No início de novembro, durante um congresso em Fortaleza, o presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, anunciou as primeiras medidas para regulamentar o setor de pagamentos móveis. O assunto vinha sendo discutido por bancos, administradoras de cartões e por uma miríade de pequenas empresas há meses. Amplamente esperada pelo mercado, essa legislação deverá provocar uma enxurrada de lançamentos. Nos últimos meses, o anúncio de produtos e soluções para eliminar o dinheiro físico envolveu desde start-ups com meia dúzia de funcionários até gigantes como Banco do Brasil, Bradesco, Claro e Vivo. 

 

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Divisor de águas: Alexandre Tombini, presidente do BC: novas normas

dos pagamentos vão revolucionar o mercado

 

Maior novidade no mundo financeiro desde o surgimento do Sistema de Pagamentos Brasileiro em 2001, os pagamentos móveis vão dominar os negócios e definir boa parte dos gastos com tecnologia ao longo dos próximos anos. As novidades englobam desde transações prosaicas, como transformar vales-transporte em cartões pré-pagos, até sistemas mais complexos, que permitem a empresas controlar as despesas de seus funcionários com táxis. No entanto, o que realmente interessa às autoridades e aos bancos, principais protagonistas dessa atividade, é reduzir o uso do dinheiro em papel na economia. “Os meios de pagamento tradicionais esgotaram sua capacidade de expansão”, diz Aldo Luiz Mendes, diretor de Política Monetária do BC. 

 

“Os meios eletrônicos são a maneira mais fácil e barata de permitir a inclusão bancária de uma enorme parcela da população.” Mendes não diz, mas um efeito colateral extremamente apreciado pelas autoridades será facilitar o rastreamento e a tributação dos movimentos financeiros na economia, algo hoje bastante opaco. Os bancos comemoram o corte de custos em potencial. Marcos Bader, diretor-geral do Bradesco Cartões, diz que a manipulação do dinheiro físico custa entre 0,8% e 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Segundo ele, os pagamentos em dinheiro movimentam R$ 650 bilhões anualmente no País. 

 

As transações com cartões são maiores em termos absolutos – chegaram a R$ 710 bilhões em 2012 e deverão superar R$ 800 bilhões neste ano – mas seu crescimento vem esbarrando em uma muralha legal. Para se ter um cartão de débito ou de crédito, é preciso ter uma conta em um banco. Isso implica em ter CPF, endereço fixo e nome sem restrições nos cadastros de bons pagadores. Pelas contas dos especialistas do setor, essas exigências impedem o acesso de 40 milhões de brasileiros ao dinheiro eletrônico. Para driblar essa dificuldade, o BC autorizou a criação das chamadas contas de pagamentos, e dos bancos de pagamentos. 

 

Instituições financeiras mais simples, elas permitem a movimentação de dinheiro, mas não captam recursos no mercado nem concedem empréstimos. Sua fiscalização passa às mãos do BC, o que aumenta a segurança do sistema. “Pelas normas anteriores, se uma empresa que vendia cartões pré-pagos quebrasse, não haveria garantia para quem depositou dinheiro nesses plásticos”, diz Roger Ades, diretor da empresa de pagamentos paulista Agilitas, vinculada ao Banco Rendimento. Os próximos meses prometem ser agitados. O Banco do Brasil foi a primeira instituição financeira a mergulhar na nova regulamentação. 

 

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O fim do papel: Aldo Mendes, diretor do BC: “Pagamentos

tradicionais não têm como se expandir.” 

 

No dia seguinte à divulgação das novas medidas, o BB anunciou uma conta dedicada a quem não é cliente do BB – nem de qualquer outro banco. “Essa conta vai permitir que um cliente do BB faça uma transferência remota de dinheiro a alguém sem conta bancária”, diz Raul Moreira, diretor de cartões. “O destinatário do dinheiro recebe uma mensagem de texto em seu celular, que pode ser um modelo simples, e, com esse código, ele saca o dinheiro em qualquer caixa automático.” O interesse não surgiu por acaso. O banco analisou os resgates em dinheiro de dez milhões de correntistas por seis meses. 

 

Cada um sacou R$ 1.183 em média todos os meses para pagar empregados domésticos, corridas de táxi e outras despesas, movimentando R$ 71 bilhões. A explicação para esse uso intensivo do papel moeda é a enorme fatia da população não-bancarizada. De acordo com pesquisa do Instituto Data Popular, 39,5% dos brasileiros não têm acesso à rede bancária, seja pela dificuldade de acesso, endividamento ou até visão de que os bancos são “exploradores”. No entanto, quase todos esses clientes em potencial possuem celulares. Segundo a Anatel, no fim de setembro havia 268 milhões de celulares em atividade no País, 79% deles pré-pagos. 

 

Por isso, a estratégia do BB foi conversar sobre essa nova modalidade com quem tem conta no banco e saca mensalmente o salário de seus funcionários. “Conversamos com o patrão, porque eles confiam nele, mas não no banco”, explica Moreira. “A população entende como funciona SMS e o conceito de pré-pago, mas não sabe como interagir com um caixa eletrônico; vai ser um instrumento muito eficaz de educação financeira”, acredita. Vencido o medo, a expectativa é de que essa população abra conta nos bancos. Por isso, além do BB, Santander e Bradesco estudam a possibilidade de colocar a conta de pagamentos em prática. “A novidade deve vir a partir de 2014”, afirma Cassius Schymura, diretor de cartões e credenciamento do Santander. “Vamos sair do papel moeda e isso vai reduzir o custo Brasil e criar novas oportunidades para o banco.” 

 

O projeto mais recente do Santander é fruto da parceria com a empresa carioca Easy Táxi. Com o acordo, passageiros que pagarem corridas das 20h às 6h com cartão de crédito do banco terão desconto de 50%. A empresa dona do aplicativo para smartphone vai atuar como ponte entre os motoristas e a credenciadora de cartões do Santander, pelo Easy Pay, uma carteira digital que permite que sejam realizados pagamentos sem o uso do POS. “A regulamentação do BC foi um passo importante para a indústria de meios de pagamento alternativos, já que vai minimizar os riscos para o sistema e para os consumidores finais”, diz Schymura. Por sua vez, no Bradesco, a mais recente iniciativa é resultado da parceria com a Claro. Há duas semanas, foi lançado um cartão pré-pago que funciona como cartão, além de ter funcionalidade dentro do próprio celular. “O crescimento da utilização deve ser viral”, diz Bader.

 

 

 

Pode pagar com cartão, querido

 

Em Minas Gerais, a modernidade dos pagamentos virtuais chega à mais antiga das profissões

 

Divulgada no fim de outubro, a notícia bombou na internet. As profissionais vinculadas a uma associação de Minas Gerais fecharam um convênio com a Caixa Econômica Federal. Elas poderão usar os POS, as conhecidas “maquininhas” que registram transações de cartão de crédito para cobrar pelos serviços prestados. Trata-se de um enorme avanço para as cerca de duas mil garotas de programa (sim, você leu certo) filiadas à Associação de Prostitutas de Minas Gerais (Aprosmig). 

 

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“As garotas terão, além da maquininha, benefícios como seguro saúde, microcrédito e cartão de crédito”, diz Patricia Borges, secretária da associação. “Além de facilitar a cobrança, elas não correm mais tanto risco de assalto”, diz ela. Outros benefícios incluem o acesso a linhas de capital de giro, como as que estão disponíveis para outros trabalhadores autônomos. Embora o paradoxo da adoção de uma tecnologia moderna por trabalhadoras na profissão mais antiga do mundo tenha pouca importância em si, ele mostra a – sem trocadilho – penetração dos meios de pagamentos móveis e digitais em quase todos os segmentos da economia brasileira. Procurada, a Caixa não deu entrevista.