Luiz Inácio Lula da Silva ainda não passou a faixa presidencial para Dilma Rousseff, mas já faz planos para ser “o melhor ex-presidente da história deste País”. O que isso significa? 

Um estadista como Lula, que ganhou projeção global por sua trajetória marcante e acumulou um capital político gigantesco pelos avanços econômicos e sociais de seus oito anos de governo, descerá a rampa flutuando na mais alta popularidade que um ex-presidente jamais teve no Brasil. 

 

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Poderá usar essa força de várias maneiras no cenário nacional ou internacional. Sombra de Dilma, palestrante concorrente de Bill Clinton e Fernando Henrique Cardoso, lutador contra a fome na América Latina e na África ou mediador da paz no Oriente Médio são apenas alguns dos papéis possíveis que Lula pode querer abraçar. 

 

Ainda é cedo para apostar o melhor figurino que lhe caberá a partir de 1º de janeiro de 2011. Mas uma coisa é certa: animal político no auge da forma, ele certamente tentará ocupar um novo lugar na história, bem diferente do ostracismo ao qual foi relegado outro operário famoso, o polonês Lech Walesa, que preferiu voltar para a fábrica e para suas bases em Gdansk após um melancólico mandato.

 

Cada país tem sua própria tradição nessa área. Nos Estados Unidos, os ex-presidentes saem da cena doméstica automaticamente, pois não podem ser reeleitos para um terceiro mandato e deixam o novo ocupante da Casa Branca trabalhar sossegado, sem dar palpites públicos nas ações do governo sucessor. 

 

George W. Bush voltou para o Texas após a posse de Barack Obama e só reapareceu ao seu lado para ajudar as vítimas do terremoto do Haiti. Missões externas e diplomáticas, como a libertação de prisioneiros americanos, também atraem Jimmy Carter e Bill Clinton. 

 

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No Brasil, os quatro ex-presidentes vivos continuam ativos na política nacional. Aliados de Lula no Congresso, Fernando Collor de Mello e José Sarney foram para o Senado. Itamar Franco voltou ao governo de Minas Gerais e agiu como opositor de Fernando Henrique Cardoso – agora, está retornando ao Senado. 

 

FHC, por sua vez, continuou dedicado à política partidária no PSDB – sem poupar Lula de críticas contumazes – e montou o Instituto FHC para preservar sua memória e promover debates sobre temas internacionais.  

 

Criar o Instituto Lula para defender seu legado é uma das hipóteses aventadas pelo presidente de honra do PT, que já estaria amealhando apoio financeiro de grandes empresários,  com destaque para as empreiteiras, grandes beneficiárias do PAC. 

 

A vitória de Dilma e sua forte influência sobre a sucessora e o partido tornam esta tarefa mais fácil. Networking é poder. Clinton, cuja esposa Hillary, tornou-se a poderosa secretária de Estado de Obama, tem o apoio financeiro de grandes multinacionais, como a Intel, nos programas educacionais da Clinton Global Initiative em vários países. 

 

Lula tem uma formação e um perfil diferente dos de FHC e Clinton, além de ser visto como potencial candidato a retornar ao Planalto em 2014, quando terá 69 anos. Abrir mão disso seria um passo na direção do também mítico Nelson Mandela, que tinha tudo para passar décadas no poder, mas preferiu aposentar-se e abrir o caminho para o surgimento de novas lideranças, fortalecendo a jovem democracia da África do Sul – ao contrário dele, outro ex-revolucionário africano, Robert Mugabe, decidiu perpetuar-se no poder, o que contribuiu para a falência econômica do Zimbábue.

 

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Lula na África: o presidente poderá fazer a ponte entre o Brasil e os países da região

 

Uma volta ou não de Lula ao poder ainda é uma grande incógnita. O próprio presidente já declarou que Dilma terá todo o direito a concorrer à reeleição, podendo ficar oito anos no poder. Mas há quem aposte em um terceiro mandato. 

 

“Lula teve um governo de muito sucesso e sairá como um nome muito popular. Certamente poderá voltar a concorrer para presidente em 2014”, avalia o historiador nova-iorquino John Schulz, fundador da Brazilian Business School. 

 

“Imagino que Lula tenha pretensão de voltar em quatro anos”, diz o cientista político José Augusto Guilhon de Albuquerque, da Universidade de São Paulo. Isso vai depender de inúmeros fatores, da sua vontade pessoal ao desempenho do governo Dilma. “O futuro dele e de Dilma estão ligados. Seu papel será muito forte no governo dela”, afirma Albuquerque.

 

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É uma questão delicada. O presidente que sai não pode ofuscar o que entra, como aconteceu na Rússia de Wladimir Putin, cujo sucessor, Dimitri Medvedev, vive à sombra do antigo chefe do Kremlin. 

 

Esse perigo não existe no Brasil, onde o presidencialismo é forte e a democracia, mais consolidada que a russa, compara Schulz. “A Dilma vai ter o poder na mão e vai querer exercê-lo. 

 

Nas democracias maduras, o novo governo segue rumo próprio, por mais que deva ao anterior”, insiste. Uma alternativa para Lula seria atuar nos bastidores internamente e usar seu prestígio publicamente no Exterior, já que ajudou a fortalecer o G20 e colocou o Brasil no centro das principais discussões do planeta, como a questão nuclear iraniana. 

 

Neste campo específico não houve vitória e choveram críticas de todos os lados, mas o Brasil passou a ser visto definitivamente como um ator relevante no cenário global. Por mais descartado que esteja um cargo para ele na ONU ou uma embaixada importante, Lula sai com cacife para ser um porta-voz informal do País no próximo governo. 

 

“Acredito que ele deva buscar uma ação mais internacional”, diz Gilberto Carvalho, chefe de Gabinete do presidente. Neste caso, o mais provável é que ele se dedique ao combate à fome na África e à aproximação econômica entre os países do continente e as empresas brasileiras. Caso tenha sucesso, Lula poderá conquistar a única coisa que ainda falta em seu currículo: o Prêmio Nobel da Paz.

 

Colaborou Guilherme Queiroz