Um misto de tensão e ansiedade dava o tom daquele fim de tarde da segunda-feira, dia 6 de junho, num prédio do Jabaquara, bairro da zona Sul de São Paulo. De repente, o silêncio que dominava o local se transformou em uma explosão de buzinas, confetes e gritos de felicidade. A notícia que deu início ao Carnaval fora de época veio de longe. A cerca de 500 quilômetros dali, no edifício onde já funcionou a extinta Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, a Officer, distribuidora brasileira de informática, desde softwares até computadores e máquinas de cartões de crédito, acabara de obter a aprovação do seu plano de recuperação judicial. Em assembleia, 57,2% dos 1,2 mil credores deram um voto de confiança para a companhia. “Estávamos estrangulados e eu me sentia como o violinista do Titanic”, diz Luiz Comazzetto, 41 anos, CEO da Officer, relembrando o contexto que levou a principal distribuidora do mercado local a entrar com um pedido de recuperação judicial, em outubro de 2015, com uma dívida de R$ 268,6 milhões.  “Desde então, conseguimos mostrar que ainda estamos vivos e agora temos um fôlego para recuperar nossa relevância.” Empresa do fundo de investimentos Ideiasnet, a Officer chegou a faturar perto de R$ 2 bilhões em 2012.  Hoje,  a projeção de receita anual da companhia é bem mais modesta, de R$ 200 milhões.

Terceiro CEO em 23 anos de história da distribuidora, Comazzetto chegou à companhia em dezembro de 2014. Com passagens por Ambev, TIM e Nokia, o executivo havia sido demitido em setembro, em um corte feito pela Microsoft, que comprara a fabricante de celulares, um ano antes. Nos dois meses seguintes, ele fez 45 entrevistas e alcançou a fase final nos processos seletivos para diretor das multinacionais Sony, Samsung e Huawei. A outra opção era o posto de vice-presidente comercial da Officer. Em dúvida, consultou, por indicação de amigos, uma cartomante, que lhe disse que a melhor alternativa seria aquela do cargo mais alto. De quebra, ouviu que seria o presidente da tal empresa em menos de um ano. Seis meses depois, ele assumiria o comando da Officer, no lugar de Ronaldo Miranda, que foi liderar os negócios da rival Arrow na América Latina. 

Por ironia do destino, Comazzetto encontrou um cenário de terra arrasada em sua primeira experiência como presidente. A Officer acumulava dívidas com bancos e parceiros. Sem acesso a crédito e com a deterioração progressiva do seu caixa, a empresa passou a ser bloqueada por fornecedores. Os parceiros que ainda restavam, como HP e Lenovo, exigiam pagamentos à vista.  “Por muitos anos, o principal erro da Officer foi querer manter a liderança a qualquer custo”, diz . “Vender sem margem era a regra.” Sami Haddad, CEO da Ideiasnet, reforça: “A empresa se acostumou a aumentar seu estoque e a esticar condições de pagamento para vender mais e rapidamente”, afirma. Alguns fatores externos acentuaram essa situação. Com boa parte dos custos atrelados ao dólar, a receita do setor registrou uma queda de 8%, saindo de R$ 12,6 bilhões, em 2014, para R$ 11,5 bilhões no ano passado.

A saída foi reforçar a estratégia de corte de custos, iniciada por Miranda. Comazzetto reduziu o time de 364 funcionários para 106 profissionais e fechou os escritórios em Porto Alegre e Belo Horizonte. A companhia também deixou de trabalhar com linhas como smartphones e acessórios de informática. Entre outras iniciativas, o pacote incluiu ainda a centralização da área de compras. Esses esforços, no entanto, não evitaram a recuperação judicial. “Na véspera do pedido, tínhamos R$ 800 mil em caixa. Só a nossa folha de pagamento era de R$ 2 milhões”, diz o executivo.

Com a aprovação do plano, a expectativa é recolocar, gradativamente, a Officer nos trilhos. “O principal desafio é restabelecer nossa rede de parceiros”, diz Comazzetto. Hoje, a empresa trabalha com fornecedores como Microsoft, Cisco e Samsung, além de cinco mil revendas ativas. Em um primeiro passo de reaproximação, a Officer vai oferecer um pagamento de até R$ 10 mil a todos os seus credores. Com a medida, a companhia quitará suas dívidas com 88,3% deles. Para Ivair Rodrigues, sócio da consultoria IT Data, a companhia contará com o auxílio do mercado nessa retomada. “Não é interessante para ninguém que o mercado fique na mão de apenas um grande distribuidor”, diz, referindo-se à americana Ingram Micro, que comprou a brasileira Ação Informática, em outubro de 2015, por valor não revelado. Rodrigues também destaca o fato de a Officer estar dando maior foco a vertentes como software e automação, e às ofertas para o mercado corporativo. “São segmentos com margens mais atrativas.”

A sede atual da  companhia também está no centro das mudanças. Com três mil metros quadrados e cem vagas na garagem, a estrutura é hoje apenas uma pálida lembrança de outros tempos, com boa parte das suas salas vazias. Na segunda, 4, a Officer vai transferir a operação para um andar de 700 metros quadrados em um prédio no Brooklin, bairro da zona sul de São Paulo. Com a iniciativa e as ações implantadas recentemente, a previsão é economizar R$ 56 milhões no ano. “Estamos construindo uma nova Officer, tão intensa como antes, mas muito mais enxuta e consciente”, diz Comazzetto. Ele não descarta uma nova visita à cartomante para saber o que o futuro reserva à empresa. À parte de qualquer previsão, no entanto, as cartas da Officer em busca de dias melhores já estão na mesa.