O empresário Paulo Xu, de 45 anos, tem uma trajetória incomum. Sem saber falar uma única palavra em português, o imigrante chinês desembarcou no Brasil em 1994 para trabalhar como ajudante de cozinha. Em 2004, após abrir seu próprio restaurante, mudou de ramo e fundou a DL, que importava panelas elétricas. Um ano mais tarde, a empresa entrou no mercado de eletrônicos, com reprodutores de MP3. A grande tacada, porém, veio em 2010, quando Xu decidiu investir no então nascente mercado de tablets.

Em pouco tempo, a companhia desbancou as poderosas Apple e Samsung e se tornou a líder da categoria no País. Com fabricação própria em Santa Rita do Sapucaí (MG), a receita para cair no gosto dos consumidores, especialmente da classe C, combinou preços na faixa de R$ 249 a R$ 699, e uma linha ampla de dispositivos com o sistema operacional Android. A DL, sigla para Digital Life, ainda está no topo do mercado brasileiro de tablets. Em 2015, vendeu 1,1 milhão de unidades. Em uma conta conservadora, faturaria pelo menos R$ 400 milhões só com os tablets.

É, de fato, um bom negócio. Mas as vendas da categoria vêm caindo em todo mundo. É sob esse cenário que Xu prepara a reinvenção da fabricante. O caminho escolhido? O disputado mercado de smartphones. “Não vamos abrir mão dos tablets, mas nossa oferta estará mais restrita a nichos”, diz Xu. “No nosso plano, os celulares vão representar 70% da nossa receita até o fim deste ano.” Atualmente, essa é a fatia dos tablets no faturamento da companhia. Os 30% restantes estão relacionados a acessórios, como capas e carregadores.

A DL escolheu investir inicialmente nos feature phones, como são conhecidos os celulares básicos, sem conexão à internet. Para isso, fez um aporte de R$ 15 milhões na adaptação na linha de produção. Atualmente, a fábrica da DL tem capacidade de produzir 10 mil tablets e 15 mil celulares ao dia. No último trimestre de 2015, a companhia lançou dois modelos, com preços de R$ 149 e R$ 249. A ideia é ganhar fôlego a partir de aparelhos com preços mais acessíveis e do foco em consumidores pouco habituados a recursos mais avançados, como idosos. “Precisamos de uma porta para chegar aos smartphones”, diz Xu.

Para o diretor da consultoria brasileira de tecnologia IT Data, Ivair Rodrigues, a migração da DL faz sentido. “A empresa percebeu que se ficasse restrita aos tablets estaria com os dias contados.” Segundo o analista, o mercado de celulares básicos é pequeno, mas totalmente ignorado por outros fabricantes. “E terá uma sobrevida por conta da queda no poder aquisitivo do consumidor.” A companhia prepara agora o lançamento de sua linha de smartphones a tempo de aproveitar as vendas do Dia das Mães. O orçamento restrito dos consumidores também guia a estratégia na categoria.

A empresa vai apostar em aparelhos na faixa de R$ 400 a R$ 700. “Com a alta do dólar, smartphones intermediários que eram vendidos a R$ 399 subiram para um patamar acima de R$ 700”, diz Xu. “É um preço fora da realidade do consumidor. Temos um bom espao para explorar.” Para Reinaldo Sakis, analista da consultoria americana IDC, há boas perspectivas para que a DL capture parte dessa demanda. Mas ele ressalta um desafio. “No mercado dos smartphones, diferentemente dos tablets, a marca é um dos itens mais valorizados na decisão de compra.” Os celulares não são a única novidade da DL. No fim de 2015, a empresa fez um teste com dois modelos de relógios inteligentes, sendo um destinado ao público infantil e outro, para adultos.

Um pequeno lote foi colocado em poucos varejistas. Agora, a companhia negocia com um grande parceiro, de nome não revelado, para o lançamento em escala comercial. Apesar da queda de 30% nas vendas dos tablets em 2015, o empresário garante que não irá abandonar a categoria. O que muda é a abordagem. Dos atuais 25 modelos, o plano é focar em cinco linhas, voltadas ao público de 3 a 15 anos. Outra vertente são os tablets adaptados para companhias. Xu está de olho na crescente automação de pequenos estabelecimentos. Muitos, como ele, podem se tornar os gigantes do futuro.