A união entre tradição e modernidade é um desafio constante no mercado de luxo. Marcas centenárias, forjadas pela qualidade dos produtos, precisam se adaptar aos novos hábitos de consumo. A secular Maison Veuve Clicquot é uma das que vive esse dilema constantemente. Ela produz uma das mais clássicas e nobres bebidas que existem, mas sabe que não pode repousar em berço esplêndido. “O champanhe vem de um tempo no qual a maneira de olhar para o mundo era muito autocentrada.

Todas as grandes maisons sempre olharam muito mais para o próprio mercado”, diz à DINHEIRO o CEO mundial da empresa Jean-Marc Gallot. “Mas hoje você tem, em muitos países, a vodca crescendo bastante, o uísque e até o gim, que está de volta. Por isso, buscamos encontrar novas maneiras de aproveitar o champanhe”. A receita adotada pela lendária marca foi lançar produtos voltados para o público jovem e, principalmente, amantes da mixologia.

Na metade de 2015, a empresa trouxe o Veuve Clicquot Rich, primeiro champanhe criado para ser misturado com outros ingredientes. A Maison indica, por exemplo, abacaxi, raspas de grapefruit, pepino e chá, algo impensável para um autêntico apreciador da bebida alguns anos atrás. Deu certo: o Rich já representa 5% do volume de vendas da Veuve Clicquot no País. Isso não quer dizer que a casa de Ponsardin, pertencente ao grupo LVMH, que faturou  35,6 bilhões no ano passado, dos quais  4,6 bi-lhões com bebidas, deixou a tradição de lado.

A marca agora lança a linha Vintage 2008, o primeiro da série criado por Dominique Demarville, Chef de Cave da Clicquot desde 2006. O lançamento chegará ao Brasil no último trimestre deste ano. Ele representa o retorno à tradição que remonta aos primórdios da produção da bebida: a maturação em barris de carvalho. Segundo Dominique, a técnica ajuda a extrair o melhor da colheita, graças à lenta micro-oxigenação, que intensifica os aromas naturais do vinho. No caso do Rich, a novidade foi um sucesso nos Estados Unidos.

O maior mercado consumidor do mundo também é o principal destino das bebidas do grupo, com 30% de participação. “O espumante é uma bebida conservadora. Hoje o desafio maior é conquistar um novo estilo de consumidor”, diz Eliana Araujo, sócia-proprietária da Wine Soul Store, loja de vinhos em São Paulo. Apesar da seriedade que carrega em sua trajetória e da sofisticação de sua bebida, há quem consiga vislumbrar a ousadia da marca. “Vejo a Veuve Clicquot como diferente nesse sentido. É despojada e inovadora.

Tem uma essência fashion, marcada pelo cuidado na produção das diferentes embalagens”, diz Thiago Mendes, enólogo e sócio-fundador da Eno Cultura, consultoria especializada no segmento. Do ponto de vista mercadológico, eleger um produto como o Rich pode ter sido uma escolha positiva. “Acho muito válido esse tipo de experiência, que abre horizontes para novas sensações e sabores inusitados”, diz Arthur Piccolomini de Azevedo, presidente da Associação Brasileira de Sommeliers de São Paulo.

Além de trazer novidades, a Veuve Clicquot tem como desafio manter a qualidade. E, para isso, diz Gallot, preserva seu sistema de parceiros, que garante o fluxo de matéria-prima para o champanhe. A Maison produz 40% da uva utilizada na fabricação da bebida. O restante vem de pequenos produtores da região de Champagne, no Nordeste da França, único lugar que pode, de fato, produzir a bebida com este nome. “Fazemos um trabalho cuidadoso para manter esses produtores do nosso lado”, diz o executivo. A questão não é dinheiro, mas qualidade. A Veuve Clicquot mantém um ritual de plantio e colheita que busca garantir um padrão excepcional à fruta.

Atualmente, o País é um dos mercados que mais consomem espumantes, ocupando a oitava posição no ranking mundial. Números do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin) apontam que, somente em 2015, foram importados mais de 4 milhões de litros. “Ainda que o consumo venha crescendo, muitas pessoas ainda não têm familiaridade com o champanhe, então se sentem atraídas com uma opção mais contemporânea, visto que a coquetelaria já desponta há algum tempo no cenário internacional e está conquistando, cada vez mais, espaço no Brasil”, aposta o enólogo.

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“Mais do que nunca, estamos olhando para fora do nosso mundo”

Jean-Marc Gallot, CEO mundial da Maison Veuve Clicquot

É verdade que muitos brasileiros ricos costumam viajar com seus jatinhos para a França somente para comprar na Maison?
Não diria que vão apenas para comprar nossos produtos. É mais pela experiência de vivenciar nossas tradições e conhecer nossa história e sentir o espírito Clicquot.

A Maison tem uma área limitada para produção. Como lidar com esse desafio, em um mercado cada vez mais competitivo?
Nós temos alguns vinhedos que produzem menos de um quarto do que precisamos. O restante é por meio de parcerias com produtores locais. Temos de convencê-los a vender as uvas para nós. Estamos no mercado há mais de 200 anos e vamos continuar. Dessa forma, conseguimos ganhar mais mercado. Mas o volume não é a principal meta e, sim, a qualidade. 

Como o sr. enxerga o mercado de bebidas atualmente?
O champanhe vem de um tempo no qual a maneira de olhar para o mundo era muito autocentrada. Todas as grandes maisons sempre olharam apenas para o próprio mercado. Há um crescimento forte da vodca, do uísque e até do gim, que está de volta. Até mesmo a tequila e o conhaque. O mercado de bebidas premium está avançando em um ritmo mais rápido do que o de champanhe.  Mais do que nunca, estamos olhando para fora do nosso mundo, o mundo do champanhe.