Uma das mudanças mais profundas da economia brasileira registradas ao longo dos dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva foi uma revolução na forma de as empresas se financiarem. Antes de 2002, a única fonte de recursos abundantes e de longo prazo das companhias brasileiras era o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). As subsidiárias locais das empresas multinacionais tinham mais sorte, pois poderiam contar com recursos das respectivas matrizes. O mercado de capitais, que é um dos principais pilares de qualquer economia desenvolvida, não era sequer considerado como uma fonte de recursos. A falta de transparência, a ausência de garantias para os investidores e a inoperância das autoridades que o regulavam contribuíam para manter o dinheiro distante. 

 

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Estreias no pregão: evolução na governança e na transparência tornaram a bolsa uma fonte de recursos para as empresas

 

Não por acaso, em 2001, a Bolsa de Valores de São Paulo negociou em média R$ 500 milhões por dia, um volume tão pequeno que ameaçava até sua sobrevivência. Os prognósticos eram ruins: a nova Lei das Sociedades Anônimas (S.A.), cujo objetivo era garantir mais direitos aos acionistas minoritários, havia sido aprovada no fim de 2001. Foram tantas as emendas que a situação dos pequenos acionistas não melhorou.

 

Esse cenário apresentou uma das reviravoltas mais surpreendentes nos oito anos do governo Lula. Sem muita interferência de Brasília, o mercado de capitais passou a funcionar como ocorre nos países desenvolvidos e tornou-se um ambiente regulado e seguro onde empresários com um histórico de sucesso ou com boas ideias podem encontrar sócios dispostos a correr riscos. 

 

Antes temido como o arauto do socialismo, Lula tornou-se, indiretamente, o paraninfo de uma revolução capitalista. Ao longo de seus dois mandatos, as iniciativas da bolsa, o protagonismo da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o arrojo de empresas que resolveram apostar na transparência e na governança promoveram o reencontro da economia e da sociedade brasileiras com o mercado de capitais. O Brasil entrou de vez no radar dos investidores internacionais. 

 

Os números impressionam. O total de investidores pessoa física que possuíam ações subiu de 85 mil em dezembro de 2002 para 630 mil no fim de 2010. Entre o início do primeiro mandato e o fim do segundo, o valor de mercado das empresas brasileiras negociadas em bolsa cresceu de R$ 487 bilhões para R$ 2,5 trilhões, já descontada a inflação – um aumento de 422%. 

 

Mais que isso, a bolsa deixou de ser uma instituição irrelevante no panorama econômico para incorporar-se de vez ao radar dos principais executivos financeiros, algo comprovado pelos resultados. 

 

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Cerimônias de abertura de capital da Multiplus, do Santander e da Natura: operações concorridas,

que trouxeram mais de 500 mil novos aplicadores nacionais e estrangeiros à Bovespa

 

Em 2003, primeiro ano de Lula no poder, o total de emissões de ações foi de R$ 2,9 bilhões, em valores de 2010. No último ano, até novembro, esse montante havia avançado para R$ 152 bilhões. 

 

Desde 2004, quando as primeiras companhias levantaram recursos em bolsa já seguindo os parâmetros do Novo Mercado – que fornece mais garantias ao investidor –, 163 companhias captaram R$ 352 bilhões em valores nominais. Nomes como  Natura, Gol, Santander e Multiplus  vieram ao pregão e se tornaram ativos cobiçados. 

 

Essas vendas de ações, a maioria de empresas recém-chegadas ao mercado, contaram com a participação de 2,23 milhões de investidores brasileiros e estrangeiros. As aberturas de capital da Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F) e da Bolsa de Valores de São Paulo, que depois se fundiriam na BM&FBovespa, trouxeram cerca de 260 mil novos investidores. 

 

“Esses lançamentos de ações trouxeram gente nova ao mercado suficiente para lotar três Maracanãs”, disse Edemir Pinto, CEO da BM&FBovespa. Hoje, a confiança é tanta que a BM&FBovespa estabeleceu metas ambiciosas de popularização. A meta é elevar o número de investidores para cinco milhões, um contingente inédito na história do mercado.

 

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A abertura do mercado trouxe novos setores à bolsa, como o agronegócio e a construção civil, mas não se restringiu ao sobe e desce dos pregões. Outros segmentos do mercado de capitais, como o dos investidores de risco, também prosperaram. 

 

As aplicações em fundos de investimento em participações, que concentram recursos destinados a empresas fechadas e com grande potencial de investimento, o chamado venture capital, movimentaram R$ 69 bilhões entre 2003 e 2010.

 

O principal mérito de Lula nesse processo foi ter tomado uma decisão correta em junho de 2002, ainda antes da primeira eleição – a de sinalizar claramente ao mercado que as regras do jogo seriam respeitadas. 

 

“Quando Lula publicou a Carta ao Povo Brasileiro, ele acabou com um terror histórico do mercado, o de que um presidente de oposição iria romper contratos e desrespeitar as regras do jogo”, diz Antonio Milano Neto, principal executivo da Fator Corretora.

 

Ao indicar que não seguiria o exemplo de vizinhos como o venezuelano Hugo Chávez, Lula acabou com o medo que os investidores tinham de políticos alinhados à esquerda. “Podemos dizer que a Carta ao Povo Brasileiro representou o fim da história para o mercado”, diz Milano. 

 

“Depois dela, nem mesmo os eventuais rumores de que Henrique Meirelles sairia do Banco Central chegaram a provocar pânico.” Lula manteve as boas práticas herdadas da administração de Fernando Henrique Cardoso. Uma delas foi a de avançar na transparência e na definição de regras. 

 

“O processo de consolidação de regras e melhoria da governança das empresas avançou bastante nos últimos oito anos”, diz o advogado Ary Oswaldo Mattos Filho, ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). “A legislação e a estruturação dos organismos de fiscalização melhoraram com cada solavanco do mercado.” 

 

O amadurecimento pode ser comprovado com fatos. Um deles é a ascensão do empresário Eike Batista e suas diversas empresas com nomes terminados em “x”. Batista abriu o capital de sua companhia de petróleo e gás, a OGX, em junho de 2008, antes de produzir petróleo suficiente para azeitar as dobradiças das portas da Bovespa. 

 

Várias outras aberturas de capital se seguiram. Atraídos pela transparência e liquidez do mercado, investidores internacionais compraram fatias de suas empresas. Hoje as ações da OGX estão entre as cinco mais negociadas do pregão. 

 

“Nos países desenvolvidos é comum que investidores comprem empresas iniciantes”, diz Batista. Isso só foi possível porque ele encontrou um mercado de capitais disposto a financiar suas ideias. Claro, suas iniciativas têm risco. Porém, no caso de fracasso, os prejuízos ficarão com os investidores, sem desembocar nos cofres públicos.

 

Essa construção não está completa, pois ainda falta ao mercado uma estrutura de financiamento de longo prazo baseada em títulos de renda fixa. “Esses papéis são mais fáceis de ser compreendidos pelos investidores iniciantes e servirão para democratizar ainda mais o mercado”, diz Mattos Filho. 

 

No entanto, mesmo incompleta, a revolução capitalista do mercado de capitais colocou o Brasil no mapa dos investidores internacionais – algo que nem o investidor mais otimista poderia prever quando Lula envergou pela primeira vez a faixa presidencial.