiciosos nesse corredor econômico. Não se pode, naturalmente, sublimar ofensas. Mas, como bem pontuou a presidente do Magazine Luiza, Luiza Helena Trajano, que participou da caravana de empresários, “se os políticos não trabalharem apenas em causas próprias, mas em prol do Brasil, o resultado, não só da economia, mas também de outras áreas, será outro”.
Rick Scott, governador da Flórida:
“Esperamos êxito de cada vez mais empresas brasileiras, como já temos aqui com Embraer, Odebrecht e tantas outras”
O mesmo vale para o lado contrário, dos EUA. A ouvir o desabafo de Luiza Trajano estavam vários políticos brasileiros, de diferentes colorações partidárias, entre os quais o governador de Goiás, Marconi Perillo, e os senadores Romero Jucá, José Agripino Maia e Cássio Cunha Lima, que divergiam sobre a responsabilidade do governo no baixo desempenho da balança bilateral nos últimos anos. Como bandeira do debate, Luiza e João Doria Jr. pregaram a ideia de os políticos trabalharem juntos para obter bons resultados, superando divergências. “O recado é que a política precisa tratar de convergir para o crescimento comum”, apontou Doria.
O anfitrião do encontro também abordou um assunto espinhoso: a exigência de visto no trânsito entre os cidadãos brasileiros e americanos. “É um completo despropósito o visto. A relação dos dois países passa pela diplomacia e ela não acontece quando ficamos em filas constrangedoras nos aeroportos americanos, como se os brasileiros viessem aqui pedir emprego. Hoje é capaz de ser mais fácil ocorrer o contrário. É preciso permitir que os povos se frequentem livremente.” A ele fizeram coro o governador Rick Scott e a prefeita de Bal Harbour, Rosenfield. “Acho que o fim da obrigatoriedade do visto é realmente significativa.
Afinal, mais do que gerar bons negócios com os brasileiros, queremos gerar bons relacionamentos, porque eles resultam em bons negócios”, disse Scott. O tema do visto já havia sido alvo de conversas diretas entre os presidentes Obama e Dilma num encontro que tiveram em abril passado. Na ocasião, acertaram o programa-piloto do Global Entry, que facilita a passagem pela imigração norte-americana de brasileiros que viajam frequentemente aos EUA a trabalho. Com o Global Entry, eles evitam as filas de controle de passaportes e podem procurar quiosques automatizados que ficam nos aeroportos.
Silvia Breda, diretora da Apex, calcula que de 20 a 30 empresas de TI brasileiras poderão operar nos EUA até 2015
No elegante salão de convenções do hotel Saint Regis, em Bal Harbour, diversas empresas de médio e grande porte participantes do Meeting estavam entre as candidatas que podem vir a se beneficiar desse Global Entry, dada a frequência com que seus executivos têm seguido para aquele país na prospecção de negócios. A Braskem, por exemplo, desenha a toque de caixa um novo projeto de gás de xisto nos EUA, onde já mantém funcionando um centro de inovação e uma unidade produtora de 350 toneladas de polipropileno. “No setor petroquímico, é um momento muito propício para investimentos nos EUA”, admite Marcelo Lyra, vice-presidente de relações institucionais e desenvolvimento sustentável da Braskem.
O banco BTG Pactual, no mesmo tom, está em entendimentos preliminares para uma investida no setor de gerenciamento de resíduos e saneamento ambiental. “Temos em curso alguns investimentos nos EUA e um dos nossos projetos mais importantes, voltado para a infraestrutura, é um aterro sanitário no Texas”, revelou Felipe Whitaker, vice-presidente do banco. A ideia ainda se encontra em fase embrionária, mas faz parte da estratégia do BTG de expandir para o mercado americano sua expertise como gestor de fundos private equity focados em infraestrutura.
Perillo, Lyra, Luiza e Edson Bueno: negócios com laranja, petroquímica, têxteis e planos de saúde na casa dos bilhões de dólares
Listam-se hoje pelo menos 150 empresas brasileiras com negócios efetivos e de porte nos EUA, entre elas os gigantes JBS, maior produtor mundial de carnes, e Ambev, que adquiriu as lendárias marcas Budweiser, de cerveja, e Heinz, de ketchup. “O mercado americano esquentou e há interesse na construção de um complexo WTC na Flórida”, admitiu o empreendedor Bruno Bomeny, outro dos participantes do Meeting que estavam ali interessados em ampliar fronteiras. Bomeny preside o grupo WTC Business Club, que já mantém uma unidade em São Paulo. Na via contrária das companhias norte-americanas animadas com as perspectivas do mercado brasileiro estava a Universal Studios.
Executivos do grupo reuniram-se no Meeting com representantes da Invest SP (agência de investimentos paulista) para buscar informações de público e local para a construção de um parque na região de Campinas, nas redondezas do Hopi Hari e do Wet’n Wild. A American Airlines também decidiu ampliar a frequência de voos para o Brasil e chegará a 116 partidas semanais para nove cidades do País, até o final deste ano. Segundo a diretora do Centro de Negócios de Miami da Apex, o Brasil está na moda como parceiro e a agência tem conseguido realizar seguidas rodadas de negociações entre startups de tecnologia.
Ela calcula que algo entre 20 e 30 empresas de TI nacionais podem vir a ter operações nos EUA até 2015, através de um programa de internacionalização e competitividade que a Apex está desenvolvendo. Calcular o tamanho dos dividendos dessas empreitadas é tarefa difícil, mas o potencial de crescimento está por todos os lados. Observe-se, por exemplo, as alternativas na área do agronegócio. O ex-ministro da agricultura Roberto Rodrigues, que apresentou o painel “A força do etanol e da laranja nas exportações do Brasil para os EUA”, disse que a agricultura nacional é, “de longe”, a mais sustentável do mundo e com grandes possibilidades naquele mercado.
De acordo com Rodrigues, enquanto a balança comercial teve saldo de US$ 19 bilhões, o agronegócio brasileiro alcançou resultado de US$ 79 bilhões. Os EUA representam apenas 7% das compras do setor, numa proporção que já foi de 18% e que vem caindo ano a ano. O etanol e o suco de laranja, maiores destaques nesse corredor, reúnem as melhores perspectivas de avanço. “É preciso flexibilizar os impostos de importação americanos que incidem sobre o nosso suco. Assim, teremos ali um mercado relevante, o que deve acontecer em breve”, acredita o ex-ministro.
Diplomacia: o ex-ministro Roberto Rodrigues e Fernando Freiberger (abaixo) trataram das regras
do mercado americano e a prefeita Rosenfield, ao lado de Doria, pediu investimentos
A visão é compartilhada pelo governador Marconi Perillo, que defendeu no Meeting uma política de biocombustíveis para que os EUA usem mais os combustíveis limpos e renováveis. “A mudança de consciência energética pela qual o planeta passa hoje pode ser a garantia de uma futura demanda americana pelo biocombustível brasileiro”, afirmou Perillo. Por enquanto, a abertura de entendimentos comerciais como esses já representam um alento em meio às rusgas abertas no plano diplomático.
Como diz Doria, enquanto os governos tentam resolver seu impasse, o setor empresarial mostra sua face mais pragmática. “Independentemente do que ocorreu, estamos aqui para representar o setor privado, cujo papel é o do desenvolvimento, geração de negócios e empregos”, aponta o empresário. “Eu estou trazendo os americanos para investir no Brasil e tudo está dando muito certo”, testemunha Edson de Godoy Bueno, que recentemente vendeu parte do capital da Amil para a gigante americana UnitedHealth, por US$ 4,9 bilhões.
Bueno acredita que a efervescência de negócios bilaterais nada tem em comum com a imagem negativa difundida por uma publicação que circulava durante o Meeting estampando o Cristo Redentor como um foguete desgovernado, com a chamada: “O Brasil estragou tudo?”. A resposta era dada ali, nas rodadas de negócios.