Um dos diálogos mais citados no mundo dos negócios americano ocorreu no terceiro trimestre de 1988. Donald Keough, então presidente da Coca-Cola, notou que as ações da empresa, que ainda sentiam os efeitos do crash do ano anterior, estavam sendo adquiridas em grande quantidade. Ao investigar, Keough descobriu que as ordens de compra vinham do Meio-Oeste americano e pensou imediatamente em um conterrâneo de quem havia sido vizinho na infância em Omaha, Nebraska. Ao telefone, Keough perguntou: “Ei, parceiro, o que está acontecendo? Por acaso você está comprando nossas ações?”.

Do outro lado da linha, alguém que atendia pelo nome de Warren Buffett respondeu: “Por acaso estou, e agradeceria se você não contasse isso para ninguém antes de eu anunciar publicamente”. No início de 1989, os acionistas da Berkshire Hathaway, a empresa de Buffett, foram informados de que ele havia investido US$ 1,02 bilhão, um terço de seu capital, para comprar 7% do capital da Coca-Cola. Na época, Wall Street não entendeu muito bem o movimento, pois Buffett pagou caro, contrariando sua estratégia de só comprar ações muito baratas. No entanto, em declarações posteriores, o bilionário explicou que o que o atraiu foram as características únicas da empresa: marca forte, abrangência global e capacidade de expansão.

O tempo provou que ele tinha razão: no fim de abril passado, essa participação valia US$ 12,6 bilhões, um retorno médio anual de 11% em 25 anos. “Nunca vendi uma só ação da Coca-Cola, e não pretendo vender”, diz Buffett. Agora, a aposta do mercado é que ele pode comprar ainda mais papéis da empresa, mas desta vez ao lado de um velho amigo e novo parceiro de negócios, o brasileiro Jorge Paulo Lemann, com quem dividiu a aquisição da empresa de molhos Heinz. Buffett e Lemann se conheceram quando ambos fizeram parte do conselho de administração da Gillette. O traço da personalidade do brasileiro que mais chamou a atenção de Buffett foi seu laconismo.

Lemann costuma falar pouco nas reuniões e só pedia a palavra quando percebia que havia algo realmente relevante a dizer. E, antes mesmo de fecharem juntos o negócio com a Heinz, Lemann sugeriu a Buffett que considerasse uma parceria em um avanço na Coca-Cola. Essa hipótese parece estar cada vez mais perto de se concretizar. No encontro anual de acionistas da Berkshire no sábado 3, Buffett disse que era “bastante provável” que ele e Lemann fizessem mais negócios juntos. Um empresário que conhece Lemann afirmou à DINHEIRO que comprar uma empresa de refrigerantes seria o caminho natural. “A 3G apostou em empresas de alto consumo e que possuem risco diluído, caso da Ambev, da Burger King e da Heinz”, diz.

“A Coca-Cola ou a Pepsi seriam complementos perfeitos para esse portfólio.” Quando analisavam a compra da Anheuser-Busch, Lemann e seus sócios no fundo de private equity 3G, Marcel Telles e Beto Sicupira, consideraram a compra de uma participação nas gigantes de refrigerantes como uma alternativa de expansão. Para quem conhece a trajetória da dupla Lemann-Buffett, uma ampliação da aposta na Coca-Cola faria todo o sentido. A empresa não tem brilhado muito no mercado. Nos últimos 12 meses, suas ações caíram 1,4%, ante uma alta de 15,5% do índice S&P 500. Mais recentemente, inúmeros acionistas passaram a reclamar do desempenho da companhia. Seu lucro no primeiro trimestre de 2014 foi de US$ 1,62 bilhão, o pior resultado trimestral desde 2009.

O mau humor foi tanto que obrigou o CEO Muhtar Kent a reduzir em 33% seu salário e seu bônus de 2013 e contentar-se em levar para casa a módica quantia de US$ 20,6 milhões. No encontro de acionistas da Berkshire, Buffett declarou que “fez saber” a Kent que estava insatisfeito com o desempenho da companhia e com a remuneração dos executivos, mas disse também que evitou reclamações para não desgastar a imagem da Coca-Cola. Com menos pruridos – e com o capital quase ilimitado de Buffett à disposição –, Lemann e seus sócios da 3G Capital poderiam engolir até uma gigante do porte da Coca-Cola e aplicar nela a receita usada na Anheuser-Busch, no Burger King e na Heinz: elevar preços, espremer fornecedores, cortar benefícios e despesas para ampliar as margens.

Uma empresa global de bebidas não alcoólicas teria sinergias enormes com a AB InBev. O mesmo ocorre com a cervejaria SABMiller, dona de marcas como a americana Miller, a australiana Forsters e a tcheca Pilsner Urquell. Forte na África, na Ásia e na Oceania, a SAB colocaria alfinetes em pontos vazios no mapa de dominação global do mercado de cervejas traçado por Lemann. Outra hipótese, menos provável, é que Buffett e Lemann façam um lance sobre a Mondelez, fabricante de biscoitos, doces e salgadinhos desmembrada da Kraft Foods.

Proprietária de marcas globais como as dos biscoitos Oreo, das balas Halls e dos chicletes Trident, além dos brasileiríssimos chocolates Lacta, a Mondelez anunciou um corte de gastos de US$ 1,5 bilhão. No entanto, o banco de investimentos Goldman Sachs defendeu uma redução de US$ 2 bilhões nas despesas, cifra que provocaria risos irônicos da equipe da 3G por sua timidez. Na quarta-feira 7, porém, essa hipótese foi parcialmente afastada, pois a Mondelez anunciou a venda de sua unidade de cafés para um concorrente suíço por US$ 5 bilhões. Sem a Mondelez, a sede de Buffett e Lemann pela Coca-Cola deve aumentar.